O que Michael Moore nos dá com "Fahrenheit 9/11" é, sobretudo, uma lição acerca de manipulação.
Quando estamos certos, de modo quase inconsciente, de que vivemos na era da informação e que nada pode ser escondido do nosso olhar omnipotente, o risco do engano é muito maior, a possibilidade da ilusão multiplica-se, os homens do espectáculo ficam com tudo a seu favor. A nossa é, afinal, a sociedade da propaganda.
Como bem escreve João Lopes, "o olhar sobre o mundo é sempre uma perspectiva sobre o mundo". Isto é, não é o mundo em si mesmo.
Moore, em primeira instância, exibe a manipulação daquilo que vemos e sabemos, do 11 de Setembro à Guerra do Iraque, arquitectada pela administração Bush. Em segunda, manipula ele próprio aquilo que quer que seja lido por nós no seu documentário. E aí é também um propagandista, demagógico, um ilusionista.
Como não gostar dele?
Se nos esquecermos de pensar, saímos da sala a rir mais do que com o "Shrek".
Alexandre
Para começar, faço já este trocadilho em título, antes que os jornais se lembrem dele, de cada vez que o homem me falhe um golo...
Depois, bem... O Benfica contratou um ponta-de-lança (Yaaaahhooo!!). Quem é ele? Karadas, norueguês, à beira dos 23 anos, um currículo impressionante: 13 golos, em 3 épocas, 60 jogos.
É impressão minha ou isto dá uma média de 4 golos por época?
Queres ver que o Trapattoni se enganou e trouxe mais um central?
Alexandre
Ao final da tarde de ontem, tinha deixado mais um emprego ou, antes, mais um lugar e um grupo de pessoas com quem trabalhei.
Nunca fiquei particularmente triste com situações como esta, pelo contrário: os meus amigos sabem e riem-se do meu encantamento pelos finais, dos livros, dos filmes, dos concertos, das coisas, dos projectos, das relações. Porque fim tudo tem, importa é que cheguem para que a coisa e se cumpra e, simultaneamente, se abra o espaço para que outra nasça.
No entanto, sempre achei que devia assinalar essas despedidas. Jantaradas, prendas e postais individuais, no máximo; grandes abraços e palavras de incentivo, no mínimo. Já o fiz milhares de vezes, porque, entre projectos amadores, universitários e profissionais, já perdi a conta aos lugares por onde passei e à quantidade de amigos feitos em cada um, reflectida, agora, no número perfeitamente absurdo de aniversários a que vou por mês (outra coisa em mim de que os meus amigos se riem à grande...).
Talvez por esse excesso, desta vez, não houve nada disso. Nem jantaradas nem abraços. A coisa foi simples e rápida. Higiénica. Tão pragmática como livrar a minha secretária do que ainda lá guardava e oferecê-la a quem mais gostasse daquele cantinho do escritório.
Em geral, acredito que vá acabar um velho fantástico, muito melhor pessoa do que aquela que sou hoje. Momentos como este fazem-me pensar o oposto: que terminarei como uma espécie de Robocop curvado e com rugas, frio como um pinguim e insensível como um ministro das finanças.
Alexandre
Conheci o Arão na cidade de Maputo vai fazer, julgo, cinco anos. O Arão Arnaldo Macie era na altura ajudante de motorista da camioneta que nos transportava e jogava ainda como avançado na equipa dos juniores do Costa do Sol. O Arão, confessou-me, gostaria de poder mostrar lá no bairro - a Matola - que tinha um amigo branco. No dia anterior à minha partida, pediu-me uma recordação qualquer “para fazer lembrança”. Mas não foi isso que mais me impressionou no seu comportamento. Tenho, não sei bem porquê, recordado este episódio - talvez seja da sua vaga parecença física com o reaparecido Mantorras. Um dia, o Arão trouxe-me uma foto da equipa dos séniores do Costa do Sol e apontou, triunfante, para um jogador. “Sou eu”, disse-me, suspendendo a brancura extrema do sorriso. Aproximei os olhos da foto para perceber se a minha impressão inicial tinha fundamento. E confirmei-o. Aquele que estava ali não era o Arão. Não era e não podia sê-lo. Era outro – e não tão parecido com ele como o próprio Arão desejaria. Zangado, desviei a foto e sugeri que me sentia triste com essa tentativa de me enganar. Mesmo assim, o Arão, o Arão Arnaldo Macie quis convencer-me do contrário. Pensou talvez que eu pudesse ajudá-lo na transferência para o Estrela da Amadora, clube por onde gostaria de alinhar. Ou - o mais provável - desejou que me sentisse orgulhoso pela sua honrosa chamada à equipa principal. Afinal éramos amigos - novíssimos cúmplices de comentários e risos. Se calhar, deveria ter deixado passar o episódio, em nome da sua pueril fantasia. E, hoje, ao olhar para esta outra foto, não resisto a perguntar: terá o Arão conseguido chegar a titular sénior do Costa do Sol? Nuno
No intervalo do Benfica-Bétis, reparei que a RTP estava a prestar um justo tributo à já longa carreira de Simone de Oliveira. O programa era apresentado pelo incontornável Júlio Isidro. Simone de Oliveira tem, desde logo, o grande mérito de ser das poucas pessoas neste país que não foram lançadas por Júlio Isidro. Só espero que não tenha sido a própria Simone quem o lançou. Seria, para mim, uma grande desilusão.
O que importa é que é Verão. Que há dias lindos. Tempo para ler, escrever, conversar, estar disponíveis para as paixões. É estar como estou, aqui, agora, num café de praia cibernético a olhar pessoas bronzeadas que não fazem a menor ideia do que eu esteja para aqui a escrever. E que algumas dessas pessoas se estejam a beijar, outras a correr, outras a fazer um esforço por esquecer os problemas de ontem, outras a dar os primeiros passos, outras ainda ao colo dos pais, também eles a dar os primeiros passos nessa categoria, de pais.
O que importa é saber que tudo se faz pela primeira vez e que nem tudo está aí para ser pensado.
E que o mundo corre, muito depois da política.
E que nós vivemos, muito para além daquilo que os outros pensem e digam sobre nós.
Ao cabo destas quase 4 breves semanas, temos esplanado mais sobre política do que imaginaríamos à partida. Tudo bem. A coisa pública também passa, como é evidente, diante de quem está sentado ao sol e, nestes dias quentes, tem, aliás, passado mais que qualquer outro transeunte. Só me entristece ter sabido que houve pessoas que deixaram de nos ler porque acharam que seríamos um blog de direita.
Em primeiro lugar, não somos. Entre nós, temos diferentes sensibilidades políticas, umas bastante mais activas que outras, e não costumamos andar à pancadaria por causa disso.
Em segundo, mesmo que fôssemos, não me parece que esse fosse motivo para alguém, quem quer que fosse, fechar, pura e simplesmente, os olhos para não nos ver.
