ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

domingo, outubro 30, 2005

 

André Kertész, «Martinique» (1 de Janeiro de 1972)



André Kertész é um dos maiores fotógrafos do século XX. Esta é, para mim, a melhor fotografia do mundo. Kertész tirou-a em Janeiro de 1972, quando estava de férias nas Antilhas, juntamente com Elisabeth Sali, sua mulher desde 1933. A fotografia foi tirada na varanda do hotel. André Kertész nasceu em Budapeste, numa família judia, e morreu em 1985, em Nova Iorque.

Olho para a fotografia, que tenho reproduzida e pendurada na parede, mesmo aqui ao meu lado direito, junto à secretária onde neste momento escrevo. Aquela silhueta tanto pode ser de um homem como de uma mulher, embora a primeira hipótese pareça a mais plausível. E de que idade? Estará sozinho, estará acompanhado? Estará de férias ou assaltou um banco, fugiu aos impostos e exilou-se num paraíso fiscal? As perguntas poder-se-iam multiplicar até ao infinito, pouco importando as respostas. A força desta fotografia reside na incerteza, na instabilidade do nosso olhar mas também do olhar da figura, imóvel, que contempla o horizonte. A distorção visual induzida pelo vidro turvo que divide a varanda reflecte, creio, tal como nas paisagens românticas do século XIX, um estado de espírito abstracto e indefinido. O nublado do céu exprime a opacidade da alma. O chumbo do mar e, de uma forma geral, de toda a fotografia, evoca inacção, letargia, torpor. Aquela figura dificilmente estará a pensar no futuro, dificilmente estará a pensar no passado. Talvez sinta um vazio de pensamentos, uma inércia psíquica, provavelmente uma melancolia, uma nostalgia depois de uma noite de deboche, uma noite de sexo no lugar certo mas com a pessoa errada, junto ao mar. Apetece-lhe estar só, talvez nas costas dele esteja uma mulher, estendida na cama, à espera do pequeno almoço. O quarto estará desarrumado, as roupas sobre uma cadeira.

sábado, outubro 29, 2005

 

Cinco horas para viver

Enquanto entorno o café por cima de um pastel de nata acabadinho de engolir, leio o Diário de Notícias. Na página 38, entrevista a Jean-Paul Dubois, com o sugestivo título de “Nunca gostei da literatura francesa”. Uma frase como esta reclama atenção. E uma pausa na cafeína. Na página ao lado, frase em destaque: “Faço todos os dias o mesmo: escrevo pouco e vivo muito. Não há melhor fórmula para fazer um livro do que viver bastante. Não acredito na imaginação”. Ora aí está, penso. Começo a gostar deste gajo. E, afinal de contas, quem és tu, Dubois? Jornalista do Le Nouvel Observateur, já escreveu 17 romances, leu todos os livros de John Updike, gosta de escritores como Bukowski, Richard Ford e Cormac McCarthy e acaba de ser traduzido na Asa: Uma Vida Francesa, romance vencedor do Prémio Femina em 2004. Fui lendo, até esbarrar nisto: “Trabalho 14 horas e escrevo oito páginas por dia. Não descanso”. Bolas, então o tipo não dizia que escreve pouco e vive muito. Dou por mim enredado em cálculos, contas de cabeça. Um dia tem 24 horas, tirando as 14 em que está a escrever, ficam 10. Dessas 10, digamos que Dubois aproveita 5 para dormir. Restam outras 5. O que é que um bípede pode fazer nessas cinco horas? Aceitam-se sugestões. Escrevam-me. Ensinem-me a viver em 5 horas o que o Dubois escreve em 14.

sexta-feira, outubro 28, 2005

 
Se eu tivesse as sedas bordadas do céu.
Com bainhas de luz de ouro e de prata.
As sedas azuis e sombrias e escuras.
Da noite e da luz e da meia-luz.

Deitava-as todas aos teus pés.

Mas eu sou pobre e só tenho os meus sonhos.
Deitei-os todos aos teus pés
Pisa com cuidado,
É nos meus sonhos que estás a pisar.

W. B. Yeats (tradução de Miguel Esteves Cardoso)

quinta-feira, outubro 27, 2005

 

Conhece-te a ti mesmo




Os homens dividem-se em dois tipos: os que lavam as mãos antes e os que lavam as mãos depois de mijar. E tu, lavas antes ou depois?

terça-feira, outubro 25, 2005

 



"Almas de Porteira

Fiquei a saber por um amigo que já tenho boneco no Contra-Informação. Ou melhor, tenho uma boneca que até é parecida comigo, uma loira enxuta e respondona que está sempre a repetir-se e a citar Lobo Antunes. Como não tenho televisão há três semanas por um mistério ao qual sou completamente alheia, foi com surpresa e alegria que recebi a notícia. Num país onde não se passa literalmente nada e os meios de comunicação vivem cada vez mais de escândalos fabricados, falsas notícias e especulações de vão de escada dignas de alma de porteira, de facto tudo é possível. Até eu ter um boneco no Contra-Informação, essa espécie de parque jurássico do humor nacional que às vezes tem muita graça e, como acontece a todas as fórmulas que se desgastam, outras vezes nem tanto.

