É hoje publicada no DN (suplemento «6ª») uma conversa minha com Pedro Mexia. O tema é um livro meu do ano passado,
Portugal Extemporâneo (2 vols., INCM). Esta nota serve para «arrumar» duas questões mencionadas na entrevista que, nas semanas que mediaram entre gravá-la e publicá-la, tiveram desenvolvimentos. Uma é a função do discurso crítico e a sua relação com o jornalismo actual; a outra é a função dos blogs até hoje e no futuro previsível.
1. Como escrevi aqui, ainda antes da entrevista, não penso que a crítica esteja morta ou a morrer, apenas em mudança de funções e, consequentemente, de características. Os motivos para isto, apresentei-os em dois posts sucessivos (19 e 20 de Junho) que mereceram comentários vários.
No
Da Literatura, Eduardo Pitta ignorou-os e preferiu falar como se entre crítica e publicidade promovida por editoras não houvesse diferença; é com ele, quem quiser pode ir por aí, é legítimo, apesar de eu ver nisso uma incompreensão do que está em causa (o meu argumento é todo outro: um crítico não espera pelos «envios», tal como um jornalista não espera por «notícias» de nenhuma «agência».).
Um indivíduo que perpetra no blog
Frenchkissin’ (no kidding, no link) e pertencente à direcção do DN (onde parece ser um digno sucessor de Luís Delgado), optou pelo anti-intelectualismo, parecendo apostado em provar que a escrita pode ser inteiramente braçal, dispensando o intelectual – e, lendo-o, como duvidar? Na ânsia de provar que eu e Pitta o julgamos estúpido, descobriu uma série de pérolas: a INCM tira dinheiro aos contribuintes (os intelectuais não pagam impostos, depreende-se), os seus livros não interessam a ninguém, o meu post queria que os jornais mudassem por completo para me agradar (ler também não requer intelecto, como se comprova), o pacote completo em 4 linhas (com jornalistas destes as «agências» são bem necessárias!). Uma resposta intelectual, adaptada de Schopenhauer, seria dizer que quando um post bate em certas cabeças e se produz um som oco, essas cabeças pensam sempre que o som vem do post... Mas não me parece que seja «da vaidade», na verdade o caso é interessante por dois motivos: por mostrar como o que escrevi sobre a crítica – e repito na entrevista – se aplica ao jornalismo em geral, e por relacioná-lo com a função dos blogs.
Na verdade, os meus posts, tal como a entrevista, não atacam o jornalismo nem os jornalistas. Longe do tom acusatório que muitos associam (superficialmente) ao
Esplanar, o focado, desde o título até ao fim, foi a mudança de funções da crítica (de mediação social para um estatuto marginal, cedendo o seu lugar à publicidade). Ora a incapacidade do sr. Fernandes do
DN o ler é reveladora de como isto se aplica ao jornalismo. O Sr. Fernandes insulta quem não conhece, julga que a INCM em vez de dar lucro para os cofres do Estado retira dinheiro aos contribuintes, dá por adquirido que os livros que ele não lê não são lidos por ninguém e supõe que eu, George, Pitta, etc., temos dificuldades em aceder aos jornais (guardei este post para hoje por isso mesmo, lógico). O que permite aplicar a definição kantiana de estupidez ao sr. Fernandes do DN: incapaz de ver as coisas de outro ponto de vista que não o seu. Cão de guarda pavloviano, supôs que as minhas referências ao jornalismo eram novos ataques do
Esplanar ao critério editorial de Nuno Galopim e à alta influência do Provedor no DN (cargo vazio, como é normal em Portugal), e vai daí ripostou a um ataque que não tinha sofrido. Claro que nem eu nem Pitta perdemos tempo com respostas e polémicas à portuguesa. Ele apenas exemplifica um ponto que eu usava para explicar a evacuação da crítica dos media, a saber, a conversão dos media em mass media, nos quais não é a palavra crítica a dominar e mediar, mas a imagem a ocupar todo o espaço. Os artigos são vistos, não lidos, tal como na TV as pessoas aparecem mas não são ouvidas. Neste contexto, a crítica não faz falta e jornalistas que saibam ler um simples post e escrever com equilíbrio seriam enigmas para os compradores de jornais, que já não são leitores mas tele-espectadores momentaneamente sem ecrans − se não lerem o jornal na net. O que conta é o efeito, a tirada bombástica. E em Inglês, língua sofisticada, para ter mais estilo! (Quando Pacheco Pereira, durante o Mundial, se perguntava porque é que o Público dava as primeiras 17 páginas do jornal à bola, a resposta era evidente: por ser um sucedâneo da transmissão televisiva. A propósito, o ano passado foi Pacheco Pereira, não por acaso malvado intelectual, quem divulgou na blogosfera a ideia de a INCM ser feita à custa do nosso – se me permitem – dinheiro.)