Em terceiro, como muito bem diz o Nuno, por que carga de água é que tudo há-de cair debaixo da política? Quem inventou e propagou que todas as acções são passíveis de ser descritas como sendo de esquerda ou de direita?
Terceiro mandamento da Lei de Borges: nem tudo é política. E nem tudo o que é política é, sequer, necessariamente de esquerda ou de direita. Cada vez menos. Há que recuar à simplicidade de pensamento que percebe isto.
Hoje passei ao café do senhor António para comprar uma garrafa de água. Ao contrário do que é costume, os clientes não estavam a jogar às cartas nem a falar do Benfica. Estavam em silêncio - a ouvir atentamente uma intervenção do deputado Vieira da Silva sobre política social.
Filipe
Como o calor não nos deixa dormir, deixei-me ficar, ontem, a ver a Convenção Democrata norte-americana, em directo, madrugada fora, na CNN, Sky News e BBC World. A Euronews, como sempre, optou por se ficar pela sua transmissão em loop da única hora de emissão que editam por dia e a SIC Notícias, preferiu repetir, ad aeternum, uns "Best Of" destinos de férias e outros magazines semelhantes.
Voltando à vaca fria. Os congressos do PSD ainda têm muito a aprender. E até Santana coraria de vergonha perante a eloquência de Bill Clinton. Um discurso de 25 minutos mais empolgante que qualquer épico produzido pela indústria cinematográfica. Falou, gritou, emocionou-se, fez rir. Devia ter uns cinco ou seis telepontos espalhados pela sala, mas parecia mesmo falar de cor. Teve momentos inspiradíssimos e outros demagógicos, mas os primeiros bateram, claramente, os segundos.
E, no final, uma lição para todos aqueles que vejam e actuem politicamente como em Portugal se actua, onde tudo o que os outros fazem está mal: "Now, you have to choose between two strong man who both love their country. They just do it in different ways. We've had twelve years of their way, eight years of ours, four years of theirs. I think our way works best."
No fim, a sala ia vindo abaixo. Acenou e saiu. E, para acabar, irrompeu Patti Labelle, cantando, com todo o corpo, qualquer coisa como "Change Will Come".
Até podemos preferir o cinema que se faz na Europa, mas, em matéria de como fazer política, ainda temos muito a aprender com os americanos.
Alexandre
Muito se escreveu e disse sobre o encerramento do S. Jorge... Críticas daqui e dali, choros, discursos nostálgicos, panfletos sobre ser aquele o melhor cinema de Lisboa e por aí adiante. Até aqui, tudo bem. O problema é que, uma vez reaberto, lá fui eu, certo de que me depararia com essa multidão de amantes do sítio... Resultado? Bom, haverá jogos do Desportivo de Mafamude com mais espectadores. Não uma vez nem duas, mas dez, quinze, vinte, aquelas que já lá fui entretanto. Vi filmes com mais um espectador, outros com mais oito ou nove.
Por mim, tanto melhor. Gosto pouco do marulhar das plateias e persigo o sonho de ter uma projecção só para mim. Mas estas contradições chateiam.
Adiante. A semana passada voltei à sala grande para ver uma dessas pequenas pérolas que podem muito bem passar despercebidas a uma quantidade de gente e, como o filme deve estar a sair de cartaz dentro de dois dias, pareceu-me bem alertar agora, enquanto ainda posso ser útil a alguém.
Chama-se "A Minha Vida Sem Mim", é realizado por Isabel Coixet e produzido pela El Deseo, de Pedro Almodóvar. Não tem grandes vedetas, mas tem esse espantoso Mark Ruffalo, secundário num elenco que não o envergonha. E tem também Maria de Medeiros, numa cabeleireira de fora deste mundo, fanática adepta de Milli Vanilli (se estiver mal escrito, até fico orgulhoso...).
No essencial, é a história de uma jovem de 23 anos que, ao descobrir ter apenas mais 2 a 3 meses de vida, projecta e persegue o que tem a fazer antes da morte. Da sua lista, constam, por um lado, dormir com outros homens, dado que não conheceu outro que não o marido e, por outro, por amar esse marido e as filhas, encontrar-lhe uma boa mulher e uma boa mãe. É território perigoso, portanto, passível de descambar em choradeira ou ridículo, mas segura-se muitíssimo bem. Com sentido de humor, inteligência e, sobretudo, muita delicadeza. Tudo aglutinado no modo frágil e belo como a protagonista canta o eterno "God Only Knows".
A generalidade da crítica desancou-o. Mas também foi grande parte da crítica que berrou cobras e lagartos pelo encerramento do S. Jorge. E também foi a crítica aquela franja que Dustin Hoffman tão bem tratou numa magnífica entrevista a Júlio Isidro (Sim, ao Júlio Isidro. Porquê?), mais ou menos assim: "Se a minha filha chegasse a casa e dissesse: 'Pai, sou lésbica.' Eu dizia: 'Tudo bem. Vamos conversar sobre isso.' Se o meu filho se abeirasse de mim e dissesse: 'Pai, sou homossexual e quero ir viver com o meu namorado.' Eu responderia: 'Ok. Se é isso que tu desejas...' Agora, se algum dos meus filhos chegasse a casa e me dissesse: 'Pai, eu quero ser crítico.' Aí é que eu responderia: 'Nããããooooo!!!! Por acaso, perdeste a cabeça, foi? Vai já pr'ó teu quarto!!"
Alexandre
O relatório da comissão incumbida de investigar os atentados do 11 de Setembro alega que estes foram bem sucedidos devido "à falta de imaginação das autoridades americanas". Depois das hilariantes invenções à volta da existência de armas de destruição maciça, isso surpreende o comum dos mortais. Mas olhemos o futuro: espera-se que os serviços secretos americanos deixem de ser compostos por metódicos e obsessivos funcionários e passem, pois, a ser dominados por experientes criativos, dados ao desvario do brainstorm. Imaginemos o tipo de conversas nas futuras reuniões do FBI: "-Tenho para mim que é por aí que eles agora vão atacar: é preciso ter muito cuidado com os tupperwares - Não, não, desculpa: os tipos da EMEL é que nunca me enganaram". Nuno
Alguns colaboradores d' O Inimigo Público parecem, verdadeiramente, entusiasmados com A Capital e com Luís Osório. Desde que Luís se tornou director do jornal, que, semana a semana, um ou outro "inimigo" gosta de deixar a sua farpa. Ontem, eram, nem mais nem menos, quatro os textos que apontavam para esse alvo.
Será falta de imaginação? Birra? Um recalcamento qualquer? Não. A Capital constituirá, decerto, um imenso filão de graças que o comum mortal ainda não conseguiu descortinar, mas que é acessível e nítido aos mais afoitos criativos.
De outro modo, até poderia parecer estranho. Afinal, com tantos jornais de muito maior expressão, porquê dedicar tantas páginas a este?
Que bom que é o humor inteligente.
