A segunda refeição passa-se em 1909, na Palermo das festas sumptuosas dos novos-ricos e dos aristocratas que sobreviveram à derrota dos Bourbons de Nápoles. No dia 12 de Março, Don Vito Cascio-Ferro, patrão incontestado em mais de metade da Sicília, foi almoçar a casa do deputado Onorevole Petrani, seu amigo e intermediário entre a onorata società e o governo italiano. Dois dias antes, Don Vito fora avisado da chegada de um tenente do FBI, Jack Petrosino, temível perseguidor dos mafiosos do Novo Mundo. O polícia americano acreditava que o aumento da criminalidade nos E.U.A. estava intimamente ligado à crescente emigração dos sicilianos. Entre 1901 e 1914, chegaram aos Estados Unidos mais de oitocentos mil sicilianos. Petrosino tinha sido responsável pelo repatriamento de diversos imigrantes ilegais. Entre eles contava-se Don Vito, que pertencia ao grupo de falsificadores detidos em 1903.
A chegada do americano coincidiu com a hora do almoço de Cascio-Ferro, entre o queijo de cabra de Caltanissetta e a cassata siciliana. Don Vito pediu licença a Petrani: teria de se ausentar por 20 minutos. Dirigiu-se para a Piazza Marina, no centro de Palermo, a cinco minutos a pé da residência do parlamentar. Quinze minutos volvidos, Don Vito afundava já a colher de sobremesa na cassata. Os dias de Petrosino tinham chegado ao fim com uma bala de pistola de cavalaria em pleno rosto. Recostado na cadeira do deputado, saboreou o café com pensativa lentidão e acendeu um charuto húngaro, manufacturado especialmente numa fábrica de tabacos de Budapeste. Nas cintas, o seu nome impresso: Don Vito.
Da ementa que presidiu a esse almoço privado constam algumas iguarias que nem o próprio Deus se permite comer. A arrancar a cavaqueira, dois antipasti caseiros: azeitonas no forno e feijões com hortelã. Seguiram-se os salmonetes com sementes de funcho e o borrego recém-nascido em molho com ervas das encostas vulcânicas, cujo sabor desliza suavemente para dentro da alma. Para culminar esta autêntica fisiologia do paladar, dois vinhos produzidos nas encostas do Etna, uma garrafa de Chianti e outra de Frascari. Como diz um velho ditado siciliano: “Provar uma gota de vinho do Etna é tão agradável ao coração do homem de bem como uma gota do sangue que corre nas veias do seu inimigo”.
Eis uma das receitas:
Salmonetes com sementes de funcho (6 pessoas)
12 salmonetes grandes das rochas
1 colher de semente de funcho
1 colher de salsa picada
150 g de toucinho
azeite
sumo de limão
sal
pimenta
Para saber como executá-la, prestemos atenção a Martine Batolomei:
“Depois de amanhados e lavados, tempere os peixes com o azeite, o sumo de limão, sal e pimenta, mais as sementes de funcho pisadas, a salsa e o toucinho cortado aos cubinhos. Prepare folhas de papel untado e, em cada folha, disponha dois salmonetes assim temperados, com a gordura do toucinho. Feche o papelote e leve à chapa ou à brasa durante cerca de 20 minutos”.
João Pedro