ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

quinta-feira, setembro 30, 2004

 

Com a verdade me enganas

Com a Daniela, e com as outras todas, era de uma sinceridade brutal – porque a não queria, pelo menos não de início (ou até começar a perdê-la). Não era querê-las que ele queria. Mas, precisamente porque as não conseguia querer, nada tinha a perder. Se quem quer está sempre «por baixo», ele só podia estar, assim o pensava, «por cima». Era, por essa razão, de uma sinceridade redentora, sem concessões. Ele era sincero. Ele mentia. Pensava: a sinceridade é um arbusto como qualquer outro, atrás do qual nos podemos esconder. Aliás, como arbusto, é até dos mais eficazes: de uma opacidade impenetrável, porque aparentemente transparente. A espessura da muralha diz muito sobre o inimigo a pensar no qual foi construída. Que tipo de inimigo requer a espessura de uma brutal sinceridade, era a pergunta que se fazia. Rui

 

La granja de los famosos

Após visionamento da versão espanhola, penso estar em condições de revelar o que é, afinal, a quinta dos famosos. Apanhei o programa já a meio no canal 3 e, à primeira vista, pensei tratar-se da quinta dos anónimos. Mas não: a apresentadora confirmou que os concorrentes eram famosos. Como não tenho lido a Hola, não posso dizer muito sobre a vida de Arancha Bonete (actriz do canal playboy?), Paquita Torres (voz-off do canal 18?), Xangai Lily (uma bruxa transsexual?), Paco Fdez-Ochoa, Ernesto Calzadilla, Olivia Borbón, Alonso Caparrós, e tantos outros "granjeros".
Ao contrário do que se passava no Big Brother, na Quinta, cada "granjero" apenas pode nomear um (e só um) concorrente. Durante toda a semana, Mariciel (a má da fita) andou a dizer aos colegas que queria saír. "Estava com medo que acontecesse alguma coisa entre mim e o Alonso". Na véspera das nomeações arrependeu-se. Que não, que "o Alonso é que a tinha convencido a sair", que "apesar de ser mulher, estava a aprender muito com os animais", etc., etc. Tarde de mais. Pelas minhas contas, levou dez nomeações. Paquita, Alonso e a Bruxa levaram uma nomeação cada. (Merece destaque a justificação que Jorge deu para nomear Paquita: "cada dia que pasa la aprecio más".) Estávamos, portanto, perante um empate, sendo certo que só podem ir dois a votos. E quando assim é entra em cena a figura do "capataz" - um concorrente nomeado para desempatar a contenda. Fran desempatou a favor de Paquita e da Bruxa (que, aparentemente, tem ali um papel "fundamental"). Assim, logo na segunda jornada, Espanha inteira assistia ao duelo Maricielo/Alonso - uma espécie de Real-Barça da "granja" dos famosos. Desconfio das contradições de Mariciel, mas admito que Alonso possa causar uma certa irritação. Como tem um tique entre os olhos e o maxilar, está permanentemente a rir. Mesmo quando o assunto é sério. Parece o Joker do Batman.
Finalmente, há que sublinhar que na Quinta não se vota para expulsar, vota-se para salvar determinado concorrente. A votação dura uns longos 40 minutos, que, televisivamente, só servem para encher chouriços. Durante a votação, há tempo para tudo: para vermos imagens dos nomeados (claramente favoráveis a Alonso), para muita publicidade e até para os concorrentes darem as boas vindas a mais um animal. Esta semana chegou o Jazz, o bonito labrador de Paco Fdez-Ochoa. O Jazz já deve ter tido acesso a uma sondagem à boca das urnas, pois aproveitou o tempo que faltava para dar umas últimas lambidelas na Maricel. O Alonso teve uma vitória "retumbante", ainda assim abaixo dos 78% do eng. Sócrates.
Em suma, e parafraseando o Alonso, "el concurso es de puta madre".
Filipe

 

Respeito pelos antigos

Fiquei muito feliz com a entrega do Prémio Camões a Agustina Bessa-Luís. Afinal, deve ter tido um sabor especial: depois de tantas homenagens e condecorações, não deixa de ser relevante receber, finalmente, um galardão que recorda o nome de um velho amigo. Parece que estou a ver Agustina emocionada na cerimónia de entrega, recordando a bonita geração de quinhentos, as brincadeiras e os namoricos próprios dos dois jovens que eram então. E dizendo, para si própria: “Camy, esta é para ti!”
Alexandre

 

Foi você que pediu um Rui?

Sim, branco.
Alexandre
PS: Juro que esta piada me pareceu muito boa na madrugada em que a inventei.

 

Não te deixarei sozinho, Rui Branco

Foi mais ou menos a promessa que lhe deixei no último fim-de-semana, num daqueles saudáveis e lúcidos diálogos que se tem às cinco da manhã, em frente a uma imperial e meia-dúzia de croquetes.
E aqui estou, de peito feito para ser castigado pela minha vadiagem por outras paragens que não a nossa esplanada.
Como ando pouco imaginativo, terei de repisar assuntos que já devem ter sido dissecados um pouco por toda a blogosfera conhecida, mas prometo pôr-me, rapidamente, “up to date”.
O disparate segue dentro de momentos...
Alexandre
PS: É espantoso como uns dias de paragem nos podem deixar completamente fora de forma...

 

Valia a pena retroverter

Esta coisa das traduções meteu-se-me na cabecinha. Esta do Carrère correu bemzinho (muito obrigado a todos os que se lhe referiram, ainda bem que gostaram – os que gostaram – e obrigado pelos vossos obrigados) e sinto-me, portanto, confiante. Eufórico. Assim, penso ter encontrado um desafio à altura. Nada mais, nada menos que retroverter para a língua portuguesa «I’m in Love with a Pop Star» de Margarida Rebelo Pinto. Rui

terça-feira, setembro 28, 2004

 

Disofrol

De acordo com uma revista que li no avião, Madrid é a cidade mais alta da Europa. Por esta altura do ano, as temperaturas oscilam entre os 9 e os 33 graus. É, portanto, o clima ideal para jovens enfermiços como eu. Segundo os apresentadores da meteorologia, esta época é a mais agradável "en nuestro pais" (imagino o que me espera daqui para a frente). Para já, apanhei um resfriado. Os aparelhos de ar-condicionado não se adaptam a estas coisas da natureza. Na Farmácia indicaram-me o DISOFROL. É tiro e queda. "Está indicado en el alívio sintomático de la congestión nasal y estornudos (?) en casos de resfriado común". Tem apenas uma ligeira reacção adversa: "puede aparecer somnolência". No meu caso, a sonolência apareceu mesmo - o que foi óptimo, pois, ao fim de 20 horas de hibernação, fiquei como novo. Só lamento que o professor Marcelo, sempre tão atento a estas coisas, não nos tenha informado da existência deste medicamento. Filipe

 

Left hung out to Dreyer

Miguel: «Como te chamas?»
«Inger». Era loira e parecia dinamarquesa. «And you...?»
«Miguel...uh, Michael I guess. Nice to meet you».
Inger: «You know Michael, I can only be a romantic for five minutes at a time. Otherwise, I’m a Gemini.»
Silêncio.
Rui

 

O que é que tens de urgente para postar?

Dois blogs. Um sobre urgências. Outro sobre contingências. A vida, pois.

Urgências

Irmã Lúcia Nuno

 

Vamos jogar a uma coisa (XVI)

Para escrever esta nota final, a um ano e meio de distância, tive de mergulhar no baú onde empilhei todos os e-mails que recebi. Sorrio ao relê-los, sorrio quando descubro que nasceram clubes on-line de pessoas que gostariam de ter estado naquele comboio. Depois regresso à mensagem que mais me comoveu e à que considerei mais desagradável: tinha-as colocado de parte, e visto que são ambas anónimas penso que poderei reproduzi-las aqui, mesmo sem a autorização dos autores.
Eis o mais perverso:
«- Posso começar a ler?
- Não, ainda não. Espera que o comboio parta. É preciso respeitar exactamente as indicações do texto. Quando o comboio se mover, tu começas. Antes não. Ainda faltam dez minutos.
- Ao menos lê-me a primeira frase.
- Está bem, a primeira e depois chega. Começa assim “Compraste o ‘Le Monde’ no quiosque da estação, antes de subir para o comboio...”
Ele, por seu lado, tinha comprado o jornal uma hora antes. Não tinha previsto apanhar o comboio naquele dia. Foi o texto escrito pelo marido que o convenceu. Aquele estranho conto, publicado precisamente naquela sexta-feira. Naturalmente, ela tinha-o avisado tanto do conto, como do ‘Le Monde’, mas não tinha pormenorizado o conteúdo do texto. Ao chegar ao fim da última linha, ele posou o jornal, pagou o café e meteu-se num táxi em direcção à estação. Ter-se-á reunido a ela no seu compartimento, com discrição. Ela não pareceu surpreendida por vê-lo. Sentou-se em frente a ela e deram-se as mãos, em sinal de confiança. A confiança dos amantes. Na verdade, muito simples: nada mais que seguir escrupulosamente as instruções do texto. Apenas com uma única, e relevante, diferença: que ele estivesse ali. Que ele tivesse relido o conto no momento em que ela o descobria. E que juntos tivessem jogado o jogo do marido. Ele ali a fixá-la durante todo o trajecto, a espiar o mais ínfimo frémito da sua pele, a imaginá-la nua por debaixo da roupa, a ver o seu dedo a deslizar sob a axila, a adivinhar-lhe as palavras nos lábios: quero a tua pila dentro da minha cona. Sim, mas a sua pila, a pila dele, do amante. A sua pila enorme que a faz gritar. Porque o amante não é um tipo delicado, um contentado de longo curso, um esteta destas coisas. O amante, ele, agarra nela como a uma cadela, a grandes bordoadas, com as costas contra a parede ou na esquina de um parque de estacionamento. Penetra-a até a fazer sufocar, com grandes golpes de rins, escava-a, e quando ela se precipita no orgasmo, esgotada, assaltada por tremores nervosos, e se sente submergir de prazer em ondas violentas que lhe cortam a respiração, ele sabe que ela é muito mais do que uma coisa sua, muito mais do que um animal domesticado. Sabe que ela é uma parte dele.
Mas hoje, nada. Limita-se a olhar para ela. Na realidade, observa-a a fazer amor com o seu marido, num comboio, à distância. Até porque não é preciso mudar nada do projecto inicial. Porque, à medida que procede a descoberta do texto, o seu desejo aumenta e aumenta, aumenta sempre. Excitar-se com as palavras do marido sob o olhar do amante é uma coisa que lhe trará um prazer novo e poderoso. No final irão masturbar-se juntos, numa casa de banho. Ela em frente ao espelho; ele, atrás. Ele terá cuidado para não ejacular para cima dela, vir-se-á lentamente para o chão, sem a salpicar. Terão de ser fortes para conseguir não se tocar.
Nada de físico, será tudo estritamente como está escrito. E depois, para acabar, o e-mail enviado à chegada. Mal desça do comboio, procurar um ciber-café para enviar a mensagem. É isto, sem dúvida, aquilo que mais o excita. Que o marido saiba sem nunca deixar de duvidar. Enredá-lo no seu próprio jogo. ‘Le Monde’, 600.000 leitores e seguramente o belo número de e-mails. Esta mensagem, de início, fá-lo-á sorrir. Dir-se-á: nada mal. Está escrita de modo apropriado, é divertida. Mas depois a dúvida começará a insinuar-se. Acordaram que, qualquer que seja o seguimento da história, ela negará tudo. Nem uma palavra, nem um indício, nada. Nunca mais se voltará a falar desta viagem.
E pronto, Emmanuel. A minha história acabou. Eu sou o amante. Este é um enunciado performativo. Eu declaro-te guerra.
Antes de enviar o texto, para o esquecer a logo a seguir, mais uma palavrinha para semear definitivamente a dúvida: de noite, aquilo de que ela mais gosta é adormecer enfrunhada na almofada, com a coluna encurvada, e tu (ou eu) colado com suor contra as suas costas.»
E eis o mais comovente:
«É apenas para dizer-lhe: obrigado.
O ‘Le Monde’ de sábado 20 de Julho chegou-me por acaso, esquecido em minha casa por amigos de passagem. Deixei-o ali onde estava, em desarranjo, até hoje à tarde.
A casa está tranquila. Está bom tempo, faz muito calor.
É o momento certo para uma soneca...percebe-me?
Então, li-o. E também eu, como ela, usei o ‘Le Monde’.
E deu-me prazer.
Aquele que me dava prazer deste mesmo modo, está hoje, como dizer, um pouco impedido, pelo menos da forma mais simples e directa. No entanto, sabe que comigo as palavras são eficazes. É por isso que se serviu de si, pelo menos assim o creio, usou as suas páginas, e é por isso justo que eu lhe agradeça por haver-me transmitido a sua mensagem.
Aquele que me dava prazer morreu há já quase cinco anos.
Desde então, creio não nunca mais ter feito uma soneca.
Eu tenho setenta anos.
Obrigada uma vez mais»

