20 de Julho 2002.
Compraste o «Le Monde» no quiosque da estação, antes de subir para o comboio. É hoje que sai o meu conto, recordei-to hoje de manhã ao telefone, acrescentando que seria uma óptima leitura para a viagem. Respondeste-me que três horas te pareciam um pouco demais para um conto, que levarias um livro também. Para que não desconfiasses, admiti que sim, com efeito, que era uma boa ideia, mas agora aposto o que quiseres que não o abrirás, qualquer que ele seja.
Sentaste-te no teu lugar, olhaste para as outras pessoas que se acomodavam. Alguém se terá sentado a teu lado: homem ou mulher, jovem ou velho, mais ou menos agradável, não faço a mínima ideia. Esperaste que o comboio partisse para abrir o jornal, daquela maneira que se faz quando se tem tempo. As paredes que ladeiam a linha todas todas escritas; a viragem em direcção a Sul; a saída de Paris. Folheaste a primeira página, a última, onde está escrita qualquer coisa sobre mim, pegaste depois no suplemento, abriste-o, arrancaste-o, voltaste a pegar-lhe; espero que não tenhas relanceado nenhuma frase ao acaso. Começas a ler agora.
Impressão estranha, não?
O mais estranho de tudo é não saberes nada desta história. Estávamos juntos na praia quando a escrevi, mas não ta quis mostrar. Disse-te apenas, em tom evasivo, que era mais ou menos ficção científica. À primeira vista, de facto, poderá fazer lembrar aquele romance de Michel Butor,
La Modification, que se passa num comboio e é escrito na segunda pessoa. Imagino que alguns leitores chegados a este ponto o tenham já pensado. Mas tu não, tu estás demasiado surpreendida para pensar no Michel Butor. Começas a perceber que, com a desculpa do conto, te escrevi uma carta, e que 600.000 pessoas (é esta a tiragem do «Le Monde») estão convidadas a lê-la mesmo por detrás das tuas costas. Estás emocionada, talvez até um pouco desconfortável. Perguntas-te onde é que eu quero chegar com isto.
Rui