Soube ontem da morte de Martin Adler. Há vários anos atrás traduzi e ajudei a traduzir várias reportagens dele, nos mais diversos sítios, sempre publicadas na
Grande Reportagem (durante a direcção de Francisco José Viegas). Nunca o conheci pessoalmente, só mantive alguns, poucos, contactos por mail. As reportagens estavam geralmente escritas num
broken English que obrigava a reescrevê-las, e lembro-me que as últimas que me passaram pelas mãos chegaram às prestações, primeiro o fim, depois o princípio, a seguir o meio, enfim, ele claramente tinha demasiado trabalho, e trabalho demasiado exigente, para poder estar com formalismos de acabamento. Nesses contactos sempre foi cheio de humor e disponibilidade, nunca se julgou carapau de corrida nem se fez de esquecido a responder - um exemplo.
Morreu na Somália, o tipo de sítio onde ele costumava estar a trabalhar. As reportagens acabavam por ser quase todas do mesmo género: AK-47's, mortes, muita gente em muito mau estado, incerteza quanto ao desfecho de tudo... Agora, não havendo dúvidas quanto ao seu fim, tenho de novo pena de não poder ler sem algumas reservas
O Futuro de uma Ilusão (Freud no seu melhor iluminismo) e a convicção no necessário desvanecer da influência religiosa. No caso de Adler parece que morreu às mãos dos Tribunais Islâmicos, que ainda há pouco tempo li (numa crónica de José Cutileiro no
Expresso) também condenaram um homem à morte por facada mandando o seu filho de 16 ano executá-lo - o tipo de coisas que líamos nas reportagens de Martin Adler. Mas podia ser outro tribunal monotonoteísta qualquer, sempre que têm poder para isso nunca perdem a oportunidade de mostrar os seus pacíficos intentos. É isso que significa a paz deles, paz eterna.
Nas reportagens de Martin Adler não me lembro de paz, mas lembro-me da humanidade de quem as fazia. Qualquer leitor pode comprová-lo, se ainda conseguir encontrar uma
Grande Reportagem.
CL