A imprensa adquiriu proporções invulgares. O quarto poder, que mais não deveria ser que uma voz crítica e atenta aos três tradicionais, um pensamento e um discurso sobre os factos, transformou-se, ele próprio, em facto. Aguarda-se, com expectativa, a saída do semanário; passa-se o dia numa agitação para confirmar ou desmentir a manchete do diário sensacionalista; gente demite-se por causa da entrevista concedida ao jornal de referência.
A luta entre eles torna-se mais cerrada. Quase semanalmente, uma publicação surge com renovações gráficas ou editoriais ou novos colaboradores e secções; aparecem e desaparecem periódicos. Os craques, as vedetas, são negociados entre os grandes, como se houvesse, no final, uma taça a erguer e adeptos a quem oferecer o deleite. Desdobram-se, então, em ofertas, copiam-se despudoradamente uns aos outros, com colecções, CDs, DVDs, livros, encicoplédias, histórias e manuais para a arte de voar sem brevet.
Mas o lado mais negro dos nossos periódicos é outro: a total hipocrisia. Porque, se querem guerrear entre si, não cometem nenhum pecado na tábua de valores do mercado empresarial; o problema é a suposta moralidade. Censuram-se procuradores, juízes e advogados por fugas de informação que os próprios publicam; atacam-se os políticos por todos os flancos, em tom paternalista e professoral, por quererem um mediatismo que eles próprios lhes ofereceram; censura-lhes a promiscuidade, quando foram eles a convidar ex-governantes a escrever uma coluna que lhes garanta mais 10 mil leitores.
E enquanto se julgam arautos dos bons costumes, algures num partido, alguém prepara o convite envenenado para vir brincar ao outro lado do jardim.
(Bem sei que critico a própria classe. Mas isso deve, por si só, garantir que não confundimos a árvore com a floresta.)
Alexandre