ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

segunda-feira, julho 24, 2006

 

Rever a crise do liberalismo

O actual revisionismo em torno da Guerra Civil de Espanha tem sido bem criticado em vários blogs, que topam facilmente a agenda ideológica redutora que os move. Na mesma linha, aliás, as tentativas (em O Amigo do Povo) de apresentar não os católicos mas a Igreja Católica como resistente ao nazismo e fascismo.
Este revisionismo não espanta, atendendo ao já longo ataque à I República, que em muitos aspectos teve um destino paralelo ao da República espanhola, como depois o viriam a ter as duas ditaduras. É um revisionismo que reduz a questão a uma escolha entre ditaduras (ou Fascismo ou Comunismo), dando de barato o fim do liberalismo «à século XIX» sobre o qual esse combate se travou. Mas onde um Vasco Pulido Valente ainda tem uma noção disto, que usualmente evita mencionar para manter o argumento ao nível mais acessível, os seguidores (Rui Ramos, Luciano Amaral) tendem a esquecê-lo com uma facilidade própria de quem tem por missão provar a sua superioridade face ao «politicamente correcto» (que, no caso, nem sequer verdadeiramente existe; a este respeito, e para o caso espanhol, ver o artigo de ontem de Mário Mesquita no Público). Ora, o fim do liberalismo, a cultura política que definiu a modernidade por toda a Europa mas nunca na Península, é a verdadeira questão. O mais interessante estudo sobre o assunto que conheço é o de António Pedro Mesquita (O Pensamento Político Português no Século XIX, INCM, 2006), e ainda ontem na revista Pública, em entrevista a Nuno Gonçalo Monteiro, a relevância do tema foi salientada.
O relativo sucesso do pensamento liberal em Portugal e em Espanha na viragem do século XIX para o século XX (e há variações relevantes entre os dois países) não foi comparável ao que se verificou na Europa ocidental, e com naturalidade encontramos na vida intelectual e política de ambos os países uma oposição entre «castiços» e «estrangeirados» (uso os termos de Portugal) que marca bem a conflitualidade entre isolacionistas e europeístas. O conflito entre comunistas e fascistas não podia ter na Península o mesmo significado que tinha na restante Europa ocidental por não haver deste lado dos Pirinéus a mesma modernidade. Mais do que um combate entre visões extremadas da modernidade como foi noutros países, o combate ibérico foi entre os que tentaram a modernização de sociedades tradicionais (e houve-os em ambas as repúblicas) e os que quiseram superar (comunistas) ou destruir (fascistas) essa modernidade. Isto são tipos-ideais, na verdade houve quem mudasse de lado, e por isso o melhor é ver os casos concretos. Em Portugal o caso de Fidelino de Figueiredo merece atenção, em Espanha, o de Ortega já a vai tendo. Trata-se de diferenciar, não de amalgamar, e a crise ibérica do liberalismo teve mesmo interesse europeu – justamente por causa da Guerra Civil.
CL



<< Home


--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Arquivo

julho 2004   agosto 2004   setembro 2004   outubro 2004   novembro 2004   dezembro 2004   janeiro 2005   fevereiro 2005   março 2005   abril 2005   maio 2005   setembro 2005   outubro 2005   novembro 2005   dezembro 2005   janeiro 2006   fevereiro 2006   março 2006   abril 2006   maio 2006   junho 2006   julho 2006   agosto 2006   setembro 2006   outubro 2006   novembro 2006   dezembro 2006   janeiro 2007   fevereiro 2007   março 2007  

Outros Blogues

Abrupto
Alice Geirinhas
Álvaro Cunhal (Biografia)
AspirinaB
Babugem
Blasfémia (A)
Bombyx-Mori
Casmurro
Os Canhões de Navarone
Diogo Freitas da Costa
Da Literatura
Espectro (O)
Espuma dos Dias (A)
Estado Civil
Fuga para a Vitória
Garedelest
Homem-a-Dias
Estudos Sobre o Comunismo
Glória Fácil...
Memória Inventada (A)
Meu Inferno Privado
Morel, A Invenção de
Não Sei Brincar
Origem das Espécies
Portugal dos Pequeninos
Periférica
Prazeres Minúsculos
Quarta República
Rui Tavares
Saudades de Antero
Vidro Duplo











Powered by Blogger

This page is powered by Blogger. Isn't yours?