Fim.
Rui

 

À atenção do Dr. Bagão

Fernado Pessoa
Nick Drake
Jeff Buckley

A mesma luta.
Rui

segunda-feira, setembro 27, 2004

 

So you quote love unquote me

Well, stranger things have come to be.

Eu já tenho bilhete. Vejam lá isso.
Rui

sábado, setembro 25, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (XV)

Uma outra coisa que em absoluto não havia previsto foram as reacções. Pensava que o meu texto faria sorrir, porventura com uma certa ternura, mas em vez disso provocou um pequeno escândalo. Foi a polémica do Verão. Havia os a favor e os contra. Philippe Sollers declarou estar chocado pelo facto de um jornal sério com o qual ele colabora publicasse semelhante absurdo; Frédéric Beigbeder ficou extasiado, sugerindo um prodígio literário; quanto ao «Le Monde», tendo em vista o elevado número de missivas indignadas, um dos seus dois editores, em nome da redacção, apresentou desculpas aos leitores. Assim fazendo, esqueceu uma lei fundamental do jornalismo, que para além do mais não admite excepções: quando o leitor gosta de um texto, escreve ao autor; quando não gosta, escreve ao chefe de redacção. Eu tinha deixado o meu endereço de correio electrónico: a meu ver, o editor poderia ter-me telefonado para ter uma ideia das cartas que então recebia.
Porque, na verdade, o correio electrónico, nos dias e nas semanas seguintes, ameaçou explodir. E dos milhares de e-mails que recebi – concedo que as minhas estatísticas serão um pouco sumárias – mas direi que nove em cada dez eram extremamente calorosos. A maior parte, como já disse, colocava as duas perguntas às quais já respondi, ainda que de modo incompleto. Depois, obviamente, haviam as propostas para encontros, e propostas de uma continuação para o conto, mais ou menos inspiradas. Muitas mulheres leram o conto ao homem que amavam, e alguns homens à mulher que amavam. Muitas disseram, também, que gostariam muitíssimo de ter recebido um presente assim, e serem a rapariga por quem alguém esperava no cais da estação de La Rochelle.
Rui


sexta-feira, setembro 24, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (XIV)

Novembro 2003.
Nos meses de Julho a Agosto, em cada sábado, o «Le Monde» oferece, no número de fim-de-semana, um conto de 16 páginas aos seus leitores. No Verão de 2002, propuseram-me escrever um, sobre o tema vaguíssimo da viagem, e eu, divertindo-me muito, escrevi as páginas que acabaram de ler. Pareceu-me divertido colocar o mais respeitado dos quotidianos franceses ao serviço da minha pequena fantasia erótica. Ao escrever estas páginas, não me lembro de ter experimentado sequer o mínimo sentimento de inquietude: pareceu-me uma ideia irresistível, e sobretudo perfeitamente inocente.
Nos dias seguintes à publicação, recebi um pouco mais de mil e-mails. Quase todos os meus correspondentes me faziam as mesmas duas perguntas: se era tudo uma invenção ou existia uma mulher de facto que apanhava um comboio verdadeiro no qual fazia realmente aquilo que eu lhe pedia que fizesse? No segundo caso, e assumindo que ela havia apanhado o comboio, o que é que tinha mesmo acontecido?
Antes de mais, sim, escrevi de facto esta história para a jovem senhora com quem vivia na altura, e organizei tudo meticulosamente de modo a que ela a lesse nas condições que havia previsto. Ela não suspeitava de nada: devia juntar-se a mim em férias no Sábado, 20 de Julho; eu tinha-lhe comprado o bilhete de comboio e tinha-lhe dito ao telefone que não se esquecesse de comprar o «Le Monde» para a viagem na manhã do dia da partida. Era para mim uma delícia o pensar em estar à sua espera, ali, no cais.
Naturalmente, como sempre sucede quando se planifica uma coisa ao mais ínfimo pormenor, passei um tempo infinito a imaginar os mil e um grãos de areia que poderiam emperrar a minha máquina performativa. E, como acontece invariavelmente, não sucedeu nada aquilo que havia imaginado, sucedeu algo bem diferente.
Lamento ter de vos desiludir, mas não vos direi o quê. Não vos direi o quê porque tenho intenção de o contar um dia em pormenor, e esse dia ainda não chegou. Direi apenas que se desencadeou uma crise entre a destinatária desta história e o seu autor, que a crise nada tinha que ver com a história mas que por uma espantosa coincidência espoletou na noite anterior à sua publicação, e que se veio a concluir, meses mais tarde, com uma separação tristíssima para ambos.
(Falo de uma coincidência espantosa e é assim mesmo, deste modo racional, que me esforço por considerá-la. Mas é verdadeiramente um esforço enorme: é muito difícil, quando uma coincidência nos assombra a este ponto, não ceder à tentação do pensamento mágico. Não dizer de mim para mim que os deuses que ousei desafiar quiseram dar-me uma pequena lição: a ver se assim aprendes a brincar ao demiurgo).
Mas, em suma, no fim, não: ela, ao comboio, não chegou a apanhá-lo. Telefonou-me na véspera à noite para dizer que o não faria, que não poderia fazê-lo. Assim sendo, apanhei-o eu. Voltei a Paris e fiz eu o trajecto que deveria ser o dela. Ocupei o lugar que ela havia deixado livre, olhei para os vizinhos que teriam sido os seus, fui, até, ao bar, à hora prevista, para ver o que estava a acontecer. Para dizer a verdade, nada de especial. Um dos meus interlocutores fez-me notar, justamente, que o comboio não tinha sido bem escolhido: no Paris-La Rochelle de um sábado à tarde de Julho estão apenas famílias, inúmeras, numerosas e burguesas; toda uma outra inspiração me teria servido o Paris-Marselha de sexta-feira à noite, o ambiente teria sido decisivamente mais quente. É verdade, mas se os contos do «Le Monde» saem ao sábado, o que é que eu posso fazer?
Rui


 

Um aforismo de Teixeira de Pascoaes para os meus amigos do Ondas

“A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água”.

 

A minha sogra é uma suave donzela

O “24 Horas” trouxe ontem, em manchete, uma admirável notícia - talvez não aquela que julga ter dado. Argel em cenas de pancadaria com um cidadão qualquer não é o que se pode designar novidade. Novidade é, sim, existir um genro que se predispõe a defender a sogra. Nuno

quinta-feira, setembro 23, 2004

 

Dias assim

Multibanco. O que é que tenho para contar? Que fui hoje à noite saldar uma dívida ao multibanco da esquina. E que, no regresso a casa, com o recibo na mão, pensei que a resolução dos problemas da vida poderia ter esta cristalina simplicidade.

Os artistas. Os artistas andam a dificultar-me a existência. Por que é que a sinalética das casas de banho dos homens e das mulheres está cada vez mais arrojada e impossível de distinguir?

Árbitro de futebol e ministro da Educação. Duas coisas que acho impressionante alguém ainda querer ser.

Humildade poética. O poeta cândido Eugénio de Andrade é, dizem, um homem pouco dado à humildade. Confirmei-o por estes dias ao passar os olhos pelas primeiras linhas do prefácio que escreveu para os “Sonetos de Luís de Camões - escolhidos por Eugénio de Andrade” (edição Assírio e Alvim): “Há uns meses atrás, um amigo perguntou-me qual era o mais fascinante livro de poesia escrito em português. Respondi-lhe sem hesitar que seria o livro de sonetos de Camões escolhidos por mim”.

Almoço. Discutiu-se, hoje, política internacional ao almoço. E eu que pensava, como o Sttau Monteiro, que a angústia estava reservada para o jantar. Nuno

quarta-feira, setembro 22, 2004

 

Analfabetos diplomados à base de idiotice


Comprei o Público por causa do livro do Emílio Salgari, O Corsário Negro. Comprei-o porque prometi à filha da minha namorada oferecer-lhe a colecção completa da “Geração Público”. Arrependido estou, depois de ter tentado ler o tijolo de seu nome Moby Dick. A tradução é execrável, pior mesmo só as gralhas, linha sim linha sim linha sim linha sim linha sim. Arre! Sei, disseram-me, que com os outros é a mesma história (leia-se A Volta ao Mundo em 80 Dias). Que fazer? Armar-me em Lenine e deitá-los para a fogueira? É que a criança que eu mais gosto na vida não pode habituar-se a ler por aquelas folhas coladas em forma de livro. Depois, mais tarde, daqui a uns anos, lá vem o jornal outra vez com a conversa da geração rasca e dos rabos à mostra. A verdade é que me apetece bater em alguém. Andar à porrada, percebem? Tenham vergonha na cara. Sim, todos vocês aí que fazem ou mandam fazer livros como estes. Espécie de analfabetos diplomados à base de idiotice. Raios os partam!
João Pedro

 

Música de fundo ou Ó Esteves, vê lá se dizes alguma coisa de jeito



Ainda o Público. Já vos aconteceu estar a ler um livro e reparar, várias páginas depois, que não se lembram de nada, que não estiveram a prestar atenção, que têm possivelmente de voltar atrás? Ou notícias e crónicas de jornal? A mim está-me sempre a acontecer. Um bípede está a ler e ao mesmo tempo põe-se a pensar na vidinha. Aquelas palavras impressas são uma espécie de música de fundo. Estamos a ouvi-la, o nosso inconsciente talvez, sei lá, não interessa, mas não lhe prestamos atenção. Só reparamos nela quando o disco acaba (há sempre a opção repeat, para os mais preguiçosos). Uma vez mais, aconteceu-me isso com o Público. Cheguei ao fim e não me lembrava de nada. Tinha-me perdido a ruminar no que ia fazer para o almoço, no que ainda tinha de fazer antes disso, o eléctrico que tenho de apanhar, na maldita tradução em que me meti, talvez telefonar ao calhas, ver um programa qualquer da manhã, ouvir o fórum da TSF, dar milho aos pombos, ficar à janela a assobiar às gajas que passam, mandar bocas. Nestas alturas sinto-me um Álvaro de Campos muito melhor do que o original. Pensamentos profundíssimos invadem-me a testa, eurekas a dar c’um pau, mais sonhos que Napoleão, mais humanidade no peito que Cristo, mais filosofia na minha capoeira que em todos os livros do Immanuel traduzidos pela Fundação Calouste Gulbenkian.O problema é quando abrimos a boca, quando bocejamos. O bocejo, como sabemos, é um exercício involuntário do direito de crítica. Mas não nos resolve esta dúvida primordial: será que é do livro, do jornal que estamos a ler ou da nossa vidinha tão desgraçadamente desinteressante. Ou serão as duas? Vou ali perguntar ao Esteves da tabacaria e já venho...
João Pedro

 


since the thing perhaps is

to eat flowers and not be afraid



Rui

terça-feira, setembro 21, 2004

 

Não há coincidências

Nos últimos dias, pelo menos duas das mais prestigiadas instituições da sociedade portuguesa foram atingidas por graves problemas informáticos: primeiro o ministério da educação, agora a rede TMN. E se a colocação dos professores atinge muitas famílias, a colocação dos créditos no telemóvel (via multibanco) atinge mesmo toda a gente. Anda tudo surpreendido com esta infeliz coincidência. Para mim, das duas uma: ou isto representa, finalmente, a chegada do anunciado "bug" do século XXI ou então isto quer dizer que TMN também trabalha com a empresa de informática Compta.
Filipe

 

Os anos que eu esperei para ouvir isto!

