Quando foi preso devido à participação no Golpe do Quartel de Beja.JPG – Mas as suas actividades conspirativas não se ficavam por aí?
EP – Antes já tinha tomado parte da campanha do Norton de Matos. Alinhei no 12 de Março de 1959 e participei no assalto ao Quartel de Beja na noite de 31 de Dezembro de 1961. Eu entrei fardado de capitão, deram-me a farda, estava combinado que eu entrava como oficial. Ainda há dias fui ao funeral de um amigo meu, o Jaime Carvalho da Silva, um dos oficiais do Golpe, foi condenado a 4 anos de prisão. Foi o que acompanhou o Varela Gomes quando iam prender o Calapez. O Varela foi ferido e o Carvalho da Silva, coitado, quis socorrer o Varela, achou mais importante salvar a vida do Varela que prender o Calapez. A coisa deu para o torto, mas alguns de nós conseguimos fugir para o Algarve. Fomos apanhados em Tavira, eu, o Manuel Serra, o então capitão Eugénio de Oliveira e mais três. O Manuel Serra era um dos homens que o Humberto Delgado mandou do Brasil para contactar com alguns oficiais superiores. Ele era o chefe civil, digamos assim. O chefe militar era o próprio Delgado. Chegou nessa noite e levaram-no para Beja. Eu nem sabia que ele lá estava. Em vez de o meterem no quartel pensaram que era melhor aguardar que tudo corresse bem. Depois o Delgado aparecia à frente daquilo. Se ele tivesse entrado no quartel connosco, talvez as coisas tivessem corrido bem.
JPG – Esteve preso quanto tempo?
EP – Fui condenado a 3 anos e 8 meses. Saí com 47 anos. Tinha 43. Foram os melhores anos da idade madura.
JPG – Também fez contrabando com o seu pai, não foi?
EP – Sim. Fiz contrabando mas não era contrabandista. Contrabandista é aquele que vive do contrabando. Eu nunca vivi, tive sempre o meu emprego. Fui desafiado para essas coisas pelo meu pai, porque o meu pai fazia contrabando para o PC. Foi influenciado por aquela história da Sierra Maestra do Che Guevara e do Fidel Castro. Todos nos apaixonámos. É nessa altura que o meu pai vem com a ideia da guerrilha urbana e de arranjar dinheiro para ela. Organizámos então um sistema de contrabando. Durante anos, o PCP viveu, em parte, do contrabando do meu pai. O Avante dirigiu-me algumas piadas a esse respeito. Ora eles deviam era estar calados com essa história do contrabando, porque os maiores beneficiados foram eles…
JPG – Contrabando de quê?
EP – Aquelas coisas que são normais… as que pagam mais direitos... Quando fui à televisão por causa do processo das armas, o Joaquim Letria levou dois mariolas com ele para me enterrarem. Um deles disse que os processos que eu tinha em tribunal militar eram de contrabando de droga. Eu devia ter dado um murro no gajo, devia ter-me levantado…
JPG – Mas já vamos a esse caso do processo das armas e à sua passagem pela RTP. Teve um processo de contrabando e foi preso?
EP – Não. Eu deixei essa história quando vi que o projecto do meu pai não tinha pés para andar. Mas por causa disso ainda levei com um processo alfandegário. Uns tempos depois, chamaram-me à polícia. Porque eu tinha um barco de recreio que julgavam que tinha sido utilizado numa operação de contrabando. Era mentira, por acaso não foi. Eu tinha estado em Paris com a minha mulher, o meu passaporte tinha o carimbo. Foi fácil de provar. De maneira que estive preso uns dias e mandaram-me embora. Foi nessa ocasião que conheci o escritor Luiz Pacheco no Limoeiro.
JPG – Já o conhecia, sabia quem era?
EP – Conhecia de nome. Como escritor. Quando o conheci pessoalmente já tinha lido algumas coisas dele. Eu achava-lhe piada. Tem uma maneira de ser muito própria. É um tipo giríssimo. Quando soube que eu era da oposição tornámo-nos amigos.
JPG – Como é que passavam o tempo no Limoeiro?
EP – Lembro-me que jogávamos muito ao xadrez. O Pacheco ganhava quase sempre, nunca fui grande jogador de xadrez. E conversávamos. Eu contei-lhe a minha história, ele contava-me a vida dele. Não fazia segredo de nada. As histórias dele na cama com a mulher e os filhos nas gavetas dos armários. O Pacheco faz gala da miséria dele, é um bocado assim. É um tipo completamente descontraído, é um tipo que não guarda nada nem se resguarda de nada. Ele ostenta a sua miséria, no fundo especializou-se em ostentar o que há de pior na vida dele. Porque ele tem lados muito bons, muito bonitos. E é um companheiro. Eu pessoalmente gosto muito dele. De maneira que ficámos amigos. De vez em quando escrevia-me uns postais dos CTT a dizer que ia mandar um livro, que custa tanto, para lhe mandar umas massas. Mandava-lhe sempre mais, e foi assim, tem sido assim ao longo do tempo. Agora quero ir visitá-lo ao Príncipe Real…