Alexandre
Sendo a necrologia uma das paixões preferidas da blogosfera e não sabendo eu, ainda, como lhe escapar, este Julho de 2004 parece decidido a não nos dar descanso e, pior que isso, a pedir, incessantemente, mais praças para as estátuas que aí vem.
Nada mais saberei acrescentar ao que se disse já sobre Sophia de Mello Breyner e Carlos Paredes. Gosto apenas de recordar que a última prenda que me deram, sem nenhuma razão especial, foram as ilhas da primeira, um mês antes da sua morte, talvez nem tanto. E que uma antologia do segundo tocara ainda a manhã de ontem no meu quarto, com o fim inglório de me despertar.
E não gosto de perceber que, num piscar de olhos cósmico, nos despedimos, talvez, dos dois maiores artistas portugueses do nosso tempo, com quem, além da arte, aprendemos, pelo menos, duas coisas fundamentais sobre a vida: com Sophia, a beleza; com Paredes, a humildade.
E congratulo-me, no entanto, com saber que, um dia, passearei os meus filhos pela mão, descendo a Avenida de Sophia, até nos sentarmos à sombra, na Praça Carlos Paredes. E que, então, poderei explicar-lhes os seus nomes e as suas obras e dizer-lhes que os vi viver, escrever e compor. Poderei talvez, ainda, sugerir a quem de direito uma rua sem tracejados, riscos contínuos ou passadeiras, mas poemas brancos inscritos no asfalto e uma praça sem pedestal nem estátua, mas perpassada, dia e noite, por música.
Alexandre
Ontem, na esplanada do costume, comuniquei aos meus amigos do esplanar que ia votar Manuel Alegre. Aqui ficam as reacções:
Alexandre: «Sendo tu um tipo da "ala direita do PS", o melhor ainda era votares no José Sócrates para secretário-geral e na moção escrita pelo Augusto Santos Silva.»
João Pedro: «O Filipe até está a ser coerente: lá no fundo, o Manuel Alegre também é um homem conservador.»
Nuno: «O Manuel Alegre diz que teve um encontro com a História, mas se o apoiares, acho que quem vai ter um encontro com a História és tu.»
(O Rui, o nosso «ala esquerda», está a esplanar em Bali.)
Filipe
Desde adolescente que tenho uma tendência estranha. (Calma, Mãe, não vou dizer nada que tu não queiras ouvir…) Amiúde, oiço temas musicais por que me apaixono e penso: "No dia em que fizer um filme, tenho de o acabar com esta música…" E logo imagino a sequência final, o último plano, em open-up interminável, a entrada dos créditos finais, o subir do volume do tema em causa.
Porque é que confessar isto é embaraçoso? Porque nunca fiz qualquer filme. E as possibilidades de o vir, ainda, a fazer não pairam, assim, tão próximas daqui. Escrevi duas curtas-metragens, uma para uma produtora que faliu antes de a realizarmos e outra para o ICAM correr com o mesmo comentário crítico das outras 300 não subsidiadas.
Mesmo assim, sendo apenas texto, esses dois guiões estavam já pejados de referências a canções. Deliro de tal maneira com as bandas sonoras que gostava que as nossas próprias vidas tivessem uma, como se uma das secções do cérebro estivesse reservada para a mesa de um superego DJ.
Ontem, recordei uma dessas faixas-perfeitas-para-finalizar-filmes, "Life In A Glasshouse", o último tema de "Amnesiac", Radiohead. E, indo para casa de táxi, sintonizado no RCP, apercebi-me de outra, mais inesperada: "Cavalo À Solta", Fernando Tordo a cantar Ary dos Santos, embora a recente versão da Mafalda Arnaut seja ainda mais interessante.
Imaginem lá: as casas, as praças, os anúncios, as pessoas a passar pela janela, alguém que parte, o protagonista abandonado na plataforma da estação. E vai-se ouvindo, baixinho, em crescendo: "minha laranja amarga e doce, meu poema (…) minha coragem de correr contra a ternura…"
Alexandre
No meio de uma conversa com uma amiga, não resisti a uma tirada politicamente correcta: "Quanto mais conheço os partidos, mais acho que a quota das mulheres devia subir para os 60 por cento. São mais solidárias, mais leais..." A resposta foi esclarecedora: "Isso é porque os líderes são homens." Filipe
Eu chorei a ver o “Titanic”. Minto: eu chorei a seguir a ver o “Titanic”. Não, não fiquei tocado pela relação do trágico casalinho. Chorei depois de assistir ao filme por causa daquela cena em que o barco está na vertical e prepara-se, como uma esfomeada baleia, para descer ao fundo dos mares. Imaginar o sofrimento daquela gente toda entristeceu-me. Talvez seja por isso que me emocionei ao ler a pré-publicação que o “Público” fez anteontem de “O Futuro da Liberdade”, de Fareed Zakaria, editor internacional da “Newsweek”. Sobretudo a parte final, em que este lembra que, na altura em que o Titanic começava a desaparecer, os homens – por acaso, os mais poderosos do mundo - deram prioridade às mulheres e crianças no salvamento. Isso, repito, comove-me. E nem preciso de ouvir a Céline Dion. Nuno
Compreendo agora, ao fim de tantos anos, que sempre preferi as notícias finais dos telejornais ao seu corpo principal. Depois de uma hora de nacional e internacional, sociedade e política, que passo, quase invariavelmente, sem grande atenção, enquanto escrevo ou leio, apenas deitando, ali e ali, uma espreitadela ao televisor, fixo sempre a minha atenção quando chegam os dez minutos finais de cultura e desporto, crónicas curiosas ou histórias humanistas que os editores de informação saídos todos, aparentemente, da mesma escola, parecem achar bons fechos de noticiário.
Do mesmo modo, e seguindo uma lógica pueril de guardar o melhor para o fim, começo sempre a leitura dos jornais pelo caderno principal e guardo, qual sobremesa, os suplementos de fait-divers para corolário.
Terei um problema? Haverá uma espécie de consultório sentimental da Maria, noutra publicação qualquer, para responder a perguntas absurdas como esta? Será que não sei proporcionar o que é essencial e o que é mero acidente ou acessório? Fará sentido iniciar uma petição por jornais e telejornais dedicados, 100%, ao que é, à partida, inútil e passageiro?
Aguardo respostas a fim de iniciar as reuniões dos Fúteis Anónimos.
Alexandre
Não me costumo rir daquilo que os meus amigos dizem ou escrevem sem qualquer piada. Por isso, sinto-me à vontade para dizer que a crónica que o meu amigo Luís Filipe Borges tem enviado, todos os dias, para a Capital é um exercício muito bem conseguido de humor corajoso e contundente. Um exercício que - tenho-o observado - vai, em cada dia, ganhando a admiração de alguns dos seus pares mais exigentes. Em cada linha, uma piada. É esse o difícil objectivo a que o Luís se propôs e que tem alcançado com rasgo e eficácia. Nada de leves ironias ou de graças a meio. Piadas. Puras e duras. Sobre tudo e sobre todos. No estilo seco que melhor convém à sátira. Nuno
Com toda a honestidade, nunca consegui ter uma opinião formada acerca do conflito israelo-árabe. Não me inclino para um lado nem para o outro. Perdoe-me quem seja, obviamente, pró-Palestina ou, obviamente, pró-Israel, mas não gosto de nenhuma das frentes. Entre pobres e ricos, vítimas e injustiçados da História, terroristas e ditadores, venha o diabo e escolha.
