ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

segunda-feira, setembro 20, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (XII)

Sobram três quartos de hora de viagem, e a mim 5.000 caracteres, dos 35.000 – no máximo – que me concederam. Aquilo que ainda pode suceder, para além de tudo aquilo que escapa ao meu controlo, sabem-no já os outros leitores do «Le Monde», e tu, obviamente, suspeitas. Já viste uma a levantar-se há bocadinho, seguiste-a com o olhar e viste que também os outros a seguiam com o olhar. Sabem todos o que isso significa, e ela sabe que todos o sabem. Significa: vou masturbar-me.
A mulher sai, portanto, do bar e dirige-se em direcção à casa de banho mais próxima. Ocupada. Espera um pouco. Parece-lhe ouvir, obviamente abafada pelo ruído do comboio, uma respiração irregular por detrás da porta. Encosta a orelha, sorri, um gajo em pé ao pé da saída olha-a com um olhar meio estúpido, o tipo tem na mão um jornal diferente e ela diz para si pobrezinho, não sabes o que estás a perder. Finalmente, a porta abre-se, uma outra mulher sai da casa de banho com o «Le Monde» despontando da mala. Trocam olhares, a mulher que sai da casa de banho gozou brutalmente, lê-se-lhe na cara, e isto excita muitíssimo a mulher que está para entrar, tanto assim que encontra coragem para lhe perguntar «foi bom?» e a outra responde «sim, foi bom» num tom extremamente convincente, e o tipo que não estava a ler o «Le Monde», coitado, diz de si para si que neste comboio acontecem coisas muito estranhas, e que já no bar a atmosfera era absurda. A mulher fecha a porta, fazendo correr o ferrolho. A casa de banho está imunda, o que é uma coisa que normalmente a horroriza, mas hoje, decisivamente, está-se a marimbar. Enquanto puxa o vestido - ou baixa as calças - olha-se no espelho que desce mesmo até junto ao lavatório, para assim poder ver bem o que vai fazer. Arregaça as cuecas húmidas, levanta uma perna e apoia o pé no bordo do lavatório, agarrando com uma mão aquela espécie de puxador que ajuda a não perder o equilíbrio, e com a outra começa a acariciar a cona. Directa, com os dedos dentro, o tempo das finezas acabou, tem demasiada vontade, há já pelo menos uma hora que tem vontade. Enfia logo dois dedos, até ao fundo, está completamente inundada e ver ao espelho a mão que agarra a cona e os dedos que a penetram fá-la inundar-se ainda mais. Talvez proceda de uma outra forma, vá directa ao clítoris, cada mulher tem a sua técnica pessoal para se masturbar, fico doido quando ma mostram e agora projecto a tua na dela, não é grave. Se calhar é a primeira vez que se masturba de pé na casa de banho de um comboio, decerto é a primeira vez que se masturba sabendo que as pessoas atrás da porta sabem aquilo que está a fazer. É como se o fizesse em frente de toda a gente, olha para a cona no espelho como se toda a gente para ela estivesse a olhar, como se toda a gente visse os seus dedos escorregando pelos lábios molhados, é incrivelmente excitante. Pensa em ti, não conseguiu identificar-te com certeza mas faz de ti uma ideia qualquer, aquela loura alta com o pescoço longo, cintura fina e ancas macias de quem se falava no início, talvez fosse uma pista falsa, ou não, e estava no bar uma rapariga exactamente assim. Pensa que, por essa altura, seguramente que também tu estás dentro de uma casa de banho, numa outra carruagem, a fazer a mesma coisa, imagina os teus dedos a afundar-se nos teus pêlos louros e, ainda que não tenha uma particular inclinação por mulheres, agora tem desejo delas, mesmo muito desejo delas. Vê os seus dedos dentro da sua cona, e os teus dentro da tua, e os dedos das outras mulheres dentro das conas delas, todas se masturbando ao mesmo tempo no mesmo comboio, todas molhadas, todas levando agora a mão ao clítoris, e tudo isto porque um tipo decidiu dois meses antes aproveitar um pedido do «Le Monde» para encenar uma história erótica com a namorada, não lhe desagradaria vê-la, à pila desse tipo, deve ter puxado por ela um bom bocado enquanto escrevia esta história no computador, gostaria de vê-la a entrar na tua cona, aqueles dois certamente não se aborrecem, mas o momento é agora, os dedos no clítoris, retesa os lábios para abri-los, de forma a que se vejam no espelho por cima do lavatório, digamos que neste momento faça como tu, com a ponta dos dedos, indicador e médio, que esfregam sempre mais forte, gostaria de com a outra mão cingir o mamilo mas tem de segurar-se para não cair, olha-se no rosto, é raro ver-se quando se está a vir, tem vontade de gritar, de gritar depressa, ela sabe que está alguém atrás da porta, sabe que respira cada vez mais alto, que faz barulho e que esse alguém a está a ouvir, está já muito próximo, quer gritar, quer dizer sim, e não serei eu a alterar a cena que acaba com um sim disse sim quero sim, embora para dizer a verdade seja mesmo disso que se trata, tem vontade de gritar sim, impede-se de gritar sim no momento em que se vem, mas tu ouviste-a, tu estás atrás da porta, e também tu dizes sim - sim - estão quase em Surgères, e agora és tu: chegou a tua vez.
Rui



<< Home


--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Arquivo

julho 2004   agosto 2004   setembro 2004   outubro 2004   novembro 2004   dezembro 2004   janeiro 2005   fevereiro 2005   março 2005   abril 2005   maio 2005   setembro 2005   outubro 2005   novembro 2005   dezembro 2005   janeiro 2006   fevereiro 2006   março 2006   abril 2006   maio 2006   junho 2006   julho 2006   agosto 2006   setembro 2006   outubro 2006   novembro 2006   dezembro 2006   janeiro 2007   fevereiro 2007   março 2007  

Outros Blogues

Abrupto
Alice Geirinhas
Álvaro Cunhal (Biografia)
AspirinaB
Babugem
Blasfémia (A)
Bombyx-Mori
Casmurro
Os Canhões de Navarone
Diogo Freitas da Costa
Da Literatura
Espectro (O)
Espuma dos Dias (A)
Estado Civil
Fuga para a Vitória
Garedelest
Homem-a-Dias
Estudos Sobre o Comunismo
Glória Fácil...
Memória Inventada (A)
Meu Inferno Privado
Morel, A Invenção de
Não Sei Brincar
Origem das Espécies
Portugal dos Pequeninos
Periférica
Prazeres Minúsculos
Quarta República
Rui Tavares
Saudades de Antero
Vidro Duplo











Powered by Blogger

This page is powered by Blogger. Isn't yours?