André Kertész é um dos maiores fotógrafos do século XX. Esta é, para mim, a melhor fotografia do mundo. Kertész tirou-a em Janeiro de 1972, quando estava de férias nas Antilhas, juntamente com Elisabeth Sali, sua mulher desde 1933. A fotografia foi tirada na varanda do hotel. André Kertész nasceu em Budapeste, numa família judia, e morreu em 1985, em Nova Iorque.
Olho para a fotografia, que tenho reproduzida e pendurada na parede, mesmo aqui ao meu lado direito, junto à secretária onde neste momento escrevo. Aquela silhueta tanto pode ser de um homem como de uma mulher, embora a primeira hipótese pareça a mais plausível. E de que idade? Estará sozinho, estará acompanhado? Estará de férias ou assaltou um banco, fugiu aos impostos e exilou-se num paraíso fiscal? As perguntas poder-se-iam multiplicar até ao infinito, pouco importando as respostas. A força desta fotografia reside na incerteza, na instabilidade do nosso olhar mas também do olhar da figura, imóvel, que contempla o horizonte. A distorção visual induzida pelo vidro turvo que divide a varanda reflecte, creio, tal como nas paisagens românticas do século XIX, um estado de espírito abstracto e indefinido. O nublado do céu exprime a opacidade da alma. O chumbo do mar e, de uma forma geral, de toda a fotografia, evoca inacção, letargia, torpor. Aquela figura dificilmente estará a pensar no futuro, dificilmente estará a pensar no passado. Talvez sinta um vazio de pensamentos, uma inércia psíquica, provavelmente uma melancolia, uma nostalgia depois de uma noite de deboche, uma noite de sexo no lugar certo mas com a pessoa errada, junto ao mar. Apetece-lhe estar só, talvez nas costas dele esteja uma mulher, estendida na cama, à espera do pequeno almoço. O quarto estará desarrumado, as roupas sobre uma cadeira.