Mas se um dos lados colocar a família no poder é um gesto a que estamos, infelizmente, muitíssimo habituados, já o outro edificar um muro de 600km não. Manda-nos para trás quase um século. Torna anos de acordos, alianças e tratados ridículos. Mostra, enfim, como a História talvez tenha atingido o seu cume a 10 de Setembro de 2001 e, agora, vá andar para trás, até ao tempo em que era normal sacrificar vidas aos deuses.
Hegel dá voltas na campa, mas os argumentistas e realizadores já podem ir pensando em novos enredos sobre famílias separadas, heróicos pintores de muralhas, manifestantes abatidos pelos sentinelas. E Wolfgang Becker numa sequela para o seu belíssimo primeiro filme. "Olá, Lenine!"
Alexandre
The world as we know it - agora sim - obrigado. No outro dia, afinal, a culpa não era do Blogger - não conseguia fazer o link porque me esquecia dos hífens do endereço... E obrigado também, Gold, pelos posts acerca das minhas invenções semânticas e o elogio aos cafés.
Subscrevo.
Alexandre
A China habituou-nos ao pior. Desde aquele imperador que mandou queimar tudo quanto tinha sido antes escrito, para que não houvesse prova histórica de qualquer chefe anterior a ele, até Mao, à revolução cultural, quinze milhões de agricultores e familiares mortos à fome e meninas virgens levadas ao leito do idiota, para a preservação da raça.
Nunca compreendi, de resto, como alguns se podem dizer tranquilamente, maoistas e não ser, de pronto, apedrejados, dado que o lugar de Mao Tse Tung é ao lado de todos os outros grandes cobardes do Século XX, Hitler e Estaline à cabeça.
Mas o inferno na terra não terminou com a morte de Mao. O Tibete permaneceu anexado, meninas continuaram a ser mortas para que a população não aumentasse mais, Tiananmen entrou pelos televisores do mundo inteiro.
Em todo o mundo, incluindo Portugal, os líderes chineses continuaram a ser recebidos com honrarias e cortesias. João Soares até ofereceu a chave da cidade de Lisboa a Jiang Zemin.
Hoje, que notícias insistem em chegar do país do sol nascente? Que por causa de uma barragem mastodôntica se expropriou um milhão de habitantes e que Jiang Yanyong, o médico responsável pela denúncia do massacre de estudantes, bem como do encobrimento governamental da pneumonia atípica, está, actualmente, a sofrer um tratamento de reeducação forçado que lhe mude a forma como pensa.
Será assim tão difícil ter vergonha na cara?
Alexandre
Isto de sentar ao teclado e escrever duas linhas simpáticas a dar as boas-vindas a mais um blog só na aparência é uma coisa de somenos. Temos sido muito bem tratados nestes poucos dias de esplanada. Queremos agradecer-vos isso.
Por isso, obrigado ao albergue dos danados , ao crítico musical , ao projecto , ao : ilhas , à vida dos meus dias , ao portugalidades , ao bolas de berlim , ao não m’acredito , ao duque das quinas e aos putos .
Como este post vem assinado, não posso deixar de agradecer, em particular, as sugestões tauromáquicas do JV e do FA, bem como o "fair play" do Eduardo. São "bloggers" de direita e às direitas.
A eles, e a todos os outros que nos «lincaram», continuem sempre a mandar vir. Filipe
No Terminal 3 de Heathrow deixa-se de fumar de um momento para o outro. Basta ir à «smoking area». Não consegui acabar o cigarro. Ali, simplesmente não existe diferença entre fumar o cigarro e não fazê-lo e só respirar. Esqueçamos o cancro, a pele, até a impotência. Largar o tabaco custa apenas 300 euros: o preço de uma ida e volta a Heathrow. Rui
Em Heathrow, o corredor que leva os passageiros para as ligações intercontinentais tem um decoração curiosa. Na parede, pode ver-se uma mistura de posters alusivos a locais luxuriantes, com palmeiras, templos e gentes exóticas e de posters que dizem «50% off in vodka or any liquor». Rui
Durante a campanha eleitoral para as legislativas, Margarida Sousa Uva foi buscar um poema de “No Reino da Dinamarca”, de O’Neill, para nos convencer a seguir o marido - “Sigamos o Cherne!”. É, pois, legítimo que o país esteja agora à espera que Sousa Uva suba a um palanque para declamar “Um Adeus Português”. Nuno
Para fazer justiça ao nome e carácter deste blog, concordámos, aqui e ali, fazer a crítica às esplanadas por onde passamos. Começo, hoje, essa rubrica, não por um sentido de dever, mas pelo puro impulso de descrever o gozo de um desses lugares pacíficos: a esplanada da Cinemateca.
Estava eu sentadinho, tranquilamente, a ler os jornais do dia num café da João XXI, quando irrompeu uma horda de adolescentes que me parecia anunciar o fim do mundo: pediam, em média, um café e três copos de água por cada dez cabeças, gritavam o refrão de um tema dos Black Eye Peas que passava no televisor do sítio, discutiam roupas, contavam os trocos para o combustível da scooter, gozavam uma suposta amiga que lhes ligara dizendo que não apareceria, porque tinha sido convidada para fazer um desfile.
Resisti até ao limite, mas tive de abandonar o lugar antes que acontecesse o genocídio. E fui, rua fora, tentando perceber por que carga de água ainda guardo boas recordações da minha própria adolescência.
E lembrei-me da Cinemateca, do café, da esplanada: sossegada, ainda meio-desconhecida, fresquinha. E flutuei para lá, debaixo do calor de Lisboa, muito snob, armado em adulto e culto.
Perfeito. Só lá estão mais duas pessoas. A Judy Garland canta "Somewhere Over The Rainbow". Uma tela é instalada, em delicioso silêncio, ao ar livre. A tarde não está arruinada.
É tão bom ser grande!
Alexandre
Não é só o Ruy Belo a frequentar esta esplanada. Fernando Assis Pacheco também costuma aparecer para tomar um copo connosco.
«(...)Como se não bastasse a complicação
de um solitário que se diz fraterno,
quero lembrar que sou pelo amor,
suas virtudes e armas
contra a melancolia. (...)»
Muitas vezes, quando olho para o passado e o futuro do meu trabalho, das opções que tomo do interminável leque que se abre, a cada dia no mundo, tenho dúvidas sobre se tenho sido coerente, honesto para comigo próprio, se tenho percebido qual é o melhor caminho em direcção ao sucesso e à paz de espírito (dicotomia, diz-se, difícil).
