A crítica literária (jornalística) e os princípios elementares que a devem nortear. É esta a questão. Tudo o resto é poeira lançada para os olhos. A crítica assenta em gostos e em valores muitos deles pessoais e subjectivos, mas deve também proceder em função de regras e de métodos. A crítica como a entendo e como a aprendi deve ser intelectualmente honesta e basear-se numa objectividade mínima, a possível, a que conseguimos, apesar de tudo, controlar: não escrever sobre livros de amigos no mesmo local onde uns e outros trabalham. É esta uma regra tão básica que sobre ela nem sequer deveria ser necessário falar. O contrário perverte tudo, perverte a essência do acto crítico no espaço público. Todos sabemos que o meio é pequeno e as pessoas se conhecem todas. Tal não impede, ainda assim, o respeito por essa regra. Quando se escreve sobre um amigo, por muito que se negue a pés juntos, há sempre algo que fica em dívida. Ou a suspeita disso, pelo menos. Como se costuma dizer sobre a mulher de César, à crítica não basta ser séria, é preciso também que o pareça.
Tivesse eu poder para decidir os livros que seriam criticados e jamais me colocaria na posição de escrever sobre o livro de um amigo e, principalmente, de um colega. Tal como se eu fosse objecto de uma crítica feita por um amigo tudo faria para disso o demover. Para essas coisas, felizmente, existem os blogues, muito mais pessoais, onde ninguém está a ocupar um bem que é reduzido e onde não se está a ganhar dinheiro, a ser pago para cumprir as normas da profissão. Na imprensa, julgo, o espaço que é concedido a autores, livros e editoras deve, tanto quanto possível, remeter para o mérito, ou seja, o crítico pegou naquele livro por todas as razões menos porque conhece o autor ou dele é amigo e colega. Na imprensa o espaço é, de facto, escasso. Principalmente se pensarmos na quantidade de livros que nos dias de hoje todos os meses são publicados. Escrever num jornal não é apenas um direito, um troféu para exibir. Implica deveres para com quem gasta dinheiro na compra do jornal. Deveres de um mínimo de decência, não andar para ali a enganá-lo gritando-lhe livros que deve comprar e ler por razões dúbias (a maior parte das pessoas nem sabe que aquele livro é de um amigo de quem assina a prosa e, provavelmente, não sabe que o autor do livro também escreve nesse mesmo jornal que ele tem na mão; o trabalho das toupeiras é esse, actuar na sombra, às escondidas dos leitores menos informados).
Pessoalmente, detestaria ler num jornal uma opinião sobre um livro meu escrita por aquela pessoa com quem bebo copos, vou a jantares e que até está ali mesmo em frente na secretária da redacção onde ambos trabalhamos. Isso, só de imaginar, é horripilante. Que tipo de pessoa seria eu caso fosse conivente com tal situação? Que tipo de orgulho teria pelo meu trabalho? Eu quero que o meu trabalho seja avaliado por si próprio. Só isso me ajudará no que fiz bem e no que fiz mal. Um tipo que bate palmas só porque é meu amigo não me está a ajudar. Prefiro que digam mal daquilo que faço de forma activa, ou seja, com inteligência, obrigando-me pensar, prefiro isso a que digam bem passivamente, por reflexo de amizade. Que raio de crítica é essa? Não é crítica, é apenas publicidade e divulgação. Que os editores queiram promover os seus colaboradores para dar prestígio ao próprio jornal, sim senhor, mas então reservem espaço para fazer publicidade aos seus trabalhadores, não o misturem no espaço da crítica. Não aldrabem. Sejam sérios.