Tinha prometido não voltar ao assunto. Mas esta não se pode calar. Há coisas que cumpre dizer. Quando meses atrás levantei a lebre dos jornalistas (do
Diário de Notícias) a escreverem sobre os livros de uns e de outros e no jornal onde uns e outros trabalham, muita gente cerrou fileiras. Porque exagerava, porque as coisas não eram bem assim. Hoje, manuseava eu o suplemento de sexta-feira do
Diário de Notícias, deparo-me com duas páginas (22-23) assinadas por João Céu e Silva sobre
Retrovisor - Biografia Musical de Sérgio Godinho. O autor do livro? Nuno Galopim. Sabem quem é? Nada mais nada menos que o editor máximo do suplemento, aquele sobre quem recai a responsabilidade de escolher as obras e os autores que merecem atenção, divulgação e avaliação crítica. Talvez não me tenha explicado bem. É melhor dizê-lo duas vezes, para terem a certeza: Nuno Galopim, o director do
6ª, considera normal e decente que os jornalistas que estão sob as suas orientações lhe promovam os livros. Mais. Depois de deliberar favoravelmente a publicação desse amável texto sobre o seu próprio livro, Galopim, no auge da sua modéstia, decide também publicar no «seu suplemento» um excerto do segundo capítulo do livro (o seu, claro). Se queriam uma demonstração matemática da promiscuidade, da falta de profissionalismo e da esperteza lorpa, ela aí está. E que dizer do benemérito João Céu e Silva, de braço dado com o seu editor? Que se prestou, lamento, ao triste papel de grumete de luvas brancas.
Continuo a folhear o suplemento e logo na página seguinte, a 24, um texto assinado pelo próprio Nuno Galopim, zurzindo inapelavelmente em duas obras sobre António Variações:
Muda de Vida, antologia da obra escrita de Variações; e
Entre Braga e Nova Iorque, de Manuela Gonzaga. Trata-se, para Galopim, de «duas oportunidades perdidas, uma (a biografia) enfermando de evidente falta de bom trabalho de edição e com liberdades estilísticas de gosto duvidoso, a outra pouco povoada de "extras" capazes de contextualizar aquela escrita no seu tempo». Dito de outro modo, o livro de Manuela Gonzaga «acaba medíocre», a antologia «denuncia uma falta de conhecimento do objecto em mãos». Ou seja, primeiro temos um Galopim genial escritor de biografias de músicos, promovendo-se à custa do jornal onde trabalha, depois um Galopim juiz implacável. Que moral é que tem Galopim para julgar os outros quando ele próprio se revela incapaz de ser juiz de si próprio?
Se tudo isto não é a suprema expressão de que o bacilo oportunista não é uma aberração ocasional, antes está sempre a acontecer, vou ali e já venho.
João Pedro