«Tenho o marido que pedi a Deus. Muito compreensivo, lúcido e esclarecido. [...] Como não é castrador ou possessivo, o meu marido dá-me liberdade. Quer ver-me feliz.»

Malu Mader, hoje, ao 24 Horas.

Rui


 

Vamos jogar a uma coisa (XIII)

De volta ao lugar, mesmo antes da chegada, lês o último parágrafo. É onde convido todos aqueles, e aquelas, que tenham feito esta viagem, no comboio ou de outra forma, a me contarem a sua versão. Daqui poderá nascer uma continuação que não será apenas performativa mas interactiva, que mais poderia desejar? Deixo também o meu endereço: emmanuelcarrere@yahoo.fr. Estás a pensar que estou a pedi-las. Tens razão, estarei a pedi-las. Espero-te no cais.
Rui

 

Pedra mármore

Não que ela não lhe agradasse, não era nada disso; pelo contrário. Sucedia que ele não conseguia gostar. De ninguém, nem mesmo dela. Era um impotente dos afectos. O ínfimo defeito que ela tinha era não ser lindíssima, mas isso era irrelevante. Era como se ele tivesse um muro pela frente, ou uma parede, a centímetros da cara. Uma espessa impossibilidade vertical. Tinha medo, um medo muito por dentro e até acima; um medo crescente de ficar preso atrás desse muro – não para sempre, claro, mas o suficiente para que alguém especial lhe passasse ao lado. Alguém como ela, justamente. Durante algum tempo alimentou a ideia de que era assim, com efeito, mas com as relações novas. Que com as velhas, as vindas de trás, não seria assim. Enganou-se. Era assim com todas. Percebeu que não conseguia desejar ninguém que o desejasse; percebeu – e percebeu porquê – se interessava apenas por casos impossíveis: por serem impossíveis e porque só o impossível o redimiria, o resgataria. O medo transformou-se, então sim, em pavor de ficar só, de ficar sozinho nessa sabedoria silenciosa e fria. Como pedra mármore. Rui

segunda-feira, setembro 20, 2004

 

Canivete suíço

- Então vocês..uh...estão juntos desde quando?
- [entreolhares atrapalhados] nós...vamos ficando.
Rui

 

Vamos jogar a uma coisa (XII)

Sobram três quartos de hora de viagem, e a mim 5.000 caracteres, dos 35.000 – no máximo – que me concederam. Aquilo que ainda pode suceder, para além de tudo aquilo que escapa ao meu controlo, sabem-no já os outros leitores do «Le Monde», e tu, obviamente, suspeitas. Já viste uma a levantar-se há bocadinho, seguiste-a com o olhar e viste que também os outros a seguiam com o olhar. Sabem todos o que isso significa, e ela sabe que todos o sabem. Significa: vou masturbar-me.
A mulher sai, portanto, do bar e dirige-se em direcção à casa de banho mais próxima. Ocupada. Espera um pouco. Parece-lhe ouvir, obviamente abafada pelo ruído do comboio, uma respiração irregular por detrás da porta. Encosta a orelha, sorri, um gajo em pé ao pé da saída olha-a com um olhar meio estúpido, o tipo tem na mão um jornal diferente e ela diz para si pobrezinho, não sabes o que estás a perder. Finalmente, a porta abre-se, uma outra mulher sai da casa de banho com o «Le Monde» despontando da mala. Trocam olhares, a mulher que sai da casa de banho gozou brutalmente, lê-se-lhe na cara, e isto excita muitíssimo a mulher que está para entrar, tanto assim que encontra coragem para lhe perguntar «foi bom?» e a outra responde «sim, foi bom» num tom extremamente convincente, e o tipo que não estava a ler o «Le Monde», coitado, diz de si para si que neste comboio acontecem coisas muito estranhas, e que já no bar a atmosfera era absurda. A mulher fecha a porta, fazendo correr o ferrolho. A casa de banho está imunda, o que é uma coisa que normalmente a horroriza, mas hoje, decisivamente, está-se a marimbar. Enquanto puxa o vestido - ou baixa as calças - olha-se no espelho que desce mesmo até junto ao lavatório, para assim poder ver bem o que vai fazer. Arregaça as cuecas húmidas, levanta uma perna e apoia o pé no bordo do lavatório, agarrando com uma mão aquela espécie de puxador que ajuda a não perder o equilíbrio, e com a outra começa a acariciar a cona. Directa, com os dedos dentro, o tempo das finezas acabou, tem demasiada vontade, há já pelo menos uma hora que tem vontade. Enfia logo dois dedos, até ao fundo, está completamente inundada e ver ao espelho a mão que agarra a cona e os dedos que a penetram fá-la inundar-se ainda mais. Talvez proceda de uma outra forma, vá directa ao clítoris, cada mulher tem a sua técnica pessoal para se masturbar, fico doido quando ma mostram e agora projecto a tua na dela, não é grave. Se calhar é a primeira vez que se masturba de pé na casa de banho de um comboio, decerto é a primeira vez que se masturba sabendo que as pessoas atrás da porta sabem aquilo que está a fazer. É como se o fizesse em frente de toda a gente, olha para a cona no espelho como se toda a gente para ela estivesse a olhar, como se toda a gente visse os seus dedos escorregando pelos lábios molhados, é incrivelmente excitante. Pensa em ti, não conseguiu identificar-te com certeza mas faz de ti uma ideia qualquer, aquela loura alta com o pescoço longo, cintura fina e ancas macias de quem se falava no início, talvez fosse uma pista falsa, ou não, e estava no bar uma rapariga exactamente assim. Pensa que, por essa altura, seguramente que também tu estás dentro de uma casa de banho, numa outra carruagem, a fazer a mesma coisa, imagina os teus dedos a afundar-se nos teus pêlos louros e, ainda que não tenha uma particular inclinação por mulheres, agora tem desejo delas, mesmo muito desejo delas. Vê os seus dedos dentro da sua cona, e os teus dentro da tua, e os dedos das outras mulheres dentro das conas delas, todas se masturbando ao mesmo tempo no mesmo comboio, todas molhadas, todas levando agora a mão ao clítoris, e tudo isto porque um tipo decidiu dois meses antes aproveitar um pedido do «Le Monde» para encenar uma história erótica com a namorada, não lhe desagradaria vê-la, à pila desse tipo, deve ter puxado por ela um bom bocado enquanto escrevia esta história no computador, gostaria de vê-la a entrar na tua cona, aqueles dois certamente não se aborrecem, mas o momento é agora, os dedos no clítoris, retesa os lábios para abri-los, de forma a que se vejam no espelho por cima do lavatório, digamos que neste momento faça como tu, com a ponta dos dedos, indicador e médio, que esfregam sempre mais forte, gostaria de com a outra mão cingir o mamilo mas tem de segurar-se para não cair, olha-se no rosto, é raro ver-se quando se está a vir, tem vontade de gritar, de gritar depressa, ela sabe que está alguém atrás da porta, sabe que respira cada vez mais alto, que faz barulho e que esse alguém a está a ouvir, está já muito próximo, quer gritar, quer dizer sim, e não serei eu a alterar a cena que acaba com um sim disse sim quero sim, embora para dizer a verdade seja mesmo disso que se trata, tem vontade de gritar sim, impede-se de gritar sim no momento em que se vem, mas tu ouviste-a, tu estás atrás da porta, e também tu dizes sim - sim - estão quase em Surgères, e agora és tu: chegou a tua vez.
Rui

 

Aqui está o homem que não viu o Lost in Translation

Um amigo emprestou-me esta semana “Mandriões no Vale Fértil”, de Albert Cossery. Vou lê-lo em breve. Li há tempos “Mendigos e Altivos”, outro dos livros do autor tunisino editados pela Antígona. Mais do que a trama, cativou-me a ausência de culpa e de angústia no voluntário mendigo do romance, um ex-professor universitário de literatura e filosofia. E a tradução de Júlio Henriques. Dizem-me que “Mandriões no Vale Fértil” é – de uma forma ainda mais directa - um elogio à preguiça. Digamos que se trata, nestes dias que correm, de um livro fora da agenda. Isso agrada-me. Sobretudo numa altura em que quem não leu o “Código Da Vinci” corre o risco de ser espancado na rua (eu não quero ser espancado e, por isso, vou lê-lo). Cossery, nascido em 1913 na cidade do Cairo, foi viver em 1945 para um hotel parisiense. São suas estas palavras, proferidas numa entrevista: “Plenos de amor, os meus livros não contam todavia uma história de amor entre um homem e uma mulher; não acredito nessas histórias. É por isso que nunca vou ao cinema...”. Nuno

 

Balbúrdia e regabofe

Perante o calamitoso problema da colocação dos professores, a Visão escolheu para manchete um título a puxar ao engraçado: “Balbúrdia na Escola” (faz também uma chamada de capa à “história de um ‘trambolhão’ financeiro” de Sousa Cintra). Ora, “Balbúrdia na Escola” faz menos lembrar uma tragédia do que um filme americano para adolescentes à procura de aventuras sexuais na cantina. Vislumbro a saga, a terminar no êxito estival “Balbúrdia na Escola III” - com uma participação especial de Britney Spears aos setenta e dois minutos. Imaginemos as próximas manchetes, feitas de títulos igualmente cinematográficos ou revisteiros: “Sarilhada nos Hospitais”; “Regabofe no Conselho de Ministros”; e “Rambóia na Comissão Europeia”. Nuno

sexta-feira, setembro 17, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (XI)