Olho para Rui Esteves (que referência fabulosa!) e lembro-me de que, quando era um jovem jogador do modesto Torrense, o Sporting o quis contratar. O médio recusou. Porquê? Porque era benfiquista e não quis trair a si próprio. Um dia, anos mais tarde, depois de uns anitos no Vitória de Setúbal, o Benfica chamou-o.
A seguir, olho de novo e penso em Brad Pitt. Começou a trabalhar passeando pelas ruas vestido de frango, promovendo um restaurante especialista na cozinha desse bicho. Chegou onde sabemos que chegou (ele é um pouco mais conhecido que o Rui Esteves...).
Ambos estão certos. Ambos estão comoventemente certos.
Qual é a solução, então?
(Atenção... se não estiverem a ouvir um rufar de tambores é porque a vossa placa de som não presta... Este é o segundo mandamento da Lei de Borges!)
Só existem dois caminhos para uma vida com sentido: ou nos prostituimos ou nos apaixonamos. Isto é, ou fazemos coisas infieis à nossa verdade, mas pelas quais nos pagam, preferencialmente bem, o que nos permitirá comprar o tempo para essa verdade. Ou nos apaixonamos pelo que fazemos, com quem fazemos e, eventualmente pobres, encontramos o deleite de termos sabido respeitar a nossa essência.
Alexandre
Quando pensávamos nomes para dar às secções, lembrámo-nos deste para utilizar sempre que desejássemos agradecer a alguém. É uma brincadeira que (perdoe-me a simpática leitora a quem acabei de prometer, via mail, que aqui não se utilizariam palavrões ao serviço do humor) os nossos amigos compreenderão e que, como é evidente, não invalida, de todo, a sinceridade com que lhes agradecemos a hospitalidade.
Assim, muito obrigado ao adufe e à natureza do mal pelos links e posts. E ao the world as we know it, para o qual, sabe Deus porquê, não me estão a permitir hiperligar. Michael Stipe, isto não é nada contigo...
Alexandre
“Desculpa, hoje não posso reunir. Tenho de acabar um guião”. “O Vitorino deve ter achado que não estava à altura do cargo”. “Estamos aqui na esplanada. Vem cá ter”. “Já leste o Público de hoje?”. Percebi recentemente que não preciso de ter um desses telemóveis com imagem. Leio as mensagens que enviei e recebi nos últimos dias (não, não são essas que estão aqui em cima; quero poupar-vos aos pormenores de uma vida tão fascinante) e percebo que não há melhor forma de assistir a uma curta-metragem sobre os meus dias. Nuno
O Sampaio é panhonha. O Santana Lopes é demagogo. O Sócrates é populista. O Vitorino é cobarde. O Durão é carreirista. A Ana Gomes é histérica. Queremos ser amados e compreendidos na nossa complexidade, mas continuamos a resolver os outros com o adjectivo que está mais à mão. Nuno
Um verbo de novo em moda, como lembrou o Rui. A seguir ao 25 de Abril, a direita emigrou para o Rio e para Madrid. Agora, com o santanismo no poder, chegou a vez da esquerda fazer o mesmo. Consta que o Ivan (parabéns atrasados) já está a caminho do Brasil. Eu próprio, daqui a umas semanas, conto estar em Espanha. Tenho de perguntar a estes rapazes quais são os melhores sítios para ficar. Filipe
O Hollywood passou ontem um filme sobre a vida de Howard Stern. No início dos anos ’80, Stern mudou-se para Nova Iorque e começou a afinar o formato do programa de rádio que hoje todos conhecemos, e que passou com afectado escândalo na SIC Radical. Aquilo deu uma bronca enorme com a NBC e com o seu produtor. Odiavam-se. O produtor andava sempre às turras com Stern e este fazia-lhe a vida negra. Só para o chatear, Stern discutia a suposta disfunção eréctil do produtor com a mulher deste, ao telefone, e «no ar». O programa tornou-se o «street buzz» do momento. Um dia, o produtor vem com os resultados das audiências. Stern tinha subido uns pontos e estava a caminho de ser o maior dj da cidade. O patrão da NBC esperava.
Produtor: Estão aqui as audiências...er...é incrível. O filha da mãe do Stern subiu dois pontos num mês.
- Qual o tempo médio de audição?
Produtor: Os que gostam do Stern (os Stern lovers), ouvem-no durante uma hora e vinte. Uma hora e vinte. O tempo médio de audição dos outros é de 18 minutos. Nunca tinha visto uma coisa destas.
- E qual a razão?
Produtor: A resposta que dão é «quero saber o que vai dizer a seguir».
- Está bem. Mas e os que o detestam (os haters)?
Produtor: Duas horas e meia.
- E a razão é...
Produtor: Querem saber o que vai dizer a seguir.
Moral da história. Sedução é estar suspenso de. Pouco importa se por afeição, se por desafeição. Não são duas coisas que de facto se oponham. Juntas, são cara e coroa – e talvez até mais coroa. Como se sabe, os rabugentos são os grandes sedutores deste mundo. Rui
No dia 12 de Junho, a poucas horas do jogo inaugural do Euro, fui ao supermercado abastecer-me, convenientemente, de mantimentos para a temporada que arrancaria. Só o essencial à vida humana: alguns six-packs, bolachas, aperitivos, café, cereais, leite e iogurtes. Estes, reparei ao colocá-los na caixa, tinham prazo de validade precisamente até 4 de Julho, o dia da final - achei, desde logo, uma coincidência magnífica - quem resistiria mais: os iogurtes ou a selecção? O Rui Costa ou os pedaços de morango?
Dois dias antes do derradeiro Portugal - Grécia, os últimos iogurtes tinham deixado entrar ar e já estavam estragados. Por uma vez, perdia uma aposta, feita, de modo sinistro, para mim próprio. E ficava feliz com isso.
No dia da final, tive de fazer o pequeno-almoço com outra coisa qualquer, mas lembrei-me como é vantajoso para quem escreve que os azares da vida sejam sempre óptimo material literário.
Alexandre
Estou a fazer, pela primeira vez, a experiência de bloggar a partir de um cybercafé. Estava convencido de que era o único blogger mundial que não tinha net em casa. Nem isso. Quando teclo o primeiro "a" do meu username, logo surge uma série de gente cujos nomes também começam por "a" e que aqui terá estado, talvez mesmo há pouco, a alimentar os seus blogs.*
E anda uma pessoa convencida de que é especial...
Alexandre
PS: Gosto desta imagem: "alimentar o blog". Faz lembrar a época dos tamagoshy, mas, às vezes, com menos esperança de vida...
