Muito discreto, mais do que devia, o conjunto de anotações de Pedro Mexia sobre liberalismo. Bem superior à fórmula gasta, evocada a pretexto de O Independente, «conservador em política, liberal em cultura» (contradição em termos desde a Revolução Francesa, mas quem se incomoda com isso?), na série de posts no seu
Estado Civil, e em diálogo com outros blogs, tem-se criticado várias vezes o carácter racionalista do liberalismo. Não por acaso cita poucas fontes, não há «o» liberalismo, nem pode haver, quando o liberalismo político se faz sempre em função de costumes anteriores que, em tese, se liberalizam (esta foi, em parte, a crítica que fiz a um livro de Alexandre Franco de Sá,
Metamorfose do poder). Quando essa liberalização de costumes não se verificou (como sucedeu em Portugal), tanto o liberalismo como doutrina política como as formas políticas suas adversárias (comunismo e fascismo) permaneceram presas de costumes e estruturas sociais tradicionais avessos quer à racionalidade liberal, quer às movimentações de massas que comunistas e fascistas evocam sem se aperceberem que só em sociedades modernas elas podem existir com a plasticidade que ambos os movimentos pretendem (questão que já foi aqui referida numa série de posts anteriores).
Mas mesmo mantendo a discussão a um nível estritamente teórico, a escolha de Hayek não colhe. O que ele criticava no racionalismo em política era a sua radicalização positivista, aquilo a que Hayek chamou o erro construtivista. Pretender aplicar sem mais essa acusação de racionalismo ilimitado ao liberalismo político, o qual se limita a pertencer a um processo de modernização específico do Ocidente, não cola muito à experiência que conhecemos (quem são esses liberais, afinal?) nem cura muito da teoria. Mas essas, em bom rigor, são marcas da ficção conservadora, essa criação moderna concebida para renegar a realidade da mudança…
CL