Não sei se chegaste a entrar, no bar, depois de te teres dado conta do que implicava, ou se o estás a descobrir apenas agora, não sei o que pensas mas devo dizer que esta cena me agrada de morte. Agrada-me porque, ao contrário da cena com a surdo-muda graciosa, não se baseia no aleatório, mas decorre de modo preciso do dispositivo que criei. Se o conto acabou de facto por sair no dia previsto, se o comboio transita de facto no dia previsto, se a carruagem restaurante não está em greve, é absolutamente seguro – de outro modo seria desesperante – que um certo número de passageiros, e espero de passageiras, a ela se dirijam à hora indicada, o mesmo é dizer agora, na esperança de te identificar. Estão aí, ao teu redor. Eu não os conheço, mas convoquei-os dois meses atrás e agora estão aí. Isto sim é literatura performativa, ou não?
És uma belo ser um pouquinho exibicionista, imagino que estejas com o nariz enfiado no jornal, sem coragem para levantar os olhos. Vá lá, levanto-os ligeiramente. Estás em frente da janela. Se estiver escuro, ou se o comboio entrar num túnel, o interior da carruagem reflectir-se-á no vidro e tu poderás vê-los sem te voltares, mas não existem túneis no trajecto, não existem reflexos, apenas a paisagem sombria da Vandeia, chateaux d’eau, casario baixo, estradas desertas, sob um sol ainda alto no céu.
E eles, nas tuas costas.
Força. Não vale enterrar a cabeça na areia.
Respira fundo e depois volta-te.
Como se nada fosse, com a máxima naturalidade.
Agora. Vá.
Estão todos aí.
Homens, mulheres. Também eles agem como se não fosse nada com eles, mas muitos têm o «Le Monde» na mão.
Olham-te?
Tenho a certeza que te olham. Tenho a certeza que estão a olhar para ti já há alguns minutos, não sentiste os seus olhares cravados nas tuas costas? Aguardavam que te voltasses e agora aí estás, aí estás à sua frente, aí estás como se estivesses nua à sua frente.
Isto é demasiado, não te parece? Começa a parecer uma cena de um filme de terror. A heroína crê ter-se refugiado num lugar seguro, um bar cheio de gente, quando um pormenor aparentemente insignificante lhe revela, de repente, que todas as pessoas à sua volta, mesmo as mais aparentemente insignificantes, fazem parte do complot. Espiões, zombies, invasores extra-terrestres, pouco importa quem sejam, mas todos lêm o «Le Monde», é essa a sua senha de reconhecimento, acercam-se, e o cerco aperta-se.
Sentes-te apanhada na armadilha?
Ora, ora, era uma brincadeira. A história não é assim. Procura pensar um pouco. Antes de mais, não és a única suspeita, tenho a certeza que, no bar, outras mulheres estão a folhear um exemplar do «Le Monde». Quantas? Uma, quatro, onze? A partir, digamos, da terceira, considerarei isto um êxito. Eu, a estas mulheres, não pedi apenas que comparecessem, de preferência sós e em grande número para que não deixassem o campo aberto a uma orda de machos com cio, eu a estas mulheres pedi mais qualquer coisa. Ou melhor, estou a pedir-lhes neste momento, mas tenho a fundada suspeita que elas, ao contrário de ti, não tenham respeitado rigorosamente as indicações de leitura, e por isso tenham descoberto este parágrafo antes. O que eu peço a estas mulheres é o seguinte: se leram a minha carta e se se excitaram um pouco, ainda que só um bocadinho, estão dentro do jogo, e durante a derradeira hora de viagem, entre Niort e La Rochelle, comportai-vos como se fossem vocês a destinatária. É um papel fácil de interpretar, basta que leiam o «Le Monde» bebendo um café e uma água mineral no bar do TGV e que estejam atentas ao que acontece em vosso redor – e também dentro de vocês. É um papel simples, mas pode ser extremamente sexy. Conto com a vossa colaboração.
Ora bem, está tudo pronto, recordo-vos as regras do jogo: nesta carruagem restaurante estão um certo número de homens e mulheres que leram esta história, e que, com objectivos recôndidos diferentes, mas substancialmente sensuais, procuram identificar a heroína. A heroína és tu, mas és a única a sabê-lo e as outras mulheres fazem de conta que são tu. A heroína já há duas horas que está molhada como uma gota, e as outras mulheres começam a ficar molhadas elas também. Ademais, ao contrário da heroína, elas leram a história até ao fim, logo sabem o que acontece nas poucas páginas que restam. Esta situação deixa-me doido, fico louco por, graças ao «Le Monde», a coisa acontecer mesmo, realmente, mas em compensação não faço a mínima ideia de como controlá-la. Demasiadas personagens, demasiados parâmetros. Agora não controlo mais nada. Deixo a presa. Continuo, é óbvio, a imaginar: um ballet de olhares, sorrisos discretos, piscadelas de olho entre raparigas; uma risada sufocada, talvez uma risada incontrolável, se calhar uma manifestação violenta, ou então um tumulto surdo, porque não? Alguém reclama que está desgostoso, um outro que não compra o jornal de Hubert-Beuve-Méry para ler quejandas porcarias; talvez um diálogo picante e sofisticado do género eu-sei-que-tu-sabes-que-eu-sei («E o que é que sabe?» «Que ela tema a cona em chamas, cara senhora»), e porventura duas pessoas chegadas ao bar sem se conhecerem saem juntas. Pergunto-me o que acha uma pessoa que se encontre no bar sem ter lido o «Le Monde»: passa-lhe tudo ao lado? Ou dá-se conta de que está a acontecer alguma coisa, sem saber o quê? Pergunto-me, imagino, mas já não decido, agora deixo que cada um improvise a sua parte e espero que tu chegues à hora prevista, dentro de uma hora, para me contares tudo, na cama e depois em frente a um prato gigante de marisco. Decide tu por que ordem, como vês não sou assim tão despótico.
Rui

 

Novas profissões

Periodicamente a classificação nacional de profissões é alvo de uma profunda revisão. De revisão em revisão, nota-se a progressão do politicamente correcto. A imaginação para encontrar eufemismos é verdadeiramente prodigiosa. No outro dia, num programa da RTP 2, descobri que o rapaz que trata das luzes no Lux não é um electricista, é um «light jockey». Agora, a propósito do polémica em torno dos acontecimentos da lota de Matosinhos, vim a saber, através da SIC, que o senhor Parada não é um simples ajudante de cacique, é um «organizador de banhos de multidão». Filipe

quinta-feira, setembro 16, 2004

 

O método comparativo

Ainda vamos na segunda jornada do campeonato e já foram despedidos quatro treinadores. Manuel Fernandes e a velha guarda não têm hipóteses. A ciência da geração Mourinho veio para ficar. Na segunda feira, enquanto assistia ao fantástico Rio-Ave-Belenenses (que o Belém empatou, depois de estar a perder 3-0), fui informado pelo comentador de serviço que Carlos Brito, o treinador do Rio Ave, tem como modelo o Sparta de Praga e que Carlos Carvalhal, o treinador do Belenenses, é um adepto da escola holandesa do futebol total. Ou seja, ambos seguem o método comparativo. Para se perceber o corte epistemológico que isto vai representar para o futebol português, basta lembrar que, em 1835, quando Alexis de Tocqueville introduziu o mesmo método, nunca mais nada foi como dantes no domínio da ciência política. Filipe

quarta-feira, setembro 15, 2004

 

ddr esplanar

Serendipity

PS. Play it again, Sam. Hai davanti un'altro viaggio e una città per cantare. A world of luck and lust, of sun and suntan, of light and lightness and happiness.

Rui

 

A razão inversa

Pensando melhor, não é verdade que a relativa facilidade com que, ao nos separarmos de alguém, identificamos indubitavelmente os livros, dvd’s e cd’s respectivos esteja na razão inversa daquilo que tínhamos em comum com esse alguém.
Rui

 

A gasolina

entre duas pessoas: é a semelhança ou a diferença? Sprint ou fundo? A curto prazo. A médio prazo. E para a maratona? A vida deveria ser um desporto olímpico, com recordes do mundo, juízes, doping e Federação Portuguesa de.
Rui

 

Get a life!

O que é que Margo Timmins, Hope Sandoval, Natalie Merchant, Beth Gibbons, Beth Orton, Tori Amos, Aimee Mann e Marianne Faithful fazem exactamente quando não estão a falar da minha vida?
Rui

terça-feira, setembro 14, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (X)

Não achas que chegou o momento de ires ao bar? Então agarra nestas folhas e enfia com elas na mala, levanta-te e inicia a travessia do comboio. Eu espero-te lá. Não as tires para fora antes de chegares à carruagem restaurante.
Cá estamos. Estiveste na fila, pediste um café e uma água mineral. Está muita gente no bar. Apesar disso, encontraste lugar num banco, tiraste da mala o jornal que está agora aberto à tua frente, por cima da mesinha de plástico cinzento, e recomeças a leitura. Quem sabe se enquanto atravessavas o comboio tiveste a mesma ideia que eu? Alguém, neste comboio, lê esta história. Lê, e porventura lendo sorri, e se calhar diz de si para si: ora essa, que engraçado, o que é que deu aos tipos do «Le Monde»? De repente, lê que tudo se desenrola no TGV Paris-La Rochelle das 14.45, Sábado, 20 de Julho. Soergue as sobrancelhas, levanta os olhos do jornal, e tem um breve instante – de vertigem seria um exagero – mas, enfim, de desconcerto, relê a frase e diz para consigo: ò diabo, é neste comboio! E, um momento depois: mas então a rapariga de quem se fala, a destinatária, está também ela aqui no comboio! Seja homem ou mulher, coloca-te no seu lugar. Tu não acharias excitante? Não procurarias perceber quem ela é, esta rapariga? Não dispões de qualquer descrição física, que eu tive cuidado com isso, mas dispões de um indício, e de um indício extremamente preciso: sabes que entre Poitiers e Niort, isto é, entre as 16.15 e as 16.45, ela deverá estar no bar. O que farias? Ir ao bar. Eu, de qualquer modo, iria. Leitor, leitora, isto é um convite, não fiquem de lado a fazer crochet, entrem na valsa: peguem no vosso exemplar do «Le Monde» como se fosse uma senha, e compareçam no bar.
Rui

segunda-feira, setembro 13, 2004

 

Um poema de Rui Knopfli para os meus amigos sociólogos

“Sociologia

Tenho o meu pequeno tratado de sociologia,
uma sociologia de horizontes modestos.
Ponho-me a remorder
continentes, povos, hábitos e costumes,
mas a minha sociologia não
passa disto,
uma sociologia de esquinas.
Da malta e das esquinas,
e tudo muito limitado.
Vem de antes de mim
e irá para além um pedaço.
Antes, era o grupo do Jacaré,
a geração que me precedeu.
Vinham, como sempre, após os estudos,
por volta das cinco da tarde,
um a um,
sentar-se na dobra do passeio, à esquina,
alguns inda vinham da geração anterior.
Agora outro grupo, outra esquina,
outros nomes (alguns inda se sentaram
à minha beira).
As coisas mudam muito,
mas nesta essencialidade
a malta permanece.
E, ainda,
com a brisa da tarde a cair,
se vêm sentar na borda do passeio,
à esquina.
Eu aqui mordo-me de lembranças
e saudades,
faço esta sociologia
e nunca mais, com a brisa da tarde a cair,
me irei sentar na borda do passeio,
à esquina...”.

