O sucesso económico é um dos grandes objectivos que as sociedades ocidentais inculcam nos seus cidadãos. Para alcançar esse objectivo, as sociedades, naturalmente, colocam à disposição meios legítimos: o ensino e o trabalho árduo. Esta uma distinção fundamental para se perceber o problema do sonho americano da sociedade aberta, analisado no programa de Alain de Botton. A mobilidade social ascendente é possível para todos. Basta querer, basta lutar por isso (seguir os tais meios legítimos socialmente definidos) e nunca, mas nunca desistir.
No final da década de 1950, o sociólogo americano Robert Merton defendeu uma teoria notável que abriu uma brecha na perfeição do modelo. «Social Structure and Anomie» (1957), o nome do artigo onde Merton apresenta a sua visão sociológica do desvio e da marginalidade social. Tradicionalmente, o crime é visto como um comportamento levado a cabo por alguém que transgride, logo rejeita as normas e os valores sociais. Merton veio afirmar o contrário. O que leva muita gente a cometer crimes - como roubar - é precisamente o desejo de cumprir esse objectivo de sucesso económico, mostrar que não se falhou. Viver numa boa casa, conduzir um carro topo de gama, vestir roupas de marca, em suma, consumir conspicuamente, são tudo formas de exibir esta coisa muito simples: eu cheguei lá, eu consegui realizar o objectivo.
A sociedade cria uma apetência quase absoluta pelo sucesso e especifica um conjunto de meios normativamente legítimos para a satisfazer. Todavia, a estrutura de recursos económicos não permite que todos alcancem e cumpram esse objectivo. Ou seja, os meios são escassos. Por exemplo, não há trabalho para todos e, quando há, raramente corresponde às habilitações escolares de cada um. Isso cria frustrações, principalmente entre aqueles que se sentem postos de parte. O desejo continua lá, os instrumentos legítimos para o satisfazer é que falham. Apenas alguns conseguem aceder a eles. O desvio surge quando se verifica esse fosso entre os objectivos culturais e as capacidades oferecidas pela sociedade. A forma como muitos resolvem a situação é virando-se para diversas formas de desvio/crime. Nesta perspectiva, o desvio não é mais do que uma forma alternativa (ilegítima) de alcançar os mesmos objectivos (legítimos). A anomia é assim uma disjunção entre objectivos e meios, entre valores culturais e estruturas sociais/económicas.
Em muitas formas de transgressão o que está em causa não é pois uma rejeição da sociedade e dos seus valores. Pelo contrário, é uma vontade indómita de se sentir integrado, de mostrar que se cumpriu os objectivos propostos. A questão torna-se ainda mais complexa se pensarmos que há profundas contradições entre os valores centrais definidos pelas sociedades: poupança vs. consumismo; trabalho vs. hedonismo; solidariedade vs. competição.
Ansiedade, pois claro. Haverá alternativa? O programa de Alain de Botton continua na próxima semana, segunda-feira, às 22h e 30m. Veremos.