No Corta-Fitas, há poucos dias, um post em duas prestações observava a falta de intelectuais na Imprensa (e comunicação social em geral) e a falta que fazem. Permito-me discordar pelos motivos que já escrevi, aqui mesmo, há algumas semanas (em «A crítica não morreu, mudou de função»).
Mas tem interesse a ideia de «falta de intelectuais», ela dá ao tema da alternativa que os blogs representam à comunicação social algo valioso, aliás herdado da Imprensa, a função compreensiva da comunicação; isto é, atribui aos blogs a possibilidade (e a conveniência) de dar uma «visão do mundo» complexa, articulada e autocrítica. Nela, a edição escolhe e relaciona o que é dado a ver/ler
com sentido, cumprindo assim uma função de mediação social. Ainda ontem, numa reportagem da SIC, dizia-se que este ano será o do video na net, com a aposta dos industriais do ramo a cair na comercialização de webcams; faz sentido, os blogs já começam a perder espaço para os V-logs, videologs, de acordo com a norma de a imagem substituir o texto, sobretudo se a imagem estiver em movimento. Assim, com a relativa obscuridade a envolver os blogs, em parte obsoletos se atendidas as possiblidades da técnica, pode dar-se o caso de o lixo anti-intelectual presente neles desde o início ser vazado para a nova moda videológica e, com isso, o discurso crítico ganhar neles uma preponderância até aqui impossível. Eu não acredito, mas pode ser. Só que isso não resolverá a questão do papel dos blogs e da sua influência (aliás quase sempre discutida de modo inteiramente superficial, mesmo onanista).
A mediação a promover nos blogs implicará o contrário do aforismo (tendencialmente críptico) e do diarismo (tendencialmente subjectivo), ela terá de cumprir aquilo que antigamente se chamava «linha editorial», sem necessariamente envolver nisso um compromisso ideológico. Mas requer uma «visão do mundo» feita da articulação daquilo que se escolhe e se destaca. Como um livro de Nietzsche, que não se lê aforismo a aforismo, mas no seu
conjunto. Contudo, isso significa criar um público, e não apenas escrever entre blogs. Um novo espaço público, como o que os media modernos criaram e que entretanto foi convertido em espaço de entretenimento de massas. Como as experiências de interactividade com o público nunca alcançam o sucesso pretendido, talvez seja correcto partir do princípio que o público dos blogs tende a ser passivo (ou anónimo, o que é ainda pior). Pelo que o problema é o de criar esse público, desde logo com hábitos de leituras que não sejam os de SMS que se escrevem automaticamente...
Continuo amanhã, mas não resisto (até por este ser um tema fundamental do pensamento liberal) a recomendar leituras a quem julgar que as oposições de Pacheco Pereira entre «Estado mínimo» e «Estado máximo» servem para alguma coisa que não seja da ordem (pobre Freud!) «pulsional»: Francis Fukuyama,
A Construção de Estados (Gradiva, 2006). Só o primeiro capítulo basta para explicar o motivo pelo qual o liberalismo não é só gritar «liberdade, liberdade», como se esta se fizesse à custa do Estado e não em relação com o seu âmbito e a capacidade para cumprir as suas funções dentro desse âmbito. E mais não digo, por ir publicá-lo na
Prelo nº2.
CL