Mais uma vez, as capas do Inimigo Público confundiram-se com a realidade: «Sampaio nunca esteve indeciso – mudou foi de opinião todos os dias.» Com intenções de esquecer isto, decidi passar hoje pela Cinemateca para ver um filme do Woody Allen que os meus amigos cinéfilos há muito me andavam a recomendar: o Zelig. Confesso que o meu estado de espírito não melhorou. "Zelig" é a cómica tragédia de um homem que muda de personalidade de acordo com o interlocutor do momento. Filipe
A propósito da posição do engenheiro Guterres sobre o aborto, Victor Cunha Rego questionava-se sobre se pode um católico ser líder do Partido Socialista. Hoje acho que se impõe uma pergunta mais básica: pode um homem que usa uma pulseira da Senhora do Bonfim tomar posse como Primeiro-Ministro? Filipe
Sempre que tenho que fazer a mala – como hoje – para ir de viagem é um problema. Não é raro preparar uma mala e dois sacos de viagem para uma simples semana num lado qualquer. É uma maneira como outras - das melhores, convenhamos - de divertir os amigos. Cometo disparates que ficaram famosos e que ainda hoje servem de tema de conversa. E daquela vez que o gajo levou isto e aquilo e mais um saco e uma mochila para um fim-de-tarde. Risota. Faço mal a mala como nunca fiz bem uma ficha de leitura e o problema é o mesmo: acho tudo importante e nada deve ficar de fora. As fichas acabam por ficar do tamanho do original. As malas, infelizmente, ficam muito mais pesadas que o original. É um problema de poder de síntese e de bom senso. «E se fizer fresquinho à noite?», penso eu a meio de Agosto.
No fundo, faço a mala como uma rapariga: levo o estritamente necessário para poder, depois, com calma e liberdade, escolher. Há excepções importantes: um rapaz usa só um cinto, sempre o mesmo até esgaçar. Quando isso acontece, compra outro. Rui
À noite, no Verão, gosto de me deitar com a janela aberta e ficar a ouvir os sons da cidade. Carros que passam. Uma sirene. O carro do lixo. Travestis que falam entre si enquanto atravessam a rua em direcção ao Conde Redondo. Travestis nada almodovarianos – igualmente tristes, mas sem a tristeza raivosa e épica dos travestis de Almodovar. Travestis portugueses e brasileiros a ir para o emprego. Apenas isso. Sobre que falarão eles? Do amor, da morte (como nos filmes do cineasta espanhol) ou da ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia? Nuno
Começámos a escrever nesta morada alguns dias depois de um leque de acontecimentos tristes que importam, ainda, honrar, mesmo que já tenham sido percorridos um pouco por toda a parte. Um deles foi, logicamente, a morte de Marlon Brando.
Fui actor, ou ainda sou, pelo menos quanto à disponibilidade vitalícia para representar, se alguém ainda quiser cometer a loucura de me convidar para corromper um bom texto. E isso faz com que, a par do guião, esteja sempre mais atento ao trabalho dos actores do que a qualquer outro elemento de um filme ou de uma peça. Mas só me converti a Brando algo tarde.
Quando nasci e cresci, ele já se tinha eclipsado, mergulhando num véu que parece convir a todos as lendas, quando não conseguem deixar cedo o mundo. Foi, por isso, necessário descobri-lo como quem encontra um livro antigo ou entra numa loja nostálgica do vinyl.
Primeiro, "O Padrinho", depois "Apocalipse Now", "Há Lodo No Cais", "O Último Tango Em Paris". Nunca vira actor semelhante. Estranho, alien à nascença. Que demorava a conquistar, a perceber. Até que, ao fim de meia-hora de filme, a rendição era completa, como quem dá por si apaixonado pela miúda irritante do escritório com quem, até aí, se discutia aos berros, por tudo e por nada.
Brando surgia nos filmes sempre vindo do lado de fora, distante, muito, muito distante do registo de todo o elenco. E, lentamente, ao contrário de tudo o que se esperava, vencia todos, como um ciclista caído no princípio da etapa, que perseguia, apanhava e ultrapassava todo o pelotão e terminava a prova em primeiro, com quinze minutos de avanço e, sobretudo, aquele ar sereno de quem podia, se quisesse, fazer o tour inteiro num só dia.
Há dois anos, vi-o em "The Score", com os dois melhores actores das gerações seguintes, Robert De Niro e Edward Norton. Pouco se dava por ele. Não tinha tempo de arrebatar a película. Estava gordo e parecia ostentar, de modo patético, cirurgias plásticas que esconderam um rosto inesquecível.
Fiquei feliz por James Dean e Grace Kelly. Por todos os mitos partidos que escaparam ao tempo e à vaidade.
E decidi que Brando morrera em Paris ou no Vietname, ou sucumbira, afinal, aos ferimentos do espancamento no cais, pouco depois de terminarem os créditos finais do filme.
Quanto a mim, agora, só lhe descobriram o corpo.
Alexandre
o amor não somos nós que o temos
é-nos dado
muito antes de termos nascido
talvez verdadeiro autêntico
como o encontro do mar e da luz
depois muito depois
quando os teus braços os teus seios
chegaram até mim
já estavam perdidos
já não existiam
o meu rosto deformado atroz
já não te podia olhar
mas os meus olhos esses sim
ainda te viam como antes
como tu eras quando não existias
só os meus olhos
só os meus olhos
as mãos essas sem dedos
esfoladas esfaceladas
de tanto esperar
nunca te encontraram
e na grande planície do medo
ficavas tu que não existias
o meu corpo belo perdido
sem rosto muito pálido
partiu então
entre a nuvem e a sombra
maravilha de verdade
mas perdido na praia do sonho
embalado nas algas
com muitos animais marinhos no sexo
com um rasto de luas
que sempre sempre
o acompanharão
apenas duas gotas de sangue
pequenas rutilantes
os meus olhos meus olhos
sempre os meus olhos
[Mário Henrique Leiria, «Último Encontro»]
Rui, com obrigado
Este não será, com certeza, um blog de Política, mas os acontecimentos políticos também desfilam diante do olhar de quem esplana. E se são, então, da importância daqueles que têm abalado Portugal, é impossível ignorá-los.
Não gosto de Política e creio, como muitos outros, que a distinção esquerda / direita já não faz justiça aos diferentes posicionamentos de cada um, para além de que, diz-nos a História, ambas falharam redondamente quando foram levadas aos limites das suas definições. Mas os meus amigos dizem-me que sou de direita, ao passo que quem acaba de me conhecer acha, inevitavelmente, que sou um ateu comunista. Já não me esforço por desmentir nem uma nem outra. Prefiro aprender a não levar a sério qualquer uma das impressões.
O que penso da ascensão de Santana Lopes ao comando do governo situa-se, creio, precisamente do lado de fora dessa partição clássica.
Ouvi as notícias, li as declarações, falei com várias pessoas bem inteiradas dos acontecimentos e, tudo somado, sob pena de ver alguns desses amigos chatear-se comigo, julgo que Jorge Sampaio fez bem.
Não gosto nem um pouco de Santana Lopes e já o escrevi antes, mas o Presidente da República, sobretudo este Presidente da República, não podia alicerçar o argumento de uma decisão tão importante na desconfiança que tenha por um homem em particular. Jorge Sampaio foi fiel àquilo que sempre disse e praticou: seguiu a lei-mãe, separou os seus sentimentos pessoais da forma como acredita que a política deve ser feita.
