Começámos a escrever nesta morada alguns dias depois de um leque de acontecimentos tristes que importam, ainda, honrar, mesmo que já tenham sido percorridos um pouco por toda a parte. Um deles foi, logicamente, a morte de Marlon Brando.
Fui actor, ou ainda sou, pelo menos quanto à disponibilidade vitalícia para representar, se alguém ainda quiser cometer a loucura de me convidar para corromper um bom texto. E isso faz com que, a par do guião, esteja sempre mais atento ao trabalho dos actores do que a qualquer outro elemento de um filme ou de uma peça. Mas só me converti a Brando algo tarde.
Quando nasci e cresci, ele já se tinha eclipsado, mergulhando num véu que parece convir a todos as lendas, quando não conseguem deixar cedo o mundo. Foi, por isso, necessário descobri-lo como quem encontra um livro antigo ou entra numa loja nostálgica do vinyl.
Primeiro, "O Padrinho", depois "Apocalipse Now", "Há Lodo No Cais", "O Último Tango Em Paris". Nunca vira actor semelhante. Estranho, alien à nascença. Que demorava a conquistar, a perceber. Até que, ao fim de meia-hora de filme, a rendição era completa, como quem dá por si apaixonado pela miúda irritante do escritório com quem, até aí, se discutia aos berros, por tudo e por nada.
Brando surgia nos filmes sempre vindo do lado de fora, distante, muito, muito distante do registo de todo o elenco. E, lentamente, ao contrário de tudo o que se esperava, vencia todos, como um ciclista caído no princípio da etapa, que perseguia, apanhava e ultrapassava todo o pelotão e terminava a prova em primeiro, com quinze minutos de avanço e, sobretudo, aquele ar sereno de quem podia, se quisesse, fazer o tour inteiro num só dia.
Há dois anos, vi-o em "The Score", com os dois melhores actores das gerações seguintes, Robert De Niro e Edward Norton. Pouco se dava por ele. Não tinha tempo de arrebatar a película. Estava gordo e parecia ostentar, de modo patético, cirurgias plásticas que esconderam um rosto inesquecível.
Fiquei feliz por James Dean e Grace Kelly. Por todos os mitos partidos que escaparam ao tempo e à vaidade.
E decidi que Brando morrera em Paris ou no Vietname, ou sucumbira, afinal, aos ferimentos do espancamento no cais, pouco depois de terminarem os créditos finais do filme.
Quanto a mim, agora, só lhe descobriram o corpo.
Alexandre