JPG – A primeira vez que entrou numa prisão tinha 15 anos. O que é que se passou?
Edmundo Pedro – Fui preso por estar envolvido na tentativa de greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934. É um acontecimento conhecido na crónica da luta anti-fascista, nomeadamente no movimento operário e anarco-sindicalista. Pretendia ser uma greve contra a fascização dos sindicatos, levada a cabo pela antiga CGT de influência anarquista, pela intersindical de influência comunista e pelos sindicatos autónomos que representavam alguns sindicatos de influência ainda socialista. Eles juntaram-se todos e tentaram desencadear uma greve geral.
JPG – Qual é que era o seu papel no movimento?
EP – A direcção do PCP encarregou-me de ser o elemento de ligação com o quartel instalado dentro do Castelo de S. Jorge, Caçadores 7. Tinha que fazer uma série de contactos e na tarde de 17 de Janeiro fui a Caçadores 7 com a intenção de dizer que o movimento revolucionário começaria naquela noite. Eu devia actuar na zona do Poço do Bispo, estava encarregado de cortar as linhas férreas e derrubar os cabos de alta tensão. Mas alguém denunciou o militar a quem era suposto passar a palavra, o Sargento Alfredo. Quando pedi para falar com ele fiquei logo preso. Mantive a versão que tinha combinado com os militares caso fôssemos descobertos, era o chamado “minuto conspirativo”. Libertaram-me, mas passados alguns dias. Torturados, alguns militares envolvidos revelaram tudo. Foram-me buscar outra vez.
JPG – Ficou preso quanto tempo?
EP – Fui condenado num tribunal militar especial a um ano de prisão e perda dos direitos políticos. Tinha 15 anos, o que face à Constituição que o Salazar elaborou em 1933 era ilegal. Isto chega para medir como é que aqueles coronéis de merda julgavam os presos políticos. Eu nunca podia ser julgado antes dos 16 anos no mínimo. Fui julgado aos 15 anos e mesmo que fosse julgado aos 16 não me podiam condenar à perda de direitos políticos. Face à Constituição do Salazar, só aos 21 anos é que se tinha direitos políticos, ainda que fosse apenas em termos formais. Agora é aos 18. Eles tiraram-me aquilo que ainda não me tinham dado. Um absurdo.
JPG – Quando saiu continuou as actividades conspirativas?
EP – Sim, fui eleito para a direcção da Juventude Comunista com o Álvaro Cunhal. Repare que eu pertencia a uma família de comunistas. O meu pai, Gabriel Pedro, e a minha mãe, eram comunistas, eram funcionários do PCP. A praça principal de Almada, a praça do tribunal, tem o nome dele. Morreu comunista, emigrado em Paris. Foi um dos fundadores da ARA, Acção Revolucionária Armada, o braço militar do PCP. Durou muito pouco tempo. Antes de morrer ainda veio por uma bomba no Cunene, o primeiro barco que foi sabotado contra a guerra colonial… Veio sozinho de Paris até Lisboa e voltou a Paris atravessando os Pirinéus… E tinha mais de setenta anos nessa altura! A minha mãe também pertencia ao partido… Chegámos a encontrar-nos, eu, o meu pai e a minha mãe no Governo Civil, os três presos. A minha mãe foi presa na fronteira. Tinha ido a Espanha ao serviço do PCP. No regresso foi detida por posse de documentação subversiva. Quando foi do 18 de Janeiro, ela já estava presa, nas Mónicas, há uns meses. Mas foi chamada à polícia, ao edifício ao lado do S. Carlos (era aí a Polícia de Informações, anterior à PIDE), para uma acareação qualquer. Como andavam cheios de trabalho, meteram-na no Governo Civil. Ora eu sou preso no dia 17 de Janeiro… apanhei uma cacetadas e puseram-me ali porque as esquadras estavam cheias. Fui lá encontrar a minha mãe. Ao fim de 17 dias libertaram-me. Estive apenas 8 dias em liberdade. Quando voltei ela ainda lá estava. Os tipos disseram-me: “qualquer dia está cá o teu pai”. Passado um mês e tal estava lá o meu pai. Foi lá parar também. Mas estávamos detidos por processos diferentes.