Se nós só temos uma palavra para falar de Política, os ingleses têm três: a Polity (a grande política, ideal e teórica, de princípios, da Constituição), a Policy (a programática, apontada a uma conjuntura, dos governos, dos ministérios, dos empossados para administrar determinado cenário) e a Politics (a vida política, o quotidiano, os posicionamentos de um partido em função do outro, de um político perante o rival, os seus pares e por aí afora). Em Portugal, pouco mais há que a Politics, há alguma Policy e um só homem da Polity: Jorge Sampaio. Quem tenha estado atento aos últimos anos já sabia disso. Raros foram os discursos de Sampaio em que não reivindicou as suas decisões para uma matriz constitucional – “À luz da Constituição” – quantas vezes lhe ouvimos dizer isto? Já quase era piada.
Mas não era. Como este Presidente não era igual aos outros e estava disposto a contrariar o mau hábito português de ter presidentes de corpo presente, figuras de adorno, políticos consagrados, em fim de carreira, a quem era concedida uma reforma dourada em Belém.
Se Sampaio procura um lugar na História, não sei, mas lamento que, ao contrário dele, todos quantos falam desta decisão não sejam capazes de se libertar da esquizofrenia esquerda / direita. Todos os homens de esquerda ficaram ofendidos; todos os de direita ficaram contentes. Que desilusão!
Este era o caminho mais difícil. Estava à vista a contestação a Santana, o desagrado com o governo da Coligação, a vontade de ir às urnas. Jorge Sampaio tomou a decisão mais corajosa. Sabia bem, com certeza, que optar pela dissolução da Assembleia torná-lo-ia muito mais apreciado, muito mais aplaudido. Mas foi fiel à sua linguagem de princípios: as decisões do Presidente da República são, estritamente, pessoais; o País vota um partido para governar e não um rosto; acredita que a saída de Durão para a Comissão Europeia é importante para Portugal; acredita que Santana honrará a sua palavra e cumprirá o programa de governo.
Se não honrar, Sampaio dissolve a Assembleia. Vai uma aposta?
Ao contrário dos outros políticos nacionais, parece-me que o Presidente da República dá mais peso à honestidade do que ao poder. E ele acredita, honestamente, que decidiu da melhor forma. Apresenta-se com dúvidas e é censurado por isso, por quem, provavelmente, não terá dúvidas, porque talvez também não tenha muitos princípios.
O assumir das suas dúvidas e de que terá de se manter alerta é a prova final dessa mesma honestidade.
Alexandre
Para surpresa de todos nós, ao fim de três dias de actividade, já 900 pessoas vieram esplanar connosco (sim, pode ser lida aqui uma revisitação desse inesquecível anúncio dos nossos pára-quedistas: “Tens mais de 18 anos? Queres um futuro brilhante?”).
Cumpre-nos, portanto, agradecer a todos quantos já nos visitaram, àqueles que nos escreveram e, sobretudo, aos colegas e amigos da blogosfera que nos deram as boas-vindas, os verdadeiros responsáveis por tão promissor princípio.
Assim, obrigado ao Causa Nossa, ao My Moleskine, ao Babugem, à Bomba Inteligente, ao Um Bigo Meu, ao Miguel Nogueira e ao Francisco e a todos os outros cujos nomes, agora, me escapam.
Até já!
Alexandre
Há uma semana perdemos a final do campeonato da Europa. Saber perder é desligar a televisão, apagar as luzes e pôr um CD a tocar (atenção: no caso das decisões do Dr. Sampaio não basta um CD). Saber perder não é certamente vir para a rua buzinar, só porque fomos «vice-campeões» (ou «bicampeões», como disse uma jovem no dia seguinte à derrota). Enquanto não percebermos o que significa perder nunca havemos de ganhar nada.
Filipe
Ruy Belo (ou Ruy Beli, numa das traduções livres do Filipe para italiano) é um poeta muito do agrado de alguns esplanadores deste blog. Eu, por mim, não consigo recordar o livro de "Introdução ao Estudo do Direito" sem vislumbrar lá dentro o primeiro volume da obra poética de Ruy Belo (edição da Presença). Ontem, antes de dormir, folheei “Na Senda da Poesia” e fiquei deliciado com algumas sequências das entrevistas ao autor de "Boca Bilingue".
Por exemplo:
"(...) - Acha que a poesia não pode, ou melhor, não deve ser ambígua, difícil, mas sim clara, fácil?
- A poesia é por natureza difícil. Como o futebol. Desculpe a alusão. Mas não é descabida. Porque é que eu leio muitos jornais desportivos? Porque os nossos maiores jornalistas são Alfredo Farinha, Carlos Pinhão, Aurélio Márcio. (...)
(...) - O que representa para si a poesia?
- Lanço uma nova definição (sempre gostei de definições, anos de Direito Canónico ou Direito tout court): a poesia é a preguiça da prosa. Há dias, na praia, o Afonso de Barros disse-me que o que eu era, era preguiçoso. É verdade. Barbitúricos nem sequer são desculpa”. (...)"
É sabido: não há verbo mais preguiçoso do que esplanar. Não o dissemos no início - na verdade, temos mais um Rui para a conversa. Continua ali a um canto, escrevendo ou cumprindo esse transcendente vício de folhear as páginas do jornal “A Bola”. Ouço o seu pedido ao rapaz que passa: “Era um Vat 69, se faz favor”. Nuno
Na rua da casa da minha avó há uma mulher que, todos os dias, vai para a janela gritar. E todos os dias a mulher grita com uma companhia: uma bandeira de Portugal. Há anos que é assim. Todos os fins de tarde (deve lá estar agora), a mulher grita um discurso demente e desconexo ao lado de uma exuberante bandeira nacional. Em tempos, julgo ter ouvido alguém do bairro falar sobre os motivos dessa raiva: a morte do marido e a toxicodependência do filho. Tenho pensado nessa mulher por estes dias. Como se terá sentido quando viu bandeiras iguais à sua crescerem no prédio em frente? Terá pensado que finalmente conseguira abrir a comunicação com o mundo que insulta diariamente? Não sei. Sei apenas que me vou lembrar outra vez dela quando for a altura de recolher a nacionalidade. Nuno
De entre os múltiplos episódios da saga em que se tornou para nós, analfabetos da html, a criação deste blog (e que, a seu tempo, virão a público numa obra em volumes, distribuída com a edição de sábado do Correio da Manhã), queria referir, desde já, o da feitura da epígrafe.
A malta esmerou-se em estilos e piadas, frases inteligentes e apelativas e, no fim, o malfeitor do blogger só aceitava 500 caracteres. Caiu, então, por terra a ideia de incluir uma versão reduzida da Sibila, da tia Agustina, no cabeçalho, mas fizemos finca-pé nas restantes intenções.