 

ddr esplanar

[These are the songs to soothe restless babies, accompany the games of children, ease toil, celebrate love or mourn death, they speak of the spirit world and weaknesses of the flesh. Some contain words that give fair warning and others simply tell us a good story. Waht they all share in common is that they remind us of our humanity, of what we share]
Rui


 

Vamos jogar a uma coisa (IX)

Eu, no entretanto, pensarei naqueles que estão sentados ao pé de ti. Devo confessar que não estou plenamente à vontade com estes personagens: tenta-me a ideia de utilizá-los, mas escapam perigosamente ao meu controlo. É para mim muito claro, por outro lado, que esta carta, ao mesmo tempo que apresenta o aspecto delicioso de um objecto de prazer puro, apresenta um outro, ligeiramente angustiante, originado nas ideias de um maníaco do controlo. Se tudo correu bem, se respeitaste os tempos indicados, estás a ler esta página hoje, Sábado 20 de Julho, pelas 16.15, e o comboio acaba de retomar a marcha após a paragem em Poitiers. Eu escrevi esta carta em fim de Maio, antes de partir para a Rússia. Pedi ao «Le Monde» que fixasse a data de publicação com muita antecedência: eles não conseguiam perceber porque motivo isso era tão importante para mim, por isso expliquei-lhes, como a ti, que era uma história ambientada no futuro e que, para que pudesse antecipar o futuro, precisava de uma data de publicação certa. Era a verdade. Não sabia ainda o que faríamos no mês de Agosto, mas já estava decidido que a partir de metade de Julho estaria com os meus filhos em casa dos meus pais na Ilha do Rei, e que tu te juntarias a nós na segunda semana. Os contos do «Le Monde» saem ao Sábado, logo terias de apanhar o comboio neste mesmo Sábado, e decisivamente não antes das 14, para que o jornal estivesse já nos quiosques. Tive o cuidado de te reservar o bilhete com grande antecedência confiando no facto que, e considerando o período de férias, terias dificuldade em mudá-lo depois. Como bom maníaco obsessivo, pode dizer-se que tentei garantir o máximo de probabilidade. Mas isto não me impede de saber, como bem sabem todos os obsessivos, que no outro prato da balança está o acaso, o imprevisto, tudo aquilo que pode mandar às malvas os planos melhor arquitectados. Ou seja, o horror em estado puro.
Escrever esta carta trouxe-me um prazer imenso, mas também angústias ferozes – estas, devo admiti-lo, mais não fizeram que atear aquele. Via um segmento de tempo compreendido entre dois pontos: de um lado, o ponto inicial: entreguei o texto ao «Le Monde», já não posso modificá-lo nem arrepender-me, o comboio partiu já; do outro lado, o ponto segundo: estou na estação terminal, tu leste, vens ao meu encontro no cais da estação, tens as cuecas húmidas, vens sobressaltada pelo desejo e pela gratidão, correu tudo exactamente como eu sonhei. Entre o ponto primeiro, fim de Maio, e o ponto segundo, 20 de Julho de 2002 pelas 17.45, tudo pode acontecer, e, acredita-me, não há nada em que eu não tenha pensado, do mais inócuo contratempo à irremediável catástrofe. Que os comboios estejam em greve, ou a distribuição dos jornais. Que tu percas o comboio, ou que o comboio descarrile. Que tu não me ames mais, que eu te não ame mais, que nós não estejamos já juntos, que esta surpresa inocente e ligeira se transforme em qualquer coisa de triste ou, pior ainda, embaraçante.
Seria necessário estar-se emancipado de todo o género de pensamento mágico para planificar o próprio prazer a este ponto sem recear desafiar os deuses. Experimenta imaginar: tu és deus, e um mortal vem dizer-te, por intermédio do «Le Monde» (que tu recebes com eterna antecedência): repara no seguinte, hoje quinta-feira 23 de Maio eu decidi que Sábado 20 de Julho no comboio das 14.45 para La Rochelle a mulher que eu amo se masturbará seguindo as minhas instruções e gozará entre Niort e Surgires. Tu, como reagirias? Pensarias que este gajo se está a esticar. É um tipo simpático, mas maluco. Dir-te-ias que merecia uma liçãozinha. Não o raio que se abate sobre o temerário, não o abutre que lhe devora o fígado, mas uma pequena liçãozinha. Que tipo de lição? Eu acho que no teu lugar – sigo supondo que tu és deus – procuraria montá-la como um filme de Lubitsch, no qual o espectador recebe sempre aquilo que quer, mas nunca no momento em que o deseja. E para dar a este guião demasiadamente bem arquitectado a reviravolta que ilude e ao mesmo tempo satisfaz as expectativas, creio que Lubitsch usaria exactamente o teu vizinho, ou a tua vizinha do lado. Consegues imaginá-la, uma surda-muda graciosa, tipo Emmanuelle Laborit, que há já dez minutos olha furtivamente os lábios da mulher sentada no comboio a seu lado a recitar, de olhos fechados, em êxtase, «quero a tua pila dentro da minha cona»? Como diria o meu amigo Jacques Fieschi, «estou a ver a cena», e para concluir a escolha é grande, desde o momento de perturbação ligeiro e jovial entre raparigas, à la Michel Deville, a um registo mais decididamente porno: és demasiado jovem para ter visto Emmanuelle; a cena inicial no avião, aos dezasseis anos, fez-me delirar como um louco. Dito isto, no entanto, se a ideia é dar-me uma lição fazendo fugir o teu orgasmo ao meu controlo e desviá-lo para um beneficiário imprevisto, a surda-muda graciosa deveria ceder o lugar a um gracioso surdo-mudo, hipótese que, como bem podes imaginar, me entusiasma muito menos. Andemos para a frente, visto que tenho em mente uma situação completamente diferente.
Encontrar-se num local público frente a um desconhecido que lê um livro é uma coisa que pode acontecer na vida de um escritor, mas não é assim tão frequente. Não se pode contar com isso. Em compensação, um bom número de passageiros no comboio lê o «Le Monde», isso é certo. Façamos o cálculo: a França tem 60 milhões de habitantes e o «Le Monde» tira 600.000 exemplares, logo os seus leitores representam 1% da população. Mas no TGV Paris-La Rochelle, numa tarde de Sábado de Julho, a percentagem deve ser bastante mais elevada, seria tentado a multiplicar por dez. Logo, pouco mais ou menos, 10%, a maior parte dos quais, considerando que hoje não têm pressa, darão pelo menos uma vista de olhos, por curiosidade, ao conto que vem com o jornal. Eu não queria parecer presunçoso, mas na minha opinião a probabilidade de que quem dê uma olhadela por curiosidade o leia até ao fim é próxima dos 100%, pela simples razão de que quando se fala de sexo todos lêem mesmo até ao fim, não há nada a fazer. O mesmo é dizer que cerca de 10% dos teus companheiros de viagem lê, leu ou lerá estas instruções durante as três horas que passarão juntos no comboio. A probabilidade, por conseguinte, é bastante mais alta se comparada com a hipótese de teres uma surda-muda sentada ao teu lado. Existe uma possibilidade em dez (estou seguramente a exagerar, mas não assim tanto) que a pessoa sentada ao teu lado esteja, neste momento, a ler a mesma coisa que tu. E se não for aquela mesmo ao teu lado, será uma outro um pouco mais longe.
Wow.
Rui

 

Tomar banho

Era uma vez o Senhor Deus. Como se sabe, Deus criou primeiro o Homem, mas depois criou logo a Mulher. Antes de soprar a voz de Natalie Merchant, um pouco como os operários da Marinha Grande sopram os cristais, o Senhor pensou numa coisa para o homem e a mulher fazerem juntos. «Banho», pensou Ele. «Tomar banho.» E o que Deus quis dizer com «tomar banho» era na verdade «banho de imersão». Isto mesmo me parece claro. Todos os banhos deveriam ser banhos de imersão para que os homens e as mulheres fossem felizes. O duche já pertence limpamente à época de fall from grace, que se reconhece pela profusão dos seguintes aspectos: uma maçã, uma cobra, uma voz a falar ao telemóvel, e o período da mulher. Como uma iluminação que chega por acréscimo, Deus inventou ainda o duche para o homem e a mulher poderem «tomar banho» quando ela está com o período. Não é o mesmo, não Sr., mas ainda é «banho». Rui

sábado, setembro 11, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (VIII)

Outra fonte inesgotável de espanto: não só as mulheres estão nuas debaixo da roupa, como todas têm aquela coisa miraculosa entre as pernas, e o mais desconcertante é que a têm o tempo todo, mesmo quando não pensam nela. Durante muito tempo perguntei-me como é que faziam, parecia-me que eu no seu lugar não faria outra coisa senão masturbar-me, ou pelo menos pensar nisso. Uma das coisas de que gostei logo em ti foi a impressão de que pensavas nisso mais do que a maior parte. Um dia disse-te que tinhas a cona escrita na testa, tu hesitaste, não sabias como entender, se como uma parolice colossal ou como um cumprimento, e no fim prevaleceu o elogio. Eu concordo. Quando olho a cara de uma mulher, gosto de conseguir imaginá-la enquanto goza. Em algumas é quase impossível, não se entrevê o mínimo abandono, mas tu, basta ver-te em movimento, a sorrir, a falar de uma coisa qualquer, e adivinha-se logo que gostas de gozar, vem imediatamente a vontade de conhecer-te enquanto gozas, e quando se te conhece, bem, não se fica desiludido. Não sendo exactamente o tom deste texto, mas paciência, concedo-me uma nota sentimental: nunca me deu tanto prazer ver alguém gozar como tu, e quando digo ver, obviamente, não se trata apenas de ver. Imagino-te no momento em que lês estas palavras, o teu sorriso, o teu orgulho; o orgulho de uma mulher bem fodida só tem paralelo no do homem que fode uma mulher bem fodida. Podes afundar os pensamentos nas tuas cuecas, agora. Mas espera: não te precipites. Faz como com o elefante cor-de-rosa. Não penses ainda na minha pila, nem na minha língua, nem nos meus dedos, nem nos teus, pensa na tua cona sozinha entre as tuas pernas. O que te vou pedir é uma coisa terrivelmente difícil, mas a ideia é que penses na tua cona como se não estivesses a pensar nela. As pessoas que fazem muita meditação dizem que o objectivo (e a iluminação chega por acréscimo) é observar a própria respiração sem que por fazê-lo a modifique. Estares como se não estivesses lá. Procura imaginar a tua cona, de dentro, como se estivesse simplesmente ali entre as tuas pernas e tu pensasses noutra coisa qualquer, como se estivesses a trabalhar ou a ler um artigo sobre o alargamento da NATO. Tenta permanecer neutral, mas entretanto examina em pormenor cada sensação. A maneira como o tecido das cuecas comprime os pêlos. Os grandes lábios. Os pequenos lábios. O contacto das paredes uma com a outra. Fecha os olhos.
Então? Molhada? Imagino que um bocadinho. Muito molhada? Admito que o exercício era difícil, mas enfim, ainda que muito molhada não está aberta: sentada num comboio, vestida pelas cuecas, e sem lhe enfiares um dedo, não pode estar aberta. Atenção agora, vamos ver se consegues abrir apenas os lábios a partir de dentro, sem ajuda. Não sei. Não creio. Tens uma excelente musculatura vaginal, mas não é a musculatura vaginal que comanda a abertura dos lábios, em compensação o que podes fazer é abrir e fechar, abrir e fechar, com tanta força quanto puderes, como se eu estivesse aí dentro.
Bem sei, excedi-me, fui mais rápido do que previas, mas andar para trás seria desleal. Portanto, tens direito a pensar na minha pila. Mas sem lhe saltares para cima. Sem pressa. Tenho a certeza que pensas logo em metê-la toda dentro enquanto te tocas, mas não, tens de ter paciência, seguir o meu ritmo que em traços gerais consiste sempre em refrear, retardar, parar. Sou desde miúdo um ejaculador precoce, é uma experiência tremenda, de um tipo se suicidar, e dessa experiência tremenda ficou-me a convicção de que o maior prazer consiste no permanecer no limiar do prazer. É mesmo aí que eu gosto de estar, exactamente: no limiar, e de afastar sempre o limiar, como se afiasse uma faca sempre e sempre mais. Parecia-te algo perturbador, de início, mas agora não. Agora gostas que antes de te lamber te acaricie demoradamente o clítoris, respirando apenas, perto, tão perto, brincando com o calor da respiração, ateando a expectativa do primeiro movimento da língua. Gostas que antes de to enfiar todo lá dentro e foder-te, a glande fique bastante tempo à soleira dos grandes lábios, gostas de me dizer nesse momento, olhando-me nos olhos, que gostas da minha pila dentro da tua cona, gostas de o repetir e é o que farás agora. Aí, no comboio. Repete «quero a tua pila dentro da minha cona», a voz pianíssima, é óbvio, mas repete-o na mesma, não apenas mentalmente, forma os sons com os lábios. Pronuncia estas palavras o mais alto que puderes sem que os vizinhos te ouçam. Procura este limite sonoro e aproxima-te o mais possível sem o ultrapassares. Já alguma vez viste alguém recitar o terço? Faz o mesmo. Sobre o mantra de fundo «quero a tua pila dentro da minha cona» todas as variações são bem vindas, e conto com o facto de deixares correr a fantasia. Vai.
Até Poitiers, que se os meus cálculos estão certos já não deve estar longe.
Rui

