“Pessoa é um dos meus escritores preferidos. Deitaram abaixo Salazar e agora têm um governo decente. O terramoto de Lisboa inspirou Voltaire a escrever Candide. E Portugal ajudou milhares de judeus a fugirem da Europa durante a guerra. É um país bestial. Eu nunca lá estive, é claro, mas, queira ou não queira, é lá que eu vivo agora. Não, Portugal é perfeito.”
Por que parecem tão estranhas estas palavras? Por que razão nos dão vontade de rir ou, pelo menos, libertar um sorriso de piedade? E, no entanto, não foram escritas por nenhum lunático ou noutro século qualquer. É Paul Auster quem as diz, pela boca de Sidney Orr, o seu protagonista em A Noite do Oráculo, romance lançado no ano passado nos Estados Unidos, ainda que grande parte da acção decorra em 1982.
Fui surpreendido por elas ontem, enquanto avançava na leitura. E não evitei o sorriso. É verdade que a passagem “agora têm um governo decente” soa a delírio. É tão usada entre nós como “já não posso com este calor” por um siberiano ou “a Angelina Jolie é tão feia” por qualquer homem terráqueo. Mas, em tudo o resto, estão certas. E deixam de fora, obviamente, milhares… Pronto… centenas de coisas boas de que nos poderíamos orgulhar.
E, no entanto, há quanto tempo nenhum de nós diz ou ouve dizer isto: “Portugal é perfeito”? Quanto tempo levarão políticos e comentadores a perceber que jamais um pessimista terá ganho o que quer que fosse e que, como qualquer empresa, equipa, projecto, pessoa, um país só se ergue se correr atrás da ilusão de perfeição? Portugal precisa de amigos, amigos que, com frases como “Ela não te merecia” ou “Vais ver… O teu patrão ainda te vai implorar para que voltes.”, nos devolvem a confiança.
AB