Cá vai, então, a epígrafe no seu director's cut:
ESPLANAR v.t. (lat. esplanare - ainda que não seja pacífico afirmar que as pastelarias do império romano tivessem esplanadas). Acção de contemplar o mundo a partir de uma esplanada; movimento de trazer à linguagagem o que se vê debaixo de um guarda-sol, com a tranquilidade de um dia de calor. O mesmo que esplanar, mas numa esplanada.
Explicar, expor ou desenvolver, sentado numa cadeirinha de plástico da Olá! Ave, Caesar, esplanaturi te salutant! (Salve, César! Os que vão esplanar te saúdam!) - segundo Suetónio, as palavras pronunciadas pelos gladiadores, depois do combate e antes de uma cervejinha, diante da tribuna imperial. "As armas e os barões assim esplanados / que da ocidental praia lusitana (...)" - começo do poema imortal de Camões Os Lusíadas. Quem esplana, seus males espanta - dito popular. Gaba-te, cesto, e não vás à vindima - outro dito popular de que nos lembrámos agora, sabe Deus porquê, mas que não vem ao caso.
Primeiro mandamento da Lei de Borges: Nunca se desperdiça uma piada...
Alexandre
Não é impossível que... Reza a lenda que foi deste modo que Einstein iniciou a primeira versão da teoria da relatividade (a geral ou a restrita ou a de limão, não sei), deixando, portanto, que a humildade falasse, nesse momento, mais alto que a convicção. Citá-lo no começo de qualquer coisa tão simples como um blog tem o efeito perverso de soar a petulância. Mas, desde que li esta informação perfeitamente inútil, tinha o sonho de a colocar no começo de qualquer coisa. Ainda estava na faculdade, arrisquei o começo de um exame - o professor não percebeu a minha letra; depois, tentei num sms romântico - a rapariga em questão não assimilava coisas que não tivessem "kk"; foram as primeiras palavras do enésimo esboço de romance, mas, após algumas páginas, eram a única passagem de que gostava e decidi apagar tudo.
Desta vez, estou-me nas tintas. Atiro-me de cabeça. Começo a esplanar com o Einstein e acabou-se!
Não é impossível que este venha a ser um bom projecto.
Não é impossível que escrevamos textos comoventes.
Não é impossível que, por fim, instale net em casa.
Não é impossível que venha ser insultado.
Não é impossível que venha a ser amado.
Não é impossível que Pacheco Pereira faça um link para nós.
Não é impossível que não me confundam com o actor brasileiro homónimo.
Não é impossível que este blog nos faça ainda um pouco mais felizes.
Alexandre
Eu: ...isto tudo para dizer que as pessoas felizes ficam estúpidas.
Ela: As pessoas satisfeitas ficam estúpidas. As pessoas contentadas.
Eu: Exacto.
Rui
Marlon Brando morreu faz hoje uma semana. Soube deste triste acontecimento através da SIC-notícias. A SIC-notícias é um óptimo desbloqueador de conversas - especialmente para quando temos alguém em casa a mudar-nos a fechadura. Decidi lançar o tema: «Olha, morreu o Marlon Brando!». «Coitado, tão novo...», respondeu o senhor. «Bem, já tinha uns 80 anos...», lembrei eu. Ele insistiu: «80 anos?! Ainda há dez anos jogava ele no meu Sporting!».
Filipe
Tocam à porta pelas cinco e meia da tarde. O Filipe levanta-se; vai lá ele desta vez. Passado um bom bocado, está de volta com um ar perplexo e sério: «Estão ali umas espanholas a perguntar pelo Casillas...não percebo o que é que elas querem...»
«Pelo Casillas?» «O do Real Madrid?» «Sim, pá.»
«E são giras», pergunto. Ele: «Sim, sim.»
Levanto-me e vamos os dois pelo corredor em rigoroso silêncio. Estavam duas espanholas giras à porta do escritório a perguntar pelo Casillas. A coisa prometia.
Abro a porta e estão de facto duas espanholas, na verdade bem giras, morenas e sorridentes, na expectativa.
«Posso ajudar en algo?»
Queriam saber se era naquele «piso» que se «alquila» um «despacho». Abanei a cabeça, não percebia. Pareceu-me ouvir o Filipe atrás de mim a pensar «eu bem te dizia». Olhava embaraçado: o Casillas não era, mas que raio era? E torturava-me: «como é que se dirá lanchar em espanhol?» Silêncio demorado.
Elas entretanto entreolhavam-se, cada vez mais divertidas.
«Se impuerta de repétir?», insisto.
«Perdona, se alquila aqui un despacho?», diz uma. A outra já só se ria.
Fez-se luz. «Ah...alquila...sim». Sem qualquer noção do adequado à situação, respondi a inútil verdade: «É no andar de baixo, de bajo». Fecho a porta e desatámo-nos a rir.
Rui
Amigo puxa amigo, há uns meses largos, juntámo-nos todos e decidimos alugar uma sala de escritório. Tivemos sorte, pois ficámos bem no centro de Lisboa. A nossa ideia era trabalhar fora de casa, evitando a sensação de acordar e estar de imediato, ainda de pijama vestido e barba por fazer, no escritório. Assim, podíamos sair de manhã (risos abafados) e ir para o escritório como as pessoas normais. O preço, a dividir por todos, era irrisório. A sanidade a troco de uns trocos, uma verdadeira pechincha. Um escritório tem inúmeras vantagens: fazer jantares de Natal, esfregar cotovelos no elevador (era estreito), lanchar, tomar demasiados cafés, ter mais uma chave para além da de casa e do carro. Poupa-se no prozac e no passe. Ora, ora: será escusado dizer que a conversa tomou conta do escritório. O trabalho ressentiu-se (repetidos esgares). De tal maneira que, quando era de facto preciso trabalhar, houve quem optasse sabiamente por ficar em casa. Também houve quem nunca chegasse a ter chave. Alexandre Herculano, 17: três ou quatro cafés, uma livraria de nome bucólico em alemão, um restaurante africano e outro brasileiro, uma charcutaria, um notário e parquímetros avariados. É bem sabido que, para estar na palheta, nada melhor que uma esplanada ao pé de um notário. O escritório, entretanto, já não existe. É que tínhamos mesmo de trabalhar. Por isso, viemos esplanar para outro lado. Por entre meias de leite, jesuítas, um ou outro Wittgenstein, imperiais e tremoços: a vida vista da esplanada.
- Então jovens, o que é que vai ser hoje? Rui Branco: Era um chá verde e um pão da casa misto com pouca manteiga.
- Era ou é? João Pedro George: Eu queria um palmier simples e um cafezinho.
Nuno Costa Santos: Meia torrada e um daqueles sumos vital a, b, c não sei quê.
Filipe Nunes: Para mim, uma coca-cola e um pãozinho da casa...Com queijo!!
Alexandre Borges: Olhe, por favor! Era uma imperial… Desculpem o atraso…