 

Crise de valores


Quando codificaram o canal 18 toda a blogosfera protestou. Agora que a Fashion TV vai passar a custar 300 libras por ano, ninguém diz nada.

sexta-feira, setembro 10, 2004

 

Loiça

Eu não tenho máquina de lavar a loiça. Sucede que, pela segunda vez em dois dias consecutivos, tenho de lavar a minha loiça toda. Não é um ou dois pratos, um tacho e talheres. Não: a loiça mesmo toda. Não será muita, mas é toda a que tenho. Enquanto remoo como sempre o «Gunner’s Dream» dos Pink Floyd, penso: devia haver lavandarias de loiça, como as há para a roupa. Vinham buscar a casa e entregar às terças e quintas. Ao menos não teria como desculpa – a menos esfarrapada deste ano – o ter de ir lavar a loiça. Rui

 

Salão de espelhos

«Há um poema do Fernando Pessoa onde ele faz um requiem aos barbeiros e a si próprio que começa nestes termos: «Entrei no barbeiro no modo do costume/com o prazer de me ser fácil entrar/sem constrangimento.» Sem constrangimento? Esta, francamente causa-me espanto.»
[José Cardoso Pires, «Salão de Espelhos», in A Cavalo do Diabo, p. 148]

Causava espanto ao José Cardoso Pires, e causa-me espanto a mim. Não há sítio mais constrangedor que este tipo de estabelecimentos. Tenho inveja daquelas pessoas que discutem a bola com os barbeiros e as férias com as cabeleireiras. Há anos que vou cortar o cabelo ao mesmo sítio – e a conversa nunca passa disto: «Olhe não fiz marcação, não sei se pode ser agora...». «Tem preferência?». Respondo que não. «Então pode sentar-se ali naquela cadeira». Sentado na cadeira e de cabeça lavada, fazem-me a pergunta retórica: «Então como é que vai ser?» E eu finjo que a minha resposta vai condicionar o resultado final: «Não queria muito curto». Como não tenho «preferência», tenho sido vítima dos diferentes profissionais que ali trabalham. Quando vejo quem me calhou na rifa, já sei à partida se vai ficar mais curto ou mais comprido. No fim, mostram-me sempre a parte de trás da obra de arte, através de um espelho – um exercício sado-masoquista que só serve para confirmar a progressão da careca. «Está bom assim?».
Voltei lá na segunda feira, decidido a evitar a conversa introdutória do costume. Disse «boa tarde», mas não disse o óbvio. Achei que era óbvio que estava ali para cortar o cabelo e não para comer um bitoque. Depois do embaraço que o meu silêncio causou, perguntam-me se tinha «preferência». Devia ter dito que sim, que queria o bitoque «mal passado». Filipe

 

Ana Kotowicz, «O Adversário»

«Podias pelo menos aprender comigo. Imitar os meus olhos, treinar frases mais convincentes, um olhar mais duro, gestos mais gélidos. Rio-me por dentro e tenho pena de ti. Pena da tua ingenuidade tola, que te permite pensar saber mais do que eu. E, afinal, sabes tão pouco.»
Às quintas, n’A Capital.
Muito bom, tem sido muito bom. Rui

quinta-feira, setembro 09, 2004

 

ddr esplanar


[Jean-François Jonvelle, mais aqui e aqui]

Rui

 

O taxista gay

Na primeira jornada do campeonato apanhei um táxi para ir ver o Belenenses-Marítimo, no Estádio do Restelo. «Há bola, hoje?», perguntou-me o taxista. Estranhei a pergunta: taxista que é taxista, tem sempre à mão o calendário da bola. «Sim, é o Belenenses-Marítimo», respondi eu. «Eu não me interesso muito por bola», confessou ele. Decididamente, a coisa começava a complicar-se. Ele continuou: «Veja lá, só agora, com o Euro 2004, é que aprendi os nomes dos jogadores e as regras». Ou seja, tinha chegado ao futebol via selecção - um indicador infalível. Mas se dúvidas houvesse, ele fez questão de me esclarecer: «Ai, foi um momento tão lindo. Foi um 25 de Abril para a nossa geração. Gente nas ruas, festa todo o dia. Cheguei a levar uns checos para o Hotel. Eram mais homens que mulheres. Eram bonitos e bem vestidos...»
Filipe

 

Vamos jogar a uma coisa (VII)

Agora tens direito a um pouco de contacto. Segurando as folhas com a mão esquerda, apoia a mão direita sobre a anca esquerda. O antebraço, que imagino nu, repousa portanto sobre a tua barriga, à altura do umbigo. Partindo da anca, faz deslizar a mão até àquela pequena duna que se forma em todas as mulheres logo acima da saia ou das calças, acariciando com a palma da mão e os dedos a carne aqui tão macia e elástica. É tépido, doce, repousante, demoremo-nos aqui como num acampamento base. Demora-te por um momento antes de retomar a escalada em direcção às costelas e à parte inferior do soutien. A situação, nesta fase, varia ligeiramente conforme exista um segundo estrato de vestuário – uma camisa aberta sobre uma t-shirt, um casaco ligeiro – que te permita operar relativamente a coberto dos olhares dos outros ou que avances a descoberto. Em qualquer caso, podes sempre aproximar a mão que segura as folhas e com o cotovelo encobrir a outra mão, que agora apalpa decididamente o seio esquerdo. Aqui estás à vontade. Toma o tempo que quiseres, o que for necessário para fazer, no limite da decência, tudo aquilo que tinhas vontade de fazer há bocado, quando o contacto te estava proibido. Não esquecer, no entanto, que o nosso presente objectivo não é o mamilo mas o de dentro da axila, aquele para o qual os teus dedos se dirigem. Ali deve existir forçosamente um acesso à pele desnuda, pela abertura do vestido ou da t-shirt, e se por acaso tens vestida uma camisa de mangas compridas nada mais resta do que passar pelo decote, que imagino profundo. Qualquer que seja a estrada que escolheste, por cima ou por baixo, estás a tocar directamente a pele pela primeira vez desde o início desta carta. Afasta ligeiramente o braço esquerdo, para fazê-lo com naturalidade basta que apoies o cotovelo no braço do assento. Com a ponta dos dedos alisa a junção do braço do assento, depois começa a explorar a cava da axila. Tarde de Julho, num comboio que imagino bastante cheio, muito me surpreenderia se não apanhasses qualquer gota de suor. Gostaria que dentro de poucos minutos – mas não tenhas pressa, por favor – as levasses ao nariz, pelo cheiro, depois aos lábios, para que as proves. É uma coisa que me põe doido: sem entrar nos excessos aos quais Henrique IV deve a sua glória, eu não adoro a pele lavada demasiado de fresco, e também tu gostas sentir o cheiro da pila, da cona e das axilas. As tuas não são depiladas, e também isto me enlouquece. Não é que seja uma norma geral, não é um dogma, vou antes caso a caso, mas no teu caso não há a mínima dúvida, poderia passar horas, e de facto passo horas nessa espuma ligeira de pelos louros. Cuja dita preferência, como tu acertadamente defendes, pertence a um âmbito de preferências eróticas segundo as quais tendo a colocar-me mais do lado das fotos do pobre Jean-François Jonvelle que do lado de Helmut Newton: rapariga em cuequinhas que se massaja o seio com creme hidratante sorrindo-te ao espelho da casa-de-banho em vez de saltos altos agulha carantonha desdenhosa e coleira de cão. Mas não há só disto na paixão pelos pêlos sob o braço, existe também, como dizer?, uma espécie de efeito de metonímia, como quando se diz vela para dizer barco: a impressão que tu andas por aí com duas conas suplementares, duas pequenas conas que a boa educação autoriza a mostrar em público ainda que façam irresistivelmente pensar, ou pelo menos a mim fazem irresistivelmente pensar, naquilo que está entre as tuas pernas. Em princípio, desaprovo este tipo de raciocínio. Em frente a uma cona, eu tendo a pensar apenas naquela cona, em frente a uma axila, naquela axila, e não lançar-me em associações segundo o princípio que tudo tem que ver com tudo num sistema de ecos e correspondências inefáveis que conduz inexoravelmente ao romantismo, do romantismo ao bovarismo, e daí à negação total da realidade. Eu sou pela realidade, nada mais que a realidade, e por ocupar-me de uma coisa de cada vez. Como aquele guru indiano que, numa outra das minhas histórias preferidas, repete incansavelmente aos seus discípulos (leia-se com o sotaque de Peter Sellers em Hollywood Party): «When you eat, eat. When you read, read. When you walk, walk. When you make love, make love», e por aí fora. Excepto o dia que os discípulos, enquanto se recolhem para meditar, o encontram sentado a tomar o pequeno-almoço e a ler o jornal. Aos discípulos incrédulos, ele responde: «Where is the problem? When you eat and read, you eat and read.» Valho-me deste exemplo, em contraste nítido com as minhas posições filosóficas, para me conceder pensar na tua cona enquanto te acaricio e te faço acariciar as axilas, e todavia pensa-lo também tu, para não falar do teu vizinho que já há cinco minutos te olha pelo canto do olho enquanto lambes os dedos.
Não, para já prefiro não falar disso.
Rui

 

Se

Se um dia intervieres e me salvares de mim
Se um dia desejares que saia e nunca mais volte
Se, ao fim do dia, esperares por mim
Se, cansada de esperar, olhares para o lado
e não me vires
E então chorares.

Se chorares, escorrerei dos teus olhos
Limparás o rosto, comporás o cabelo lindo
Nunca odiar é pouco amar...?

Se ainda me amares, então
Repousa o teu rosto, compõe o cabelo lindo
Repousa o teu rosto.

Nesse dia saberás
E isso fará toda a diferença.
Rui

quarta-feira, setembro 08, 2004

 

Autocolante

O meu outro blog é um Ferrari.
Rui

 

ddr esplanar


[Neko Case]

Rui

 

Vigília:

abstinência;
arraial;
cuidado;
desvelo;
espertina;
insónia;
insonolência;
lucubração;
noitada;
proximidades;
vela;
véspera;
vigia.