Os jornais são hoje mais bem escritos do que no passado da «tarimba», desde logo um resultado indirecto da liberdade. Só que a cultura dessa liberdade, a da crítica moderna, está já datada.
2. O que liga isto aos blogs é a crença do Pedro Mexia, em grande parte auto-justificativa, em serem eles «o» futuro. O Pedro pensa muito em termos de choque de gerações (que em Portugal é sempre raro e equívoco) e tende a ignorar a realidade de a maioria dos blogs ser puro esgoto. Se duvidam, o meu argumento é que foi em resposta às enormidades de Fernandes que, no
Corta-Fitas, João Villalobos, e, no
Fuga para a Vitória, Daniel Melo, contribuíram para a discussão. Não em resposta ao meu texto, ou aos artigos no
Público por A. M. Seabra que lhe serviram de pretexto, nem sequer ao post de Pitta. Foram ao mais nulo contributo e nem sequer para ver nele virtudes escondidas. Foram vituperá-lo, inocentemente, convencidos que ao escolherem o mínimo denominador comum faziam algum bem. No caso de Daniel Melo, que adoptou convictamente o registo indignado da morte da crítica e chegou a falar em censura, verificou-se mesmo o equívoco de pensar que o meu texto era nesse sentido acusatório, uma leitura tão desajustada como a de Pitta, e não é a simpatia do que escreveu a respeito do meu post que muda nada. Em ambos os casos, leram o que queriam ler.
O problema da blogosfera, escrevi-o no volume 2 de
Portugal Extemporâneo e repito-o, é o mesmo de todas as inovações técnicas e das modas que o precederam (e das que lhes vão suceder): reproduzir por novos meios os piores vícios da cultura acrítica, anti-crítica (anti-intelectual) de uma sociedade ainda dominada pelos medos mais ridículos que se pode ter. Nenhuma inovação tecnológica pode vencer isto, não há choque ou subversão que destrua isto, só o trabalho longo, persistente e lúcido.
Muito longe, portanto, das supostas virtudes únicas dos blogs como criadores do futuro. Não, tal como disse no livro, no post e na entrevista, os blogs não são revolução nenhuma, nem com Nietzsche nem com Agostinho da Silva à mistura. São mais do mesmo. Do mesmo de sempre, agora com textos cada vez mais curtos (o digital permitia dispor de mais espaço, ainda se lembram do que se dizia no início?), para gente cuja experiência de escrita e de leitura se faz por mensagens de telemóvel que se escrevem sozinhas.
Não é uma condenação, é uma constatação. E se há excepções (por o
Esplanar ser uma eu passei a escrever nele), elas não mudam a regra. Esta só mudará se, e quando, a próxima moda chegar (será o V-log, que já existe?) e os vivaços passarem a ela, com o discurso crítico a ganhar uma preponderância na «blogosfera» que até hoje nunca esteve perto de ter. O que eu duvido, mas não me importo de escrever como se acreditasse.
CL
PS- A entrevista está editada de forma bastante fiel, o que eu bem sei ser complicado. Um ou outro pormenor, como na questão dos estrangeirados, não me impedem de rever nela a conversa. A crítica ao volume I surpreendeu-me pela positiva, desde logo por ser a esse volume. E as fotos de Leonardo Negrão são muito melhores do que eu supunha ser possível.