Ainda o Público. Já vos aconteceu estar a ler um livro e reparar, várias páginas depois, que não se lembram de nada, que não estiveram a prestar atenção, que têm possivelmente de voltar atrás? Ou notícias e crónicas de jornal? A mim está-me sempre a acontecer. Um bípede está a ler e ao mesmo tempo põe-se a pensar na vidinha. Aquelas palavras impressas são uma espécie de música de fundo. Estamos a ouvi-la, o nosso inconsciente talvez, sei lá, não interessa, mas não lhe prestamos atenção. Só reparamos nela quando o disco acaba (há sempre a opção repeat, para os mais preguiçosos). Uma vez mais, aconteceu-me isso com o Público. Cheguei ao fim e não me lembrava de nada. Tinha-me perdido a ruminar no que ia fazer para o almoço, no que ainda tinha de fazer antes disso, o eléctrico que tenho de apanhar, na maldita tradução em que me meti, talvez telefonar ao calhas, ver um programa qualquer da manhã, ouvir o fórum da TSF, dar milho aos pombos, ficar à janela a assobiar às gajas que passam, mandar bocas. Nestas alturas sinto-me um Álvaro de Campos muito melhor do que o original. Pensamentos profundíssimos invadem-me a testa, eurekas a dar c’um pau, mais sonhos que Napoleão, mais humanidade no peito que Cristo, mais filosofia na minha capoeira que em todos os livros do Immanuel traduzidos pela Fundação Calouste Gulbenkian.O problema é quando abrimos a boca, quando bocejamos. O bocejo, como sabemos, é um exercício involuntário do direito de crítica. Mas não nos resolve esta dúvida primordial: será que é do livro, do jornal que estamos a ler ou da nossa vidinha tão desgraçadamente desinteressante. Ou serão as duas? Vou ali perguntar ao Esteves da tabacaria e já venho...
João Pedro