[«Vigília» in Dicionário de Sinónimos, Porto Editora, p. 1210]

Assim: assim estou.
Rui

terça-feira, setembro 07, 2004

 

Volkswagen Obikwelu

Cruzo-me, no trânsito, com um camião pertença de uma empresa promotora de desportos. Pleno de entusiasmo, leio os desportos que me prometem e imagino o meu corpo a balançar-se como uma bailarina que resolve dançar por uma última vez para a família, antes de meter no correio os papéis para a reforma. Uma tríade irresistível estende-se, em jeito de milagre, à minha frente: Paintball; insufláveis; kartcross. Tudo o que o homem pós-moderno quer e precisa. Mas, um segundo depois, o sonho esfuma-se à semelhança do gás do tubo de escape das viaturas vizinhas. No meio da lista de desportos, brilha uma palavra mortífera: Aventura. Sim, Aventura. Sem mais. Eles prometem Aventura. Sim, a informação, ainda assim, revela-se útil. Não sabia que o meu carro tem mais poder de arranque do que o Obikwelu. Nuno

 

Vamos jogar a uma coisa (VI)

Foi bom?
Pensaste nas minhas mãos sobre o teu seio? Eu não consegui pensar noutra coisa. Para ser mais rigoroso, não nas minhas mãos sobre o teu seio, mas nas minhas mãos perto do teu seio. Sabes: a palma que o cobre e lhe adivinha a curva, um quarto de milímetro mais perto e roçá-lo-ia, mas o facto é que não o faz. Roçar significa «tocar ao de leve», só que eu não te toco, aproximo-me tanto quanto é possível sem tocar, o jogo consiste precisamente em evitar o toque mantendo a distância constante, o que implica minúsculos recuos da palma em resposta ao seio que avança impelido pela excitação, ou simplesmente ofegante da respiração. Quando digo em resposta, falo de uma coisa mais subtil, pois não se trata de responder, seria já demasiado tarde, como nas artes marciais, onde o objectivo não é devolver o golpe, mas evitá-lo. Trata-se de antecipar, logo deixar-se guiar pelo calor corpóreo, a intuição, a respiração, com algum treino consegue-se que o bico da mama e a palma da mão funcionem como dois contadores Geiger, e tu e eu estamos bem treinados. Quem toca, perde. Por outro lado, é um exercício que se pode praticar com qualquer parte do corpo, palma e dedos – claro – lábios e língua, seio, clítoris, glande e ânus permitem as combinações mais diversas, combinações que em poucos minutos produzem gritos de enlouquecer os vizinhos – mas sufocar os gritos também não é nada mau –, seria um erro limitarmo-nos às zonas mucosas e erécteis classicamente erógenas trascurando variações do género couro cabeludo – curva da perna, queixo – planta do pé, anca – axila, eu pessoalmente sou um apaixonado por axilas e pelas tuas em particular das quais, com efeito, desejava falar-te.
Isto faz-te sorrir, porque sabes que é uma coisa que me deixa louco, enquanto que a ti, não tendo nada contra, não te faz tocar o céu com os dedos. O meu entusiasmo enternece-te mais do que te excita. Por essa razão, sorris. Ao escrever estas palavras, dois meses antes de as leres – assumindo que as leias, que tudo corra como previsto -, procuro imaginá-lo, aquele sorriso, o sorriso da mulher que lê, só, num comboio, uma carta porno que lhe é dirigida mas que ao mesmo tempo é lida por milhares de outras mulheres, as quais, suponho, pensam de si para si que tens muita sorte. É uma situação um pouco estranha, há que admiti-lo, e deve provocar um sorriso outro tanto estranho, e para mim provocar um sorriso assim representa um objectivo literário exaltante. Agrada-me que a literatura seja eficaz, em ideal gostaria que fosse performativa, no sentido em que os linguistas definem um enunciado performativo, cujo exemplo mais clássico é a frase «declaro guerra»: no próprio momento em que é pronunciada, a guerra é de facto declarada. Poder-se-ia defender que entre todos os géneros literários a pornografia é aquele que mais se aproxima de um ideal semelhante, ler «estás molhada» faz-te molhar. Era apenas um exemplo, não disse «estás molhada», logo não estás ainda molhada, ou se o estás não se faz caso, pois todas as tuas energias mentais estão empenhadas em desviar a atenção das cuecas. Há uma história assim de que gosto muito, a história de alguém a quem um mágico promete realizar todos os desejos, com apenas uma condição: que durante cinco minutos consiga não pensar num elefante cor-de-rosa. Se não lho tivesse dito jamais disso se teria lembrado, é óbvio, mas agora que lho sugeriu – e proibiu – como poderá pensar noutra coisa qualquer? Eu, contudo, procuro ajudar-te, pensemos agora numa outra coisa, dediquemo-nos às tuas axilas, ou por outra: vamos fazer uma coisa diferente. Rui


 

Broadway Danny Rose

Ontem, às 23.45, no canal Hollywood, apanhei este filme já a meio. Há dois tipos de filmes que eu consigo apanhar a meio sem perder o fio à meada: os filmes porno e os filmes do Woody Allen. Filipe

segunda-feira, setembro 06, 2004

 

O ciúme

Quero que saibas disto, Emmanuelle, numa absurda viagem que um dia faças pelas mais obscuras entradas de uma pesquisa pelo teu nome em qualquer motor de busca virtual.
Durante anos, papei filmes do André Techiné, escolhi, semana a semana, fotos tuas para embelezar o meu desktop e, consequentemente, toda a redacção (sempre delicadas, elegantes, com pouco mais que o teu rosto à mostra, para que não chamasse demasiado pela atenção de ninguém). De "Huit Femmes", retive a cena em que soltas o cabelo e encaras Catherine Deneuve, tornando-se gémeas, numa insinuação de que a tua personagem fosse filha da dela, como um dos momentos da História em que uma mulher foi mais bela.
E agora, à traição, fazes-me esse filme em que toda a gente te pode ver, inteira, assim tão fácil de descobrir, quando poderias viver na Arábia Saudita e, com um simples pestanejar, derrubar qualquer homem?
É duro, Emmanuelle. E o pior é que sabes que não tenho como me vingar.
Alexandre

 

Marisa:

Uma mulher tem sempre o direito de arranjar um namorado bronco. Em certas circunstâncias, será aceitável (ou até desejável) que mude a cor do cabelo e o tamanho das mamas. Mas nunca, em momento algum, pode trocar um clube como o Sporting pelo Boavista! Filipe

domingo, setembro 05, 2004

 

Bush vs Kerry

Em quatro anos de administração Bush, o desemprego aumentou, o buraco orçamental cresceu e a América viu-se envolvida numa grande trapalhada chamada Iraque. Ainda assim, George W Bush goza de uma ligeira vantagem nas sondagens. Tenho andado a pensar como é que isto é possível, e só consigo encontrar uma explicação, aliás duas:


Jeena e Barbara Bush



Alexandra e Vanessa Kerry

Filipe

sábado, setembro 04, 2004

 

À paulada por causa do Pauleta

Um dia destes, ainda vou andar à pancada por causa do Pauleta, rapaz que nasceu e cresceu na freguesia (micaelense) contígua à minha. (Sim, assumo: estamos perante o mais claro e assumido nacionalismo açórico). Aliás, a violência esteve para acontecer no último Europeu. Mas a coisa compôs-se, com alguns duros palavrões pelo meio. Hoje, o Pauleta marcou um golo. Fico feliz. A paulada fica, pois, adiada para outra altura. Nuno

 

Vamos jogar a uma coisa (V)

Quando se faz sexo pelo telefone, existe um momento sempre delicado, gostoso, mas delicado: aquele em que se passa do diálogo normal ao cerne da questão. Diria que, quase invariavelmente, se chega aí pedindo ao outro que descreva a posição em que se encontra («Mmmm, estou deitado na cama...»), depois a roupa que tem vestida («Só uma camisola...?»), e é nesse momento que alguém pede para que um dedo se insinue numa qualquer parte, por entre a roupa e a pele. Aqui eu hesito. É como no xadrez, ou na análise, nos quais, segundo parece, tudo depende da primeira jogada. A mais clássica abertura seria o seio, a abordar de modo diverso conforme esteja ou não envolto no soutien. De costume, usas soutien. Conheço-os quase todos, pois ofereci-te vários; eis uma coisa que me dá prazer: escolher roupa interior sexy. Acho piada à conversa com a empregada, o descrever-lhe a destinatária. O conúbio consentido entre a troca estritamente profissional e o subentendido sensual cria uma cumplicidade subtil que rapidamente leva à pergunta: «Se fosse para si, qual deles escolheria?»
Poderia pedir-te que acariciasses um seio, que aflorasses o mamilo com a ponta dos dedos através do vestido e do soutien, o mais discretamente possível. Ora aí está uma outra coisa de que gosto, de que gostamos os dois, o olharmos juntos as mulheres e imaginarmos os seus mamilos. As conas também, mas vamos com calma, por agora fiquemo-nos nos mamilos. Como expliquei muitas vezes às empregadas das lojas, o teu caso é especial, no sentido em que os teus mamilos parecem feitos ao contrário, com o bico virado para dentro, despontando, como um animal de uma toca quando estás excitada. Imagino que o estejam a fazer neste preciso momento sem que tenhas necessidade de lhes tocar. Não te toques. Interrompe o movimento que porventura tenhas iniciado, deixa a mão suspensa no ar e limita-te a pensar no teu seio. Ou melhor, a visualizá-lo. Já te expliquei, é uma técnica yoga muito eficaz - ainda que em geral aproveitada para outros objectivos – visualizar uma parte do corpo com a máxima precisão e para ela transferires o pensamento e os sentidos. Peso, calor, textura da pele, textura diferente da aréola, fronteira entre a pele e a aréola, estás por inteiro no teu seio. Na melhor das hipóteses, no momento em que lês estas palavras alguém sentado em frente a ti – mas estará alguém sentado à tua frente? – poderá ver os teus mamilos despontarem sob a dupla camada de tecido tão nítidos como sob uma camisola molhada.
Pára de novo. Agora volta a fechar o jornal. Não penses em nada mais para além do teu seio, e em mim que penso no teu seio, durante um quarto de hora. Fecha os olhos, ou não, como quiseres.
Rui

 

A suave arrogância do português

O português, que dançou centenas de "slows" ao som de música brasileira e que consumiu séculos de novelas, nunca respeitou a maneira como os brasileiros falam e escrevem. O português (aquele que já leu três livros e que se acha um indivíduo "actualizado") ainda está convicto de que o brasileiro falado e escrito é uma corruptela do português – desse “correcto” e “bem escrito” português. Devo confessar a minha irritação perante mais esta suave arrogância. Porque essa petulância de café também contaminou algumas das denominadas elites culturais e impediu-nos de, durante anos, conhecer as letras brasileiras contemporâneas. Concordo, pois, com o elogio que o Ivan fez ao Gávea. E lembro que o Manuel Jorge Marmelo já vem, há algum tempo, a fazer esse necessário trabalho de divulgação do Brasil literário (Patrícia Melo, por exemplo). O Brasil nunca renegou um género tão pateticamente menorizado em Portugal – o conto. O livro “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século” contém alguma da melhor literatura que tenho lido nos últimos anos. Ensinou-me muito mais sobre o estilo e o manejo da língua do que a maior parte da literatura portuguesa recente. E é melhor ficar por aqui. Em matéria de jornalismo e de cronistas (sim, de estilistas e estetas; não de colunistas - esses enxameiam o jornalismo português), nem vale a pena tentar a comparação. Nuno

 

