Depois de sair do Tarrafal.JPG – E o PCP, como é que reagiu à vossa fuga não autorizada?
EP – Quando saí do Tarrafal não voltei ao PCP. Fui castigado a 2 anos de suspensão e não quis voltar. Fui elogiado pela coragem demonstrada frente ao inimigo e castigado por desobedecer às directrizes partidárias. O meu pai saiu do PCP quando ainda estava no Tarrafal, por causa do Pacto Germano-Soviético. Por isso não foi castigado. Mas quando saiu do Tarrafal, o Cunhal meteu-o logo no partido. Foi um trauma do caneco sair do PCP, porque a minha vida estava ligada ao partido. Um tipo que é educado dentro do partido e sai é como perder uma perna ou um braço. Fiquei com um grande desgosto por me terem tratado como trataram. Eu tinha-me dado completamente, desde miúdo, desde os 13 anos, tinha 24 quando isto aconteceu, estava no partido há 11 anos. Depois passou-me. A minha saída permitiu-me ver coisas que se calhar não tinha visto se não saísse. O PCP distorce sempre as histórias, todas as situações, sistematicamente, como é sabido… Passaram na RTP um documentário sobre o Tarrafal feito por dois militantes do PCP. Dizem uma série de mentiras, uma abordagem meramente política, do herói, que eles é que faziam e aconteciam, que eram os mais eficazes… Tenho muito a dizer sobre o PCP, até em relação ao Cunhal, à sua ascensão ao cargo de Secretário-Geral. Como é que um intelectual ascendeu tão rapidamente num partido operário. Porque naquele tempo havia um grande preconceito em relação aos intelectuais. O Bento Gonçalves era operário, o Pável era operário. Havia aquela ideia de que o comunismo era essencialmente um movimento operário, da classe operária. Até havia uma directriz, que ainda hoje se mantém, mas que não é cumprida, segundo a qual a maioria da direcção do partido tem de ser operária… Hoje é tudo uma aldrabice. Os que se dizem operários, como por exemplo o Sérgio de Matos Vilarigues, que foi o nº 2 do PCP durante muitos anos. Eu conheci-o como marçano de uma mercearia, depois foi empregado num talho. Agora aparece como operário da indústria de carnes verdes… Dá vontade de rir… Eles fabricam operários de qualquer maneira.
JPG – E como é que se dá a ascensão fulgurante do Cunhal?
EP – Não conto. Não contei ao Pacheco Pereira, para a biografia do Cunhal… ele conta a ascensão do Cunhal à maneira dele, mas há coisas que só eu sei…
JPG – Não contou porquê?
EP – Não quis entrar em certos pormenores, não quis fazer chicana. Nas minhas memórias, em que estou finalmente a trabalhar, vão aparecer coisas que nunca foram contadas. Porque eu acompanhei, a partir do Tarrafal, todo esse processo. Ele não esteve lá, mas tudo começou no Tarrafal…
JPG – Qual é a sua opinião sobre este processo dos renovadores no PCP?
EP – Era inevitável. Há um desfasamento muito grande entre a realidade e os actuais dirigentes… Foram expulsos mas isso não vai adiantar nada. Isto é a história do Leste Europeu. Eles também colaboraram na expulsão de outros, como o Barros Moura ou o Vital Moreira, estiveram todos de acordo… é muito complicado… No Leste Europeu também foi assim: mataram-se uns aos outros sucessivamente, acusados de crimes imaginários. Aqui não se mataram porque não se podiam matar. Se assim não fosse tinham-se assassinado mutuamente. A lógica é a mesma. Eu fui educado lá dentro, sei como é. Tenho 16 anos de cadeia, não tenho complexos, a mim não me podem acusar de nada, larguei sempre tudo, os meus interesses mais elementares, dei tudo à luta contra o antigo regime. Alinhei em quase tudo, o Delgado, o Golpe de Beja, estive presente em quase todas. E não precisei de estar no PCP.
JPG – Quando saiu do Tarrafal, ao fim de cerca de 10 anos, como foi?
EP – Ainda fiquei dois dias na Cidade da Praia, à espera do barco. Numa das noites, era sábado, fui a um baile na Achada de Santo António. Conheci uma cabo-verdiana, dancei com ela, contei-lhe a minha situação… foi muito simpática… saímos dali para a praia… Quando cheguei a Portugal meteram-me no Aljube. Cheguei um homem totalmente diferente. Vinha com cabelos brancos. Os meus melhores anos ficaram no Tarrafal. Só no regresso é que me levaram a julgamento. Fui condenado a 22 meses de prisão. O tribunal não encontrou matéria no processo para me dar mais de 22 meses. Tinha estado 10 anos preso à espera de julgamento. É incrível, não é? Depois de lida a sentença ainda me fizeram ficar 2 ou 3 dias na prisão antes de me libertarem. E vinha de lá tuberculoso. O Ludgero Pinto Basto, que é médico, era da direcção do PCP na altura, ele é que me salvou. Ainda está vivo, é um grande amigo meu.