Quando era miúda costumava cantar uma lenga-lenga com os meus irmãos que rezava assim, se um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam muito mais. Se dois elefantes incomodam muita gente, três elefantes... e por aí fora. O que eu gostava de perceber é porque é que perdem tanto tempo comigo. Sobretudo porque eu não perco nenhum tempo com estas parvoíces.

Há seis anos, quando lancei o meu primeiro romance, as críticas só começaram a chover-me em cima depois de ter vendido mais de 50 mil. O meu editor, rapaz calmo e ponderado, encolheu os ombros e disse-me, deixa lá a caravana passa e os cães ladram. E cão que ladra não morde. Mas acho que os cães já devem estar a tomar pastilhas para a garganta, porque a ladrar há seis anos, já deram com certeza cabo das cordas vocais. Será que os cães têm cordas vocais? Será que os cães têm cordas vocais? Será que os cães têm cordas vocais? Peço desculpa, estou a repetir-me. Peço desculpa, estou a repetir-me. Peço desculpa, mas tenho a impressão que me estou a repetir. Adiante. Como diz outro amigo meu – é tão bom ter tantos amigos – um português que vive há vinte anos em Londres, Portugal é uma ilha que por acaso faz fronteira com outro país. Eu acho que Portugal é uma aldeia que, em fases de esquizofrenia mais aguda, fica reduzido ao tamanho de uma rua, daquelas dos bairros mais antigos de Lisboa em que as donas de casa reformadas, azedas, feias e desocupadas passam o dia à janela a falar da vida dos outros. Há umas, as mais gordas, que até aproveitam para descansar as «poitrines» em cima dos parapeitos, com a Xaninha ao lado a ver as vistas com elas.”

Margarida Rebelo Pinto é escritora e escreve semanalmente no METRO.

Publicado no jornal Metro, segunda-feira, 24 de Outubro de 2005, p. 7

segunda-feira, outubro 17, 2005

 

Gente da minha geração

Pedro Mexia , João Miguel Tavares , Ricardo Araújo Pereira , José Mário Silva , Rui Tavares.Tudo gente da minha geração que leio com entusiasmo. Pessoalmente, e de passagem, conheço o Pedro e o Ricardo. Já o Rui conheço dos tempos da Faculdade e nessa altura pressentia já o que hoje não passa de banalidade: um escritor com ideias, dos mais consistentes da blogo-esfera. O José Mário Silva e o João Miguel Tavares conheço-os pelo que escrevem.
O Ricardo não precisa de elogios, todos lhe reconhecem o talento literário e a portentosa criatividade. Foi meu professor de escrita criativa, num curso do CEM (Centro Em Movimento), ali à Praça da Alegria. E embora me tenha demorado por lá apenas um mês, deu para lhe topar o sentido de humor e o pulso para a literatura. As crónicas da Visão, em geral, são entretenimento garantido, embora nos últimos textos pressinta o esgotamento daquela fórmula humorística: criticar às avessas, ironizar fazendo a apologia indecorosa de personagens e situações sociais mui pouco recomendáveis (sobre esta técnica leiam o prefácio à edição em papel do blogue Gato Fedorento, pela Cotovia).
O Pedro Mexia foi dos poucos que publicamente discutiram e comentaram a minha tese de mestrado, publicada na Difel como O Meio Literário Português. E com isso fez muito mais pela sua divulgação do que a própria editora, a esse respeito incompreensivelmente inepta e desmazelada. É o melhor cronista a escrever hoje na imprensa. Os textos da Grande Reportagem planeei há um ano publicá-los, quando me surgiu a oportunidade (não concretizada) de organizar uma colecção de livros com escrita da imprensa. A poesia do Pedro conheço-a mal (nunca me ofereceu um livro, parece que correm por aí rumores idiotas de que eu não gosto de poesia, embora, é verdade, não goste da má poesia). Folheei-a em livrarias e confesso não ter sentido adesão. Prefiro a prosa, em particular no género crónica (continuo na expectativa do romance em tempos anunciado). Aí encontro referências comuns, afinidades, interesses que em abstracto nos aproximam (e nos aproximam até mesmo quando dele discordo, como nesta última opinião em «A Crítica e o meio literário», secção Ministério da Cultura ).
O José Mário Silva e o João Miguel Tavares são descobertas mais recentes. Do primeiro aprecio especialmente alguns textos de crítica literária. Dele li algumas críticas exemplares, pequenas maravilhas da sensibilidade humana. Mais até, muito mais até, do que naqueles textos do DNA, feitos a partir de poemas (de que não gosto e cuja leitura, não raro, deixo pela metade). O João Miguel Tavares é um tipo muito perverso. Dos mais perversos que escrevem nos jornais. Lembro-me de um pequeno texto, poucos terão dado por ele, a propósito daquele filme (o último) do Cunha Teles, com a Marisa Cruz. Muito malicioso, muito venenoso. Na crítica social e política é dos jornalistas mais argutos e incisivos.
Quis escrever sobre pessoas por quem sinto genuína admiração intelectual. Talvez porque reconheço e aceito algumas críticas que me têm sido dirigidas por alguns leitores do Esplanar: raramente escrevo sobre pessoas que gosto de ler. Para aquele que aqui quiserem encontrar motivações subterrâneas ou duvidosas, aproveito um dos últimos posts do Pedro Mexia : “estamos sempre em julgamento / é uma maneira de ser livre”.



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