Metropolitanos

Uns 4, 5 anos atrás, sentado a meio de uma carruagem do metropolitano, guardei um momento insólito. Por cada uma das portas das extremidades, na mesma estação, entraram dois pedintes invisuais: um talvez próximo dos seus 60 anos, o outro nos 30,com uma voz nasalada e aguda. Individualmente, estava habituado a vê-los; eram, de certeza, então como agora, os dois pedintes invisuais mais trabalhadores do comboio subterrâneo. Via-os mais, muito mais vezes, que a qualquer revisor da Metro de Lisboa. Ainda sem se aperceberem da presença do outro na ponta mais distante da carruagem, iniciaram a sua cantilena: "Tenha a bondade de me auxiliar. Tenha a bondade." Mas não a chegavam a terminar. Após duas ou três palavras, ouviram-se um ao outro e, nesse instante, viram-se a si próprios, a sua condição, o seu lugar, o seu espectro. Calaram-se. Parecia um duelo, eu estava certo de que um duelo aconteceria. Mas ficaram calados, calados até à estação seguinte. O mais velho saiu. O mais novo, da voz nasalada, prosseguiu viagem, mas sempre em silêncio, quieto, sem cantilena, sem estender a mão a ninguém.
Passou todo este tempo. Nunca mais me recordara desse episódio.
Ontem, 3 de Setembro, com a composição cheia de gente com uma evidente energia de quem ainda agora começou tudo de novo, os dois homens voltaram a cruzar-se. Desta vez, entraram pela mesma porta. Deram, depressa, um pelo outro. Cumprimentaram-se gentilmente, com os rostos desencontrados. "Então, estás bom?" E o outro: "Óptimo. E tu? Pensei que ainda estavas de férias..."
Ainda há acontecimentos que me escapam às palavras.
Alexandre

 

Pré-épocas da vida real

Uma semana de ausência merece explicações; o Rui,sobretudo, merece explicações, que para aqui tem estado um pouco abandonado.
O regresso das férias; desfazer as malas; ir a 34 jantares de balanço de agostos e viagens; recomeçar o trabalho, ainda por cima, num lugar novo, com outras pessoas e outros territórios; o fora de forma que se está nas pré-épocas da vida real. Tudo isso fala do silêncio e do tempo de que precisamos para reequilibrar as coisas e as esperanças dentro de nós.
Creio que isso está já conseguido. Regresso à vossa companhia,a vossa extraordinária companhia que ultrapassou, esta semana, as 10.000 visitas. Por isso, mais um obrigado.10.000 visitas (quase 11.000) em 2 meses de escrita, numa esplanada a meio da chuva, não está nada mal.
Nada mal.
Alexandre

sexta-feira, setembro 03, 2004

 

Como tu, Daniel

No “24 Horas” de ontem, o jornalista cor-de-rosa Daniel Nascimento aconselha a leitura do livro “A Bíblia”. Sim, isso não é uma novidade. A surpresa está, sim, nesta divina justificação:

“Aconselho todas as pessoas a lerem, independentemente de serem católicas ou não. Deve ser o livro mais imparcial que existe (...)”. Nuno

 

Linda de se ver. Boa para se morar.

Rui

 

Vamos jogar a uma coisa (IV)

Agora gostaria que fizesses um esforço de concentração. Um esforço sem esforço, por assim dizer, pois pedir-te-ei muitos outros, estamos apenas a começar e é melhor ir pé ante pé para não estragar o crescendo. Deves muito simplesmente tentar visualizar-te. O ambiente ao teu redor, antes de mais, do qual me escapam não poucas variáveis: se estás ou não estás sentada no sentido de marcha, à janela ou na coxia, em poltrona normal ou central - logo numa posição central ou não - são claramente pormenores importantes. Em seguida, visualiza-te a ti mesma, sentada, estas folhas abertas entre as mãos. Queres que te descreva, para ajudar? Na verdade, não, não creio que seja necessário, até porque não sou particularmente bom a descrever e depois porque tenho em mente fazer excitar, não apenas a ti, mas a toda e qualquer mulher que leia estas páginas, pelo que uma descrição demasiado precisa prejudicaria a identificação. Mesmo o dizer apenas alta, loura, pescoço longo, cintura fina e ancas macias seria já dizer demais; logo, não direi nada do género. Serei também vago no que toca à tua roupa. Naturalmente, terás preferido um vestido estival, daqueles que deixam os braços e as pernas descobertos, mas não me permito dar-te qualquer indicação a propósito e pode bem suceder que tenhas posto umas calças, pois são mais práticas em viagem; logo se vê. Independentemente do número de camadas de roupa que tenhas sobreposto (mas nesta estação não é irrazoável pensar em apenas uma), a única coisa certa é que por baixo estás nua. Lembro-me de um romance no qual o narrador toma consciência maravilhado que em todos os momentos as mulheres estão nuas debaixo da roupa. Partilhei, ainda partilho desta maravilha. Gostaria que pensasses um pouco nisso.
Ora bem, segundo exercício: tomares consciência de que estás nua debaixo do vestido. Distinguir, primeiro, as zonas da pele que não estão em contacto com tecido, mas directamente com o ar: rosto, pescoço e mãos, e uma certa extensão de braços e pernas; ponto segundo, as zonas cobertas por tecido, e aqui abre-se todo um leque de cambiantes: aquelas em que o tecido adere – roupa interior, calças justas – e aquelas em que mantém uma certa distância – camisa larga, saia comprida. Resta um terceiro ponto que queria abordar por último e que diz respeito às zonas de pele em contacto com outras zonas de pele; por exemplo, por debaixo da saia, as coxas cruzadas uma sobre a outra, o alto da barriga da perna contra o lado do joelho. Fecha os olhos e procede ao inventário de todos os pontos de contacto da tua pele com o ar, com o tecido, com a pele ou com um outro material – os antebraços sobre os braços do assento, o tornozelo de encontro ao plástico do assento da frente. Passa em revista tudo aquilo que toca a tua pele. Examina em detalhe tudo aquilo que percorre a tua superfície.
Um quarto de hora.
Rui

 

A normalidade

Gosto da normalidade. Acredito que é na normalidade que o homem se pode transcender. O meu fascínio vai para as personagens de Tchékov e de Carver. Interessam-me as suas hesitações, as suas pequenas conquistas, a forma humana - inteiramente humana - como lidam com os dias. A bravura fica para os outros. “Heroísmos não, por favor”. Talvez seja por isso que, desde há um tempo, me sinto próximo do Classe Média. Agrada-me o título. Agrada-me o tom melancólico com que capta os pormenores – que, muitas vezes, nos escapam - de uma vida urbana comum. Agrada-me o tamanho curto dos posts. Isso: devia passar por lá mais vezes. Nuno

 

Aquela pessoa

Nestas noite de insónias próprias da condição paterna, tenho conseguido ler o livro que reúne alguma da colaboração de Alexandre O´Neill na imprensa. A esverdeada luz de presença tem ajudado à tarefa. Ainda há muita prosa para calcorrear. Mas já me sinto cativado. Há coisas de que estava à espera. Um tom literário fora da agenda (tão ausente dos nossos jornais). A capacidade de, a partir de termos e expressões correntes, inventar palavras e frases com brilho. O raro talento em usar (sem ferir) o ponto de exclamação. A vontade de partilhar, sem pretensão e com graça, as suas investigações culturais. Mas, confesso, desconhecia em O’Neill a serena vocação cronística para a clareza e profundidade nos temas humanos. Textos sem piscares de olho e piruetas verbais. Num estilo limpo e incisivo. Como este "O Exílio Interior":

“(...) O exílio interior, como disciplina, pode ser objecto de irrisão por parte daqueles que, em qualquer escritor ou artista, vêem apenas um individualista, um egocêntrico, mas é o comportamento coerente que se oferece a quem, rodeado pela adversidade, teima em preservar o pequeno núcleo que faz, fará com que um dia possamos – nós, os pactuantes – dizer aquela pessoa”. Nuno

quinta-feira, setembro 02, 2004

 

DDR esplanar

Rui

 

Wordcrumble

A palavra foi dada aos mortais, ao que parece, para falar do ar que passa por entre portas deixadas abertas.
A palavra é um «esconderismo». Pois é; mas também é coito.
Rui

 

Vamos jogar a uma coisa (III)

Já está. Passaram os dez minutos.
Os outros não sei, mas tu, tu seguramente terás percebido.
Rui

 

Vamos jogar a uma coisa (II)

Quero fazer-te uma proposta. A partir deste momento, farás tudo o que te disser. Literalmente. Passo a passo. Se te disser: pára de ler no fim desta frase e não recomeces senão passados dez minutos, tu pararás de ler no fim desta frase e não recomeçarás senão passados dez minutos. Era um exemplo, não era a valer. Mas, no geral, estás de acordo? Confias em mim?
Está bem, agora digo-to a sério: no fim desta frase pára de ler, fecha as páginas e dedica dez minutos – relógio na mão – a pensar onde é que eu quero chegar com isto.
Leitor, mas sobretudo leitora, eu não vos conheço, não tenho qualquer direito a dar-vos ordens mas, no entanto, aconselho-os a fazer a mesma coisa.
Rui

quarta-feira, setembro 01, 2004

 
Ars Poetica
O mar, no seu lugar pôr um relâmpago.


[Luís Miguel Nava, Poesia Completa 1979-1994, Dom Quixote, p. 44]
Rui

 

Vamos jogar a uma coisa (I)

20 de Julho 2002.
Compraste o «Le Monde» no quiosque da estação, antes de subir para o comboio. É hoje que sai o meu conto, recordei-to hoje de manhã ao telefone, acrescentando que seria uma óptima leitura para a viagem. Respondeste-me que três horas te pareciam um pouco demais para um conto, que levarias um livro também. Para que não desconfiasses, admiti que sim, com efeito, que era uma boa ideia, mas agora aposto o que quiseres que não o abrirás, qualquer que ele seja.
Sentaste-te no teu lugar, olhaste para as outras pessoas que se acomodavam. Alguém se terá sentado a teu lado: homem ou mulher, jovem ou velho, mais ou menos agradável, não faço a mínima ideia. Esperaste que o comboio partisse para abrir o jornal, daquela maneira que se faz quando se tem tempo. As paredes que ladeiam a linha todas todas escritas; a viragem em direcção a Sul; a saída de Paris. Folheaste a primeira página, a última, onde está escrita qualquer coisa sobre mim, pegaste depois no suplemento, abriste-o, arrancaste-o, voltaste a pegar-lhe; espero que não tenhas relanceado nenhuma frase ao acaso. Começas a ler agora.
Impressão estranha, não?
O mais estranho de tudo é não saberes nada desta história. Estávamos juntos na praia quando a escrevi, mas não ta quis mostrar. Disse-te apenas, em tom evasivo, que era mais ou menos ficção científica. À primeira vista, de facto, poderá fazer lembrar aquele romance de Michel Butor, La Modification, que se passa num comboio e é escrito na segunda pessoa. Imagino que alguns leitores chegados a este ponto o tenham já pensado. Mas tu não, tu estás demasiado surpreendida para pensar no Michel Butor. Começas a perceber que, com a desculpa do conto, te escrevi uma carta, e que 600.000 pessoas (é esta a tiragem do «Le Monde») estão convidadas a lê-la mesmo por detrás das tuas costas. Estás emocionada, talvez até um pouco desconfortável. Perguntas-te onde é que eu quero chegar com isto.
Rui

 

Vamos jogar a uma coisa

Isto não é bem uma apresentação. É mais uma laia de. Vou começar hoje a tradução de um conto de Emmanuel Carrère (o do livro, e depois filme, «O Adversário»). Não vou explicar mais nada. Uma capítulo por dia (são curtos). Traduzirei do italiano, que por sua vez já havia sido traduzido do francês. Espero que gostem, tanto como eu gostei quando li. Ah, pois é: tem palavrões e linguagem bastante gráfica. Deixá-lo. Fica a bolinha ao canto para quem carece de sinaléctica.

Tradução de Emmanuel Carrère, Facciamo un gioco, Einaudi, col. L'Arcipelago, 2002, trad. Paolla Gallo (título original L´Usage du Monde).
Rui



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