Na sua habitual crónica no Público, Maria Filomena Mónica refere-se à entrevista que dei a Pedro Mexia (DN de 11 de Agosto). Primeiro temi, ao reparar que tinha percebido a minha referência crítica ao livro do meu antigo (e grande) professor José Gil,
Portugal, hoje. Mas depois respirei de alívio. Afinal, não havia nada novo na prosa.
Filomena Mónica afirma que essa referência crítica não me impediu de concluir no mesmo sentido de José Gil (p. 71, 1ª coluna); essa conclusão está errada porque ela não tem medo de existir (2ª coluna); e que ao contrário desta abordagem psicologizante, só com a história o debate sobre as características nacionais não será uma «imbecilidade» (3ª coluna). Sobre estas três afirmações, três comentários.
1) Nem José Gil, nem Eduardo Lourenço (que também cito), nem eu precisamos de qualificar as afirmações de Mónica como imbecis, logo não discutirei nesses termos as de Gil (é das teses dele que se trata, apesar de Mónica as imaginar «post-modernistas»).
2) Apesar de formada em Filosofia, Maria Filomena Mónica parece ignorar Lógica. É possível falar do medo de existir apesar de haver portugueses sem esse medo (em proporções grandes, pelo menos). Aliás foi por não o ter em excesso que Gil escreveu. Mas Filomena Mónica também deve pensar que, por não gostar de futebol, não se pode dizer que os portugueses gostam de bola. Não é falta de lógica, é falta daquilo que um autor francês disse ser o que está mais bem distribuído no mundo (bem sei, o autor era francês…).
3) Quanto ao que eu disse: eu não concluo o mesmo que José Gil. Referi-o, em resposta ao Pedro Mexia, e referi-o para o contrariar. É que, tal como Filomena Mónica, penso que a tese de Gil não colhe, precisamente por, ao contrário do que ela conclui, o medo não ser «eterno». Isso está claro no livro que originou a entrevista e na entrevista fica também claro. Primeiro, digo que o medo foi objecto de análise (que Gil ignora) por críticos («pessoas singularmente destemidas»). Depois, as tais críticas à tese de Gil («ignora as ciências sociais» – não apenas a História, portanto -, «ponto de vista inteiramente abstracto»). E concluo: a europeização provocou «muitas mudanças».
Se me dou a este esclarecimento, é por ter ficado espantado. Não com o trauliteirismo da autora, já conhecido. Não com a falta de lógica, comprovada. Nem sequer com a incapacidade de ler a entrevista (por favor, não leia o livro!). Não, espantou-me uma coisa positiva: Mónica disse o nome de quem falava, o que é muito invulgar em Portugal. E isso é valioso justamente por exibir o fim do medo, e exemplificar (pobremente, de facto) as razões que me levam a não aderir à tese de Gil, demasiado vaga, e à tese de Mónica segundo a qual (cf. fim da crónica) «tal como sucede no caso de uma pessoa a memória de uma nação é a base da sua identidade». Aqui podia falar-lhe dos erros do construtivismo (Hayek), mas no fundo bastava ler Eduardo Lourenço (tal como sugiro na entrevista, aliás). Adiante.
Agora que já tenho o alívio deste insulto espero pelos seguintes. Mais explicações no final da entrevista ao DN...
CL
PS – Também no Público de hoje (p. 9), surge o post de ontem de Rui Bebiano, no A Terceira Noite, que aqui destaquei. Sem indicação do blog, espero que com o acordo do autor. Suspeito que o Público não quererá fazer o mesmo com este post, o director tem já currículo em silenciar o que desagrade à colaboradora (dizem «fontes da redacção do jornal», para usar uma fórmula agora bem quente). Caso para dizer que esta gosta de debates mas o jornal onde colabora nem por isso. E por isso mesmo fica aqui no Esplanar, onde João Pedro George já escreveu o bastante sobre Filomena Mónica.