ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

terça-feira, setembro 07, 2004

 

Vamos jogar a uma coisa (VI)

Foi bom?
Pensaste nas minhas mãos sobre o teu seio? Eu não consegui pensar noutra coisa. Para ser mais rigoroso, não nas minhas mãos sobre o teu seio, mas nas minhas mãos perto do teu seio. Sabes: a palma que o cobre e lhe adivinha a curva, um quarto de milímetro mais perto e roçá-lo-ia, mas o facto é que não o faz. Roçar significa «tocar ao de leve», só que eu não te toco, aproximo-me tanto quanto é possível sem tocar, o jogo consiste precisamente em evitar o toque mantendo a distância constante, o que implica minúsculos recuos da palma em resposta ao seio que avança impelido pela excitação, ou simplesmente ofegante da respiração. Quando digo em resposta, falo de uma coisa mais subtil, pois não se trata de responder, seria já demasiado tarde, como nas artes marciais, onde o objectivo não é devolver o golpe, mas evitá-lo. Trata-se de antecipar, logo deixar-se guiar pelo calor corpóreo, a intuição, a respiração, com algum treino consegue-se que o bico da mama e a palma da mão funcionem como dois contadores Geiger, e tu e eu estamos bem treinados. Quem toca, perde. Por outro lado, é um exercício que se pode praticar com qualquer parte do corpo, palma e dedos – claro – lábios e língua, seio, clítoris, glande e ânus permitem as combinações mais diversas, combinações que em poucos minutos produzem gritos de enlouquecer os vizinhos – mas sufocar os gritos também não é nada mau –, seria um erro limitarmo-nos às zonas mucosas e erécteis classicamente erógenas trascurando variações do género couro cabeludo – curva da perna, queixo – planta do pé, anca – axila, eu pessoalmente sou um apaixonado por axilas e pelas tuas em particular das quais, com efeito, desejava falar-te.
Isto faz-te sorrir, porque sabes que é uma coisa que me deixa louco, enquanto que a ti, não tendo nada contra, não te faz tocar o céu com os dedos. O meu entusiasmo enternece-te mais do que te excita. Por essa razão, sorris. Ao escrever estas palavras, dois meses antes de as leres – assumindo que as leias, que tudo corra como previsto -, procuro imaginá-lo, aquele sorriso, o sorriso da mulher que lê, só, num comboio, uma carta porno que lhe é dirigida mas que ao mesmo tempo é lida por milhares de outras mulheres, as quais, suponho, pensam de si para si que tens muita sorte. É uma situação um pouco estranha, há que admiti-lo, e deve provocar um sorriso outro tanto estranho, e para mim provocar um sorriso assim representa um objectivo literário exaltante. Agrada-me que a literatura seja eficaz, em ideal gostaria que fosse performativa, no sentido em que os linguistas definem um enunciado performativo, cujo exemplo mais clássico é a frase «declaro guerra»: no próprio momento em que é pronunciada, a guerra é de facto declarada. Poder-se-ia defender que entre todos os géneros literários a pornografia é aquele que mais se aproxima de um ideal semelhante, ler «estás molhada» faz-te molhar. Era apenas um exemplo, não disse «estás molhada», logo não estás ainda molhada, ou se o estás não se faz caso, pois todas as tuas energias mentais estão empenhadas em desviar a atenção das cuecas. Há uma história assim de que gosto muito, a história de alguém a quem um mágico promete realizar todos os desejos, com apenas uma condição: que durante cinco minutos consiga não pensar num elefante cor-de-rosa. Se não lho tivesse dito jamais disso se teria lembrado, é óbvio, mas agora que lho sugeriu – e proibiu – como poderá pensar noutra coisa qualquer? Eu, contudo, procuro ajudar-te, pensemos agora numa outra coisa, dediquemo-nos às tuas axilas, ou por outra: vamos fazer uma coisa diferente. Rui




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