O actual revisionismo em torno da Guerra Civil de Espanha tem sido bem criticado em vários blogs, que topam facilmente a agenda ideológica redutora que os move. Na mesma linha, aliás, as tentativas (em
O Amigo do Povo) de apresentar não os católicos mas a Igreja Católica como resistente ao nazismo e fascismo.
Este revisionismo não espanta, atendendo ao já longo ataque à I República, que em muitos aspectos teve um destino paralelo ao da República espanhola, como depois o viriam a ter as duas ditaduras. É um revisionismo que reduz a questão a uma escolha entre ditaduras (ou Fascismo ou Comunismo), dando de barato o fim do liberalismo «à século XIX» sobre o qual esse combate se travou. Mas onde um Vasco Pulido Valente ainda tem uma noção disto, que usualmente evita mencionar para manter o argumento ao nível mais acessível, os seguidores (Rui Ramos, Luciano Amaral) tendem a esquecê-lo com uma facilidade própria de quem tem por missão provar a sua superioridade face ao «politicamente correcto» (que, no caso, nem sequer verdadeiramente existe; a este respeito, e para o caso espanhol, ver o artigo de ontem de Mário Mesquita no
Público). Ora, o fim do liberalismo, a cultura política que definiu a modernidade por toda a Europa mas nunca na Península, é a verdadeira questão. O mais interessante estudo sobre o assunto que conheço é o de António Pedro Mesquita (
O Pensamento Político Português no Século XIX, INCM, 2006), e ainda ontem na revista
Pública, em entrevista a Nuno Gonçalo Monteiro, a relevância do tema foi salientada.
O relativo sucesso do pensamento liberal em Portugal e em Espanha na viragem do século XIX para o século XX (e há variações relevantes entre os dois países) não foi comparável ao que se verificou na Europa ocidental, e com naturalidade encontramos na vida intelectual e política de ambos os países uma oposição entre «castiços» e «estrangeirados» (uso os termos de Portugal) que marca bem a conflitualidade entre isolacionistas e europeístas. O conflito entre comunistas e fascistas não podia ter na Península o mesmo significado que tinha na restante Europa ocidental por não haver deste lado dos Pirinéus a mesma modernidade. Mais do que um combate entre visões extremadas da modernidade como foi noutros países, o combate ibérico foi entre os que tentaram a modernização de sociedades tradicionais (e houve-os em ambas as repúblicas) e os que quiseram superar (comunistas) ou destruir (fascistas) essa modernidade. Isto são tipos-ideais, na verdade houve quem mudasse de lado, e por isso o melhor é ver os casos concretos. Em Portugal o caso de Fidelino de Figueiredo merece atenção, em Espanha, o de Ortega já a vai tendo. Trata-se de diferenciar, não de amalgamar, e a crise ibérica do liberalismo teve mesmo interesse europeu – justamente por causa da Guerra Civil.
CL