Em comentário à primeira parte de um post de Sérgio Lavos, no
Auto-Retrato, este conjunto de notas sobre a recepção dos blogs e suas recíprocas influências não é um conjunto fechado. Desde logo, aguarda a anunciada continuação da «reflexão» (termo preferido por SL a «discurso crítico»). Daí terminar com uma pergunta.
1) Quando, no Suplemento 6ª (DN de 18 de Agosto), disse a Pedro Mexia que os blogs são hoje veículo privilegiado para a crítica referia-me ao discurso crítico (visão da sociedade moderna) e não à crítica especializada (de discos, livros, etc.), que predomina nos jornais. Espero que no contexto isso tenha ficado claro. Daí ter também salientado, provocado amigavelmente pelo Pedro Mexia, que a liberdade permitida nos blogs, a de edição, é decisiva. Mais do que o espaço concedido ou o seu destaque num conjunto de outros assuntos, como numa publicação tradicional, a escolha de algo e sua análise ou comentário – desde que crítico, não acrítico – proporcionada pelo blog permite uma liberdade que de outro modo o crítico, dentro de uma instituição maior, não teria. Mesmo se para isso tem de fazer outros sacrifícios (rendimentos, acesso ao grande público, visibilidade nos media tradicionais vocacionados para este…).
2) Por isto, diferencio entre blogs que reproduzem o que se faz na comunicação social tradicional, a maioria, e aqueles que fazem, ou querem fazer, diferente. Chamarmos a essa diferença uma opção pela crítica ou uma opção pela reflexão, parece-me igual. Já depois do seu post «o mal dos blogs (1)», SL aceita coisas que eu não aceito (ver «O crítico responde») mas não será isso que nos irá separar para já. É quando, ao escrever sobre os males dos blogs, SL fala em gerações, que, tal como sucedeu na entrevista do DN, eu me permito objectar. Não vejo novas gerações a surgir, muito menos organizadamente, mas aprecio o facto de SL dizer os nomes em que pensa em vez de usar as fórmulas gastas de sempre («certas pessoas», «alguns», etc.). Os nomes que escreve, num elenco com o qual concordo genericamente, exemplificam mesmo o meu ponto: uma nova geração (de 70 ou outra) não é forçosamente uma geração com novidades instantâneas.
3) Tanto quanto vi, o sucesso público dos blogs fez-se pela reprodução da visibilidade dos seus autores num novo formato de distribuição. Assim, não espanta que os blogs mais visitados sejam os de Pacheco Pereira e Francisco José Viegas (e daí os ataques que sofreram recentemente, tentativas de parasitagem), nem a simulação de um blog do MEC. Mesmo articulistas menos evidenciados, como eu, o Pedro Mexia ou o João Pedro George, já tinham anos de escrita antes de adicionarem (não foi troca, abandonando o resto) aos seus meios o blog.
4) O novo formato gerou novidade? Alguma, sim, sobretudo no estilo desenvolto (enfim, uma «referência»!). Mas mais do que isso recuperou o marialvismo, o caceteirismo e outros vícios ainda piores que referi na entrevista. Casos? A disputa entre Blog de Esquerda e Coluna Infame (e o fim desta) ou o blog «muitomentiroso», para dar apenas dois. Hoje nada disso desapareceu, mas o entusiasmo diminuiu e sobressaem os que querem fazer diferente. Quem me chamou a atenção para isto foi o JPG, ao convidar a juntar-me ao Esplanar.
5) A moda passou um pouco. Ficou quem já escrevia, com maior visibilidade nos sítios onde já escrevia. Mas se virmos bem, o que se escreve num jornal e num blog pouco varia, o formato não é decisivo nos conteúdos, mais será na gestão de imagem. Veja-se a reprodução dos textos de jornal nos blogs, com um pequeno atraso. Por agora, aliás, parece-me que quem surgiu no espaço público apenas e só nos blogs quase não surgiu. Há excepções, admito, mas não me parece que alterem muito o que descrevo. Isto também está ligado ao problema da criação de púbicos, sobre o qual também já escrevi um pouco, e que reproduz em parte o problema que as TV’s interactivas experimentaram: o público, ao contrário dos autores, não quer editar. Quer participar como num clube, mandando bocas nas caixas de comentários ou enviando a sua pequena contribuição para o blogger, que depois coloca on-line. Muita da relação entre bloggers passa também um pouco por aqui, há fenómenos quase de vassalagem ou quase de sociedade de elogio mútuo, mais (parece-me) do que de troca aberta e confiante de pontos de vista (como o Esplanar deve a sua visibilidade muito mais ao JPG do que a mim, sinto-me ainda um pendura desajeitado quando tenho de lidar com esses fenómenos aqui, hesito bastante no protocolo). Isto não espanta tendo em conta o papel que o medo desempenha nas relações sociais de uma sociedade com baixa confiança institucional como é a portuguesa. E os blogs não podem mudar isso de repente, nem por si sós.
6) Quando surgir a próxima moda (presumo que venha a ser o videolog), lá encontraremos as estrelas da TV e os craques da bola misturados com recém-chegados e opinion makers, enquanto não se procede a nova selecção. Só nessa altura, suponho, será possível começar a ver os blogs como um processo já estável para análise. Ela já é possível agora, mas sempre sob pena de interferir na experiência que se quer acompanhar. Nunca deixará de ser assim, em parte, mas por enquanto parece ser assim quase em tudo. Com a agravante de tais tentativas revelarem apenas uma vontade de influenciar um pouco excessiva (a autocrítica faz o crítico, já o escrevi no século XX…).
7) Enquanto tudo isso não acontece, uma observação ao que Sérgio Lavos diz a meu respeito. Concordando com o que escreve sobre a autonomia que a nossa (presumo que seja a dele) faixa etária adquiriu nos blogs, penso que também no meu caso o facto de escrever há 11 anos (comecei em 95, entrei neste blog em 2006) é o aspecto decisivo. Mesmo que aqui tenha uma legibilidade que não tinha nem no Expresso (o que acredito, por não confundir legibilidade com visibilidade, em função do que escrevi acima sobre liberdade de edição), o facto é que o meu trabalho não é este, e não apenas por falta de anunciantes aqui (aspecto a resolver, esperamos). É por não ser possível fazer o que me interessa num blog, mas apenas em livros; o caso que SL refere, de Luís Carmelo, é muito frequente entre quem escreve nos blogs, a questão em cada caso está em ver se chega ou não a haver trabalho mais duradouro do que este. Para o blog reservo aquilo que é ocasional, descomprometido, menor. Local de exercício de crítica, ou reflexão, sim; mas sem pensar que será nesse local que se vão gerar diferenças de maior. Podem ser aqui ensaiadas, mas, a terem futuro, tê-lo-ão noutro sítio, de outra forma. Falo apenas por mim, bem entendido.
8) Como isto já vai longo, fica a pergunta. Quando SL observa que, num sentido, eu, JPG, Rui Tavares, e eu acrescentaria o próprio Sérgio Lavos, estão mais em público por causa nDos blogs e, «noutro sentido», está Pedro Mexia, e outros, calculo que se refira a um corte Esquerda/Direita. Será? Não me incomoda a diferenciação, embora não seja, como já disse, a que eu mais valorizo. Mas fico à espera de saber melhor antes de continuar.
CL