ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

quarta-feira, maio 04, 2005

 



E a Admirável Droga?
A carta que tu me escreveste, quando aquilo saiu, foi a 1ª opinião que me chega sobre a Admirável Droga. Gostava que tivesses sido mais agreste. Não por masoquismo mas porque entendo que o teu adjectivo despudorado é bastante pudico... discreto... delicado... Não estamos em tempos de PIDE, Censura, Clero da Inquisição. Dá-me vontade de rir estas coisas. Eu nem sei o que escrevi. Li agora aquilo como o livro de um outro. Quando revi, em Janeiro de 2001, as provas (ampliadas) escrevi no fundo da página três desabafos, que saíram colados ao texto. Que fazer? Nada. Autorizei a Senhora a fazer o que quisesse… e ela fez bastante, caramba! As pessoas, o que eu tenho visto, prendem-se ao escandaloso, ao insólito, falando vulgarmente, ao ESPECTACULAR. É com elas. Tá bem, é assim. Não havia, creio que ainda não há, em português, originalmente, relatos com homossexualidade, pedofilia e por aí. Não vai tardar muito, creio! Nem eu me arrogo o Vasco da Gama, o Colombo, o Cabral desses “descobrimentos”. Nem está aí o meu objectivo. O Libertino é uma reportagem, escrita de jacto, no dia seguinte aos eventos relatados. Estes casos, dos marujos e da Emília, chegam-me de longe e já têm meio século.

É parecido com o que escreve?
Eu não tenho, creio, grandes dotes de imaginação. A minha fantasia é pobre. Sendo assim, os textos que considero mais conseguidos são autobiográficos. Reportagens de mim. Com um mínimo arranjo estético. Nalguns casos, como o do Libertino, são textos directos, rápidos, sem mastigação. Noutros são uma construção sobre os factos, aquilo a que chamo textos orquestrados, como a Comunidade, por exemplo.

E o livro Mano Forte, a correspondência para o António José Forte?
Quem conheça um pouco da minha vida sabe que eu tive uma vida um bocado atribulada, com fugas de casas, de terras, de mulheres, de ambientes… eu sempre tive o cuidado, quer em Setúbal, quer nas Caldas da Rainha, quer na Macieira, quando aparecia ameaça de ser preso ou ter que mudar rapidamente de casa, de não andar carregado com dossiers cheios de tralha… ficou-me muita tralha perdida para aí… ainda bem que ficou…

Mas gostou, gosta do resultado final?
Dali não vem mal ao mundo. Podia vir se isto fosse uma edição que não tivesse venda. Isto é muito cuidado. Se teve venda alguém ganhou, ganhou a tipografia, ganhou a fábrica de papel, ganhou também o editor… Eu tenho uma certa cagança nisto. Repara, eu estou aqui no quarto, não saio à rua há mais de um ano e de repente estou na montra da FNAC… é uma maneira de sair daqui.

Lembra-se de ter escrito aquelas cartas e aqueles portais?
Não me lembrava de nada. Publiquei cartas minhas para o Forte e do Forte para mim no Pacheco versus Cesariny. Isto é nem mais nem menos o resultado de um gajo que teve uma vida um bocado atribulada, ou variada, salta de Lisboa para Setúbal, de Setúbal salta para as Caldas da Rainha, salta para Almoinha, Sesimbra, salta para Vieira do Minho. As cartas também são para vários sítios porque como o Forte era funcionário das bibliotecas itinerantes andava de Vieira do Minho, Portalegre, Santarém, Tomar…

Qual a memória que guarda do António José Forte?
O que não está aqui feito e também agora não interessa fazer era valorizar, dar o seu justo valor à figura do Forte. Eu tentei convencer o Bernardo Sá Nogueira... não quis, achou que não… O Forte nunca foi um gajo de se evidenciar muito, de se por em bicos de pé… é claro que este livro era uma boa oportunidade de chamar a atenção para o Forte… Olha, não quero falar de mortos. Aqui no lar já há muitos mortos. Aqui está tudo morto. O gajo da cadeira de rodas… Quando passa aqui o cortejo, à hora de almoço, à hora de jantar…

Como é que esta correspondência aparece passados tantos anos?
Um tipo sabe que fulano António José Forte, por exemplo, guardou coisas que lhe mandou, cartas e postais, guardou, morreu, foi parar às mãos de alguém e depois aquilo representa um valor… e então vendem… depois aparece um urubu mais categorizado, com outra perspectiva empresarial e faz a edição. Eu em princípio não posso estar contra isso. De qualquer forma, este livro é uma golpada, é de rabo à mostra… repara, é uma edição de 1000 exemplares a um preço, mais 100 a outro preço, numerados, com mais 30 a outro preço, numerados também, uns em romanos e outros em árabe. É o intuito do alfarrabista a valorizar as cartas que lá tem. Seja como for, livro está cheio de disparates…

Como por exemplo?
O título, desde logo o título. Eu não conheço as cartas nem os postais, mas duas dezenas de cartas e três postais nunca podem ser “cartas fortes”, que era como o Bernardo, no início, lhe queria chamar… há uma carta maior, mas o resto são tudo cartas pequeninas… O Bernardo Sá Nogueira diz sobre estes postais que era “escrita premeditada no pressuposto de publicação”. Isto é um disparate, é a armar em esperto. Quem vê os postais que vêm ali, em fax-simile… então um gajo escreve um postal destes a pensar que vai ser publicado? Eu agora quase não escrevo postais com o objectivo de não serem publicados. Escrevo muito poucos postais e cartas, então, é um caso sério. Aqui já não é o interesse amigo de guardar um papel de um gajo que lhe mandou, aqui é já o interesse meramente mercenário de fazer dinheiro com o papel. No gesto de guardar cartas há uma certa afectividade ou interesse ou coisa que o valha. Um gajo que está numa cadeia, num hospital, numa aldeia, se comunica com alguém, se gosta de comunicar, a carta é um derivativo. Ainda mais nessa altura, no tempo do antigamente, do fascismo, a carta era uma expressão livre, claro que os gajos muitos cautelosos nem cartas nem postais escreviam. Agora eu escrevia imenso… Este livro é uma golpada. É evidente. Por exemplo, a fotografia na capa… é uma maluqueira como outra qualquer… Dá ideia que eu é que sou um exibicionista, que gosta de vir nas capas… é para chamar, para vender mais… Isto faz vender. A fotografia e o nome fazem vender…

Mas os seus outros livros também têm o Luiz na capa…
Mas olha que nunca foi por minha vontade… As edições Contraponto, que são as minhas, não têm fotografia na capa. Vem na Estampa, invenção do senhor Vítor Silva Tavares… depois vem com atributos como as calças curtas, o saco de plástico… opá isso são os chamados bonecos, é a imagem de marca. É um bocadinho por desprezo. Porque eles usam bons casacos. É uma atitude normal do burguês, que goza o marginal, ou que quer gozar…



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