Há semanas, na Casa Fernando Pessoa, Vasco Graça Moura, Maria Filomena Mónica, Clara Ferreira Alves, Gonçalo M. Tavares e Guilherme Valente falaram sobre os clássicos da literatura portuguesa e a importância de os ler e ensinar nos liceus. Para que é que servem os clássicos? Apenas para transmitir uma qualquer competência linguística? Ou porque aí são transmitidos alguns dos valores centrais das nossas sociedades? E que valores? Sobre isto ninguém ali se pronunciou, optaram todos pela ladainha do costume: o país analfabeto, as escolas inúteis, os professores ignorantes, os alunos uns selvagens sem remissão. Defendeu-se a política de terra queimada e chegou-se até (Maria Filomena Mónica, com um humor negro que não lhe conhecia) a defender o «fuzilamento» de todos os professores (o que motivou protestos, gritaria, saídas intempestivas dos professores ali presentes, e não eram poucos). Clara Ferreira Alves, a dada altura, referiu o caso francês como exemplar: nas escolas gaulesas os clássicos são de leitura obrigatória, lê-se, vejam só, Racine (porque rima com Graham Greene, presumo, vindo, como veio, da cabeça Ferreira Alves). Esquecida e enterrada aquela noite até ontem, lia eu a revista «L'Express» no bar Papagaio, algures numa praia algarvia. Logo no editorial, Denis Jeambar, o director, afirma: «Se o primeiro dever da República é oferecer a cada francês as duas bases indispensáveis ao exercício da cidadania - a leitura e a escrita - somos obrigados a reconhecer o fracasso.» E continua: «Situação intolerável, incompreensível mesmo, quando milhares de euros foram investidos no sistema educativo. A França consagra mais de 7% do seu PIB à formação dos seus jovens, um investimento superior à média europeia. São os programas e os métodos que estão em causa». À medida que avançava na revista, notícias várias dando conta de: 1 professor em cada 2 estima que os programas são «desadequados» para o ensino, mais não sei quantos professores agredidos nas salas de aula, agravamento da violência escolar, agressões, etc. Mas então e o Racine?, perguntava eu à minha perplexidade. Sem respostas, continuei a folhear a revista. Na página 15 esta frase: «os franceses têm por hábito denegrir a cultura francesa». Ora, ora... até nisso?