"Almas de Porteira
Fiquei a saber por um amigo que já tenho boneco no Contra-Informação. Ou melhor, tenho uma boneca que até é parecida comigo, uma loira enxuta e respondona que está sempre a repetir-se e a citar Lobo Antunes. Como não tenho televisão há três semanas por um mistério ao qual sou completamente alheia, foi com surpresa e alegria que recebi a notícia. Num país onde não se passa literalmente nada e os meios de comunicação vivem cada vez mais de escândalos fabricados, falsas notícias e especulações de vão de escada dignas de alma de porteira, de facto tudo é possível. Até eu ter um boneco no Contra-Informação, essa espécie de parque jurássico do humor nacional que às vezes tem muita graça e, como acontece a todas as fórmulas que se desgastam, outras vezes nem tanto.
Quando era miúda costumava cantar uma lenga-lenga com os meus irmãos que rezava assim, se um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam muito mais. Se dois elefantes incomodam muita gente, três elefantes... e por aí fora. O que eu gostava de perceber é porque é que perdem tanto tempo comigo. Sobretudo porque eu não perco nenhum tempo com estas parvoíces.
Há seis anos, quando lancei o meu primeiro romance, as críticas só começaram a chover-me em cima depois de ter vendido mais de 50 mil. O meu editor, rapaz calmo e ponderado, encolheu os ombros e disse-me, deixa lá a caravana passa e os cães ladram. E cão que ladra não morde. Mas acho que os cães já devem estar a tomar pastilhas para a garganta, porque a ladrar há seis anos, já deram com certeza cabo das cordas vocais. Será que os cães têm cordas vocais? Será que os cães têm cordas vocais? Será que os cães têm cordas vocais? Peço desculpa, estou a repetir-me. Peço desculpa, estou a repetir-me. Peço desculpa, mas tenho a impressão que me estou a repetir. Adiante. Como diz outro amigo meu – é tão bom ter tantos amigos – um português que vive há vinte anos em Londres, Portugal é uma ilha que por acaso faz fronteira com outro país. Eu acho que Portugal é uma aldeia que, em fases de esquizofrenia mais aguda, fica reduzido ao tamanho de uma rua, daquelas dos bairros mais antigos de Lisboa em que as donas de casa reformadas, azedas, feias e desocupadas passam o dia à janela a falar da vida dos outros. Há umas, as mais gordas, que até aproveitam para descansar as «poitrines» em cima dos parapeitos, com a Xaninha ao lado a ver as vistas com elas.”
Margarida Rebelo Pinto é escritora e escreve semanalmente no METRO.Publicado no jornal
Metro, segunda-feira, 24 de Outubro de 2005, p. 7