João Pedro:
Já me tinham avisado sobre o seu país. O José Rodrigues dos Santos é que põe o historiador Noronha a mamar-me o leite, mas eu é que sou a debochada. Já anda para aí um pé-de-vento. Porque a malta do blog é toda muita moderna, mas basta andar carvalhada pelo ar para se corarem faces de efebos e púdicas que só gostam de eufemismo nos lábios. Adiante.
Fechemos então a polémica do momento. Não tendo preparação intelectual para meter demasiado a colher (reservo o gesto para outros Carnavais), fico-me pela experiência do swing de casais, que contém duas palavrinhas-base que muito serviriam à massa crítica do regime: mistério e desconhecimento. Não sei se se lembra: aqui há uns tempos uns bacanos armaram uma cilada a meio mundo literato. Mandaram para prestigiadas editoras textos do VS Naipaul e outro monstro sagrado cujo nome me escapa. Só que a prosa não ia assinada com as doutas letras. Anunciavam-se como caloiros à procura de oportunidade. Resultado? Ó mil vezes foda-se! As editoras recusaram, assegurando que os livros não valiam um chavo. Quando a farsa se deslindou, encaralhamento total. Pois. É exemplo para emoldurar e enfiar na parede, ao lado do poster assinado do Bergman ou da mamalhuda suja de óleo a afagar o mecânico. Conforme os casos.
É o maior pesadelo do crítico. Ter de REALMENTE avaliar um texto, sem referências prévias, sem informação, às escuras. O caralho, portanto. E assim aterramos no swing, desde que seja coisa séria, à Kubrick do
Eyes Wide Shut. A malta entra, fica em pelota e depois recebe umas capas pretas e umas máscaras. Todas absolutamente iguais. Depois anda por ali, em corredores esconsos que desaguam em salões grandes, de lustre no tecto e veludo no sofá, onde se geme e grita e gane, e onde um já intenso travo a alho e cebola nos confirma: aqui não se brinca. Coloca-se então o dilema. Quem é quem. E se um gajo com quem até antipatizo, por me rosnar, malcriado, no elevador do prédio, me dá um fodão de três em pipa? E pensar que se eu soubesse que era ele quem lá vinha, me teria afastado. E aquele em quem deposito tantas esperanças, um moreno dengoso com quem me rocei no yoga, me afasta a capa com mão trapalhona e, em vez de me levar à loucura com minete de arromba, fica para ali especado, hesitante (Mordo? Beijo? Lambo? Mordo? Beijo? Lambo?). Soubesse eu adivinhá-lo no meio da maralha contorcida e teria corrido para o seu tronco de ébano. Já viu, João? Os riscos que correria essa gente se não tem mais que o juízo do momento... Meu Deus, que riscos. E, no entanto, eis-nos perante a única verdadeira democracia, o único crivo fiável dessa cabra a que chamam objectividade, prima dessa virginal seriedade que todo, mas todo o crítico, quando interrogado, garante possuir desde a noite dos tempos.
Não me lixem (repare que não digo “não me fodam”). É espantoso ver a conta em que se tem a maioria dos escrevinhadores de juízo final, incapazes de admitirem que estão encharcados em informação, pré-informação, impressões meramente visuais (Mas este gajo tem patilhas? Onde é que já se viu um escritor de patilhas? Espera lá que já te fodo…). E ainda relatos que lhes chegaram aos ouvidos, suspeitas de que fulano é amigo de sicrano, mais a editora onde publicam, mais o nome que já têm ou não têm na praça (Foda-se, este gajo é um consagrado, deixa-me cá lamber-lhe o cu….Foda-se, que já não há cu para este que tem a mania que é intocável, agora é que vais levar nas orelhas, dinossauro de merda).
Queria vê-los, João Pedro. Queria vê-los pelos salões, às aranhas. É preciso tomates para fechar os olhos e abrir as pernas. Não interessa quem és ou de onde vens. Se sabes realmente montar, hás-de fazer-me um mar de corrimento.
Exercício para crítica: livrinhos sem capa e assinatura. Olari.
Ai o livro era seu, sr. Naipaul? Eu vi logo. Só disse que era uma merda porque estava a reinar consigo.
Sua, Lena