Este não será, com certeza, um blog de Política, mas os acontecimentos políticos também desfilam diante do olhar de quem esplana. E se são, então, da importância daqueles que têm abalado Portugal, é impossível ignorá-los.
Não gosto de Política e creio, como muitos outros, que a distinção esquerda / direita já não faz justiça aos diferentes posicionamentos de cada um, para além de que, diz-nos a História, ambas falharam redondamente quando foram levadas aos limites das suas definições. Mas os meus amigos dizem-me que sou de direita, ao passo que quem acaba de me conhecer acha, inevitavelmente, que sou um ateu comunista. Já não me esforço por desmentir nem uma nem outra. Prefiro aprender a não levar a sério qualquer uma das impressões.
O que penso da ascensão de Santana Lopes ao comando do governo situa-se, creio, precisamente do lado de fora dessa partição clássica.
Ouvi as notícias, li as declarações, falei com várias pessoas bem inteiradas dos acontecimentos e, tudo somado, sob pena de ver alguns desses amigos chatear-se comigo, julgo que Jorge Sampaio fez bem.
Não gosto nem um pouco de Santana Lopes e
já o escrevi antes, mas o Presidente da República, sobretudo este Presidente da República, não podia alicerçar o argumento de uma decisão tão importante na desconfiança que tenha por um homem em particular. Jorge Sampaio foi fiel àquilo que sempre disse e praticou: seguiu a lei-mãe, separou os seus sentimentos pessoais da forma como acredita que a política deve ser feita.
Se nós só temos uma palavra para falar de Política, os ingleses têm três: a Polity (a grande política, ideal e teórica, de princípios, da Constituição), a Policy (a programática, apontada a uma conjuntura, dos governos, dos ministérios, dos empossados para administrar determinado cenário) e a Politics (a vida política, o quotidiano, os posicionamentos de um partido em função do outro, de um político perante o rival, os seus pares e por aí afora). Em Portugal, pouco mais há que a Politics, há alguma Policy e um só homem da Polity: Jorge Sampaio. Quem tenha estado atento aos últimos anos já sabia disso. Raros foram os discursos de Sampaio em que não reivindicou as suas decisões para uma matriz constitucional – “À luz da Constituição” – quantas vezes lhe ouvimos dizer isto? Já quase era piada.
Mas não era. Como este Presidente não era igual aos outros e estava disposto a contrariar o mau hábito português de ter presidentes de corpo presente, figuras de adorno, políticos consagrados, em fim de carreira, a quem era concedida uma reforma dourada em Belém.
Se Sampaio procura um lugar na História, não sei, mas lamento que, ao contrário dele, todos quantos falam desta decisão não sejam capazes de se libertar da esquizofrenia esquerda / direita. Todos os homens de esquerda ficaram ofendidos; todos os de direita ficaram contentes. Que desilusão!
Este era o caminho mais difícil. Estava à vista a contestação a Santana, o desagrado com o governo da Coligação, a vontade de ir às urnas. Jorge Sampaio tomou a decisão mais corajosa. Sabia bem, com certeza, que optar pela dissolução da Assembleia torná-lo-ia muito mais apreciado, muito mais aplaudido. Mas foi fiel à sua linguagem de princípios: as decisões do Presidente da República são, estritamente, pessoais; o País vota um partido para governar e não um rosto; acredita que a saída de Durão para a Comissão Europeia é importante para Portugal; acredita que Santana honrará a sua palavra e cumprirá o programa de governo.
Se não honrar, Sampaio dissolve a Assembleia. Vai uma aposta?
Ao contrário dos outros políticos nacionais, parece-me que o Presidente da República dá mais peso à honestidade do que ao poder. E ele acredita, honestamente, que decidiu da melhor forma. Apresenta-se com dúvidas e é censurado por isso, por quem, provavelmente, não terá dúvidas, porque talvez também não tenha muitos princípios.
O assumir das suas dúvidas e de que terá de se manter alerta é a prova final dessa mesma honestidade.
Alexandre