Uns 4, 5 anos atrás, sentado a meio de uma carruagem do metropolitano, guardei um momento insólito. Por cada uma das portas das extremidades, na mesma estação, entraram dois pedintes invisuais: um talvez próximo dos seus 60 anos, o outro nos 30,com uma voz nasalada e aguda. Individualmente, estava habituado a vê-los; eram, de certeza, então como agora, os dois pedintes invisuais mais trabalhadores do comboio subterrâneo. Via-os mais, muito mais vezes, que a qualquer revisor da Metro de Lisboa. Ainda sem se aperceberem da presença do outro na ponta mais distante da carruagem, iniciaram a sua cantilena: "Tenha a bondade de me auxiliar. Tenha a bondade." Mas não a chegavam a terminar. Após duas ou três palavras, ouviram-se um ao outro e, nesse instante, viram-se a si próprios, a sua condição, o seu lugar, o seu espectro. Calaram-se. Parecia um duelo, eu estava certo de que um duelo aconteceria. Mas ficaram calados, calados até à estação seguinte. O mais velho saiu. O mais novo, da voz nasalada, prosseguiu viagem, mas sempre em silêncio, quieto, sem cantilena, sem estender a mão a ninguém.
Passou todo este tempo. Nunca mais me recordara desse episódio.
Ontem, 3 de Setembro, com a composição cheia de gente com uma evidente energia de quem ainda agora começou tudo de novo, os dois homens voltaram a cruzar-se. Desta vez, entraram pela mesma porta. Deram, depressa, um pelo outro. Cumprimentaram-se gentilmente, com os rostos desencontrados. "Então, estás bom?" E o outro: "Óptimo. E tu? Pensei que ainda estavas de férias..."
Ainda há acontecimentos que me escapam às palavras.
Alexandre