Discute-se, em França, a concentração dos media, empresas que controlam, simultaneamente, canais de televisão, jornais, revistas, editoras e respectiva distribuição no mercado. Um exemplo apenas: o grupo Lagardère, que ocupa o primeiro lugar na edição de livros (domina, entre outras, as editoras Hachette, Fayard, Hatier, Hazan, Le Masque, Marabout, Pluriel, Stock, Le Livre de Poche e, mais recentemente, Larousse, Armand Colin ou Dalloz et Dunod; além deste controlo directo, a Lagardère domina ainda a distribuição de livros ou detém capital accionista em outras editoras); possui o segundo maior número de livrarias em França (rede Relay e lojas Virgin); é o maior editor de revistas (
Paris-Match,
Elle, etc.); detém uma fatia importante dos jornais generalistas (
Journal du Dimanche,
La Provence,
Nice-Matin, etc.); é proprietário de rádios (Europe1, Europe2, RFM, etc.) e de televisões (Canal J, MCM, CanalSatellite, etc.).
Resumindo e baralhando, o grupo Lagardère tem ao seu dispor uma ampla rede para divulgar e promover os seus livros através dos diferentes meios de comunicação que controla ou através dos mecanismos publicitários do grupo, isto para não falar do próprio conteúdo daquilo que é escrito nos jornais e revistas de que é proprietário. Traduzo um excerto de um comunicado do
Observatório Francês dos Media :
«Para uma multinacional, o livro é uma mercadoria produzida com o único objectivo de gerar lucros. Para fazer face às exigências de rendibilidade do grupo, as filiais cada vez mais adoptam os métodos de marketing da indústria, o que os leva a recusar manuscritos que não são considerados suficientemente rendíveis no curto prazo (qualquer que seja a sua qualidade) e a seleccionar manuscritos segundo critérios que nada têm que ver com o seu conteúdo intelectual ou cultural: mediatização do autor, assunto ou tema passível de provocar polémica nos media, etc. Como resultado desta concentração, o sucesso deixa de estar dependente de actores autónomos (críticos, livreiros, leitores...) para passar a depender da capacidade dos grupos de edição para influenciar aqueles que falam de livros, que apresentam os livros, que os dão a conhecer. A concentração, graças à pressão do marketing e ao seu poder de difusão, leva a uma uniformização dos livros, e as mesmas regras de marketing levam à escolha dos mesmos temas para o mesmo público-alvo, etc. A concentração acarreta o risco de censura particularmente no domínio económico e político. Um livro de política, importante para o debate democrático, pode não ser publicado seja porque a sua rendibilidade a curto prazo é fraca, seja porque o seu conteúdo é considerado "sensível" pelos grupos dominantes (o livro critica esses grupos ou as pessoas/empresas que pertencem a esses grupos).»
Uma empresa que domina as várias fases do processo de edição, distribuição, venda e divulgação dos livros (na imprensa, por exemplo) detém um poder incomensurável sobre a informação que circula numa sociedade. Além de editar um livro, essa empresa distribui-o pelas livrarias, muitas delas sua propriedade (dispondo assim dos melhores espaços para promover os seus livros: montras, escaparates, expositores, etc) e pode facilmente fazer com que os jornais e as revistas que possui falem dos livros que eles próprios editam nas respectivas secções de crítica e de recensão. E assim fica completo o circuito.
Em Portugal, ainda não chegámos a este estado de coisas. Tudo indica, porém, que será esse o caminho. Há cada vez mais editoras que possuem as suas próprias empresas de distribuição e as suas próprias livrarias. A Oficina do Livro, além de editar, distribui e vende livros (livrarias Valentim de Carvalho e Editorial Notícias); a editora Almedina (que comprou as edições 70) tem também as suas próprias livrarias; o Grupo Civilização detém as livrarias Bulhosa; a Bertrand edita, distribui e vende a retalho. Quer isto dizer, entre outras coisas, que a decisão de quais os livros a editar passará, sobretudo, pelos gestores das livrarias e pelos responsáveis pela distribuição dos livros. Eles é que sabem, verdadeiramente, quais os livros, quais os temas e quais os autores mais rendíveis e mais lucrativos, o que conduzirá, preve-se, a uma cada vez maior uniformização dos livros editados. O lado positivo é que isso permite às pequenas editoras (como aliás se tem visto nos últimos anos) publicarem os livros que os grandes grupos deixam cair por suposta carência de interesse comercial.
Tanto quanto sei, nenhuma destas editoras portuguesas possui ainda ou controla directamente qualquer órgão da imprensa. Que isso venha a acontecer no futuro, não me espantará. E que quem trabalha nos jornais e revistas se veja obrigado a escrever (jamais cobras e lagartos) sobre os livros que o seu patrão edita, muito menos ainda me espantará.
P.S. Que grandecíssima ingenuidade a minha quando fiz estrilho por causa dos amigos/colegas que nos jornais escrevem uns sobre os outros. Perdigotos, tudo perdigotos...