Por defeito profissional, habituei-me a ler mais atentamente a secção de crítica literária do suplemento
Actual (antigo
Cartaz) do semanário
Expresso. E notei sem esforço, divertidíssimo, aquilo que muita gente minimamente conhecedora já sabia: o meio literário português é pequenino, miudinho, feito de capelinhas e igrejinhas onde tudo fica em família e entre amigos. Será falta de pudor? Será ausência de espírito crítico? Ou será mera fatalidade sociológica?
Fernando Venâncio e Ernesto Rodrigues: o comunismo do elogio O melhor deixei para o fim. É um caso de arrepiar os cabelos e torcer as orelhas. É um libreto de ópera cómica. “Fernando Venâncio, professor em Amesterdão” (ele cumprimenta assim, enquanto estende o bacalhau), declarava resolutamente, em 1992, na crónica “Lobbies e Moralidade”: “tornou-se geral a fama sectária da sua redacção literária” [leia-se do
Expresso], chegava mesmo a falar de “clãs” e de “grupinhos”. Assim mesmo, pão pão, queijo queijo. Era de leão! Todavia, desengane-se o leitor. Não passavam de tiros de pólvora seca. Esperteza saloia. Alguns anos decorridos, o suficiente para Fernando Venâncio dar um golpe de rins e algumas cambalhotas, aconteceu o insólito: o professor, imperturbável, no maior dos descaros, sorreitaramente, ingressou no dito suplemento e, como em Roma, sê romano… Números, por ordem cronológica: Fernando Venâncio, tremendo de admiração, elogia
Mágico Folhetim Brilhante de Ernesto Rodrigues (17 de Julho de 1999); Carlos Reis é convidado a escrever sobre
Os Esquemas de Fradique, de Venâncio (11 de Dezembro de 1999); Venâncio, por sua vez, volta a coroar o sorridente Ernesto Rodrigues –
Verso e Prosa de Novecentos – levando-o sobre os ombros (24 de Março de 2001). Penhorado reconhecido agradecido, com o coração nas mãos, Ernesto Rodrigues não foi de modas, vai de escrever três artigos sobre o amigo Venâncio: 2 de Junho de 2001, 14 de Setembro de 2002, 26 de Outubro de 2002. É o toma lá, dá cá do elogio.
Resumindo e baralhando, tudo bons rapazes e a falarem uns dos outros. É preciso ter pachorra!
(excerto de um texto publicado na revista
Periférica, nº 9)