As TV's interessam-se pelo Médio Oriente por ser um bom fornecedor de dramas pessoais, situações de guerra e imagens fortes. E fazem bem, é um negócio de volume e que obriga a manter o público (as massas) fiel a um guião simples de segir mas sempre com possibilidades de reviravolta.
Já a excitação nos jornais e blogs em torno do assunto é mais complicada. Aquilo que se vê não é nenhuma preocupação internacionalista (seja com o governo do mundo, seja com o preço dos combustíveis), nem sequer paroquial (as comunidades judaica e árabe portuguesas são discretas). A excitação segue o modelo celebrizado pela grande Fátima Campos Ferreira no seu Prós e Contras: quem está por Israel? Quem está pelos árabes? Mas, como a distância é muita e os efeitos ainda não se fazem sentir no bolso, a coisa evolui para os
termos locais: quem é comuna (logo anti-semita)? Quem é lacaio de Bush (logo anti-árabe)? No primeiro termo, Diogo Pires Aurélio, Vasco Graça Moura, Eduardo Pitta; no segundo, Vital Moreira, Louçã e o PCP (aqui coligado com a extrema direita, como se viu bem no Kontratempos). Há quem tente enquadrar a coisa em termos mais interessantes, como Rui Bebiano, António Costa Pinto ou Medeiros Ferreira, mas sem sucesso. O que interessa é animar a malta com uma polémica de Verão (a nossa versão das guerras de Verão de outros tempos) em que o Médio Oriente é apenas um pretexto, como o caso de um abaixo-assinado recente bem ilustra: quem assina não passa (para os primeiros) de idiota útil, esteve calado noutros casos, é, sempre foi e será para sempre, estalinista; quem não assina (para os segundos) quer a crise, a opressão e a próxima Guerra Mundial.
O triste é que isto nem sequer é novo. Num livro esquecido de Adolfo Casais Monteiro
(O país do absurdo, ed. República, 1975), que estou a prefaciar para publicação nas Obras Completas de Casais, já se notava como a redução da oposição portuguesa a comunistas visava permitir combater todas as oposições e todas as liberdades, não defender qualquer ordem. Casais, que não era comunista nem sequer neo-realista, percebeu bem como o anti-comunismo era apenas uma forma dissimulada (ou implicada) de defesa do regime - o que é natural num país onde o anti-comunismo sempre foi maior do que o comunismo. Onde a anti-liberdade nunca desiste de se vingar das liberdades.
A redução quase imediata do conflito no Líbano e na Palestina (na verdade dois conflitos, em que até se pode apoiar Israel num e não no outro) às querelas da nossa Esquerda/Direita demonstra bem como o «anti» (Israel ou árabes, tanto faz) é o espírito perene da nossa incipiente discussão pública. E não surpreende, portanto, que se discuta ao nível do Manuel Germano coisas tão distantes de nós, enquanto se passa em claro as realidades nacionais que só um debate ideologicamente claro poderia mudar. Da justiça à educação, tudo o que se poderia discutir com proveito em termos de Direita e Esquerda só é desejado como objecto de um «pacto de regime». Não se discute aquilo que se pode mudar, só aquilo que a discussão deixará inevitavelmente na mesma.
É o pacto de regime do país do absurdo.
CL