Se o que se quer fazer é falar sobre Portugal com seriedade, usar palavras grandes e conceitos filosóficos; denunciar o atavismo e o provincianismo reinantes; se o que se que pretende é expor, apontar limitações e defeitos; chamar para o combate; se se quer dizer mal da democracia representativa; se se pretende ser certeiro, lapidar e cáustico; e mesmo se o que se pretende é dizer grandes disparates em pose pessimista (como supor que os alemães, depois da II Guerra Mundial, se negaram a inscrever o III Reich e o nazismo na sua existência e na sua história), enfim, se o que se pretende é ser presunçoso, mas em grande estilo, ser um imbecil pomposo, então, o mínimo - o mínimo dos mínimos - é fazê-lo em bom português. Não é o caso com José Gil, em «Portugal, Hoje. O medo de existir». Tanto mais irritante.
O recente unanimismo burro em redor de José Gil resulta dos exactos mecanismos provincianos e abúlicos que José Gil tanto critica. Ele é a sumidade da semana. José Gil faz lembrar aqueles portugueses que vão estudar para «o estrangeiro» e, por cosmopolitismo, decidem que só falam com estrangeiros e não falam com os portugueses que lá estão, porque, afinal, «quando se está fora», falar com portugueses é parolo e provinciano. Portanto, se calhar Gil até tem razão. Afinal, se Portugal não fosse o «Portugal de José Gil», José Gil nunca teria chegado a ser, como é, «José Gil».
Rui