Entre nós, o funcionário público ganhou pior nome que o árbitro, o polícia, o político. Ao ouvir qualquer destas palavras, já não há quem não franza, de pronto, o sobrolho, mas na conjugação “funcionário público” ou “função pública”, o movimento é acompanhado de uma vaga verbalização: “Tssss…” ou “Txiiiii…” ou mesmo “Hi-hi…”. Experimentem apresentar lá em casa o novo candidato a genro ou a nora: “Papá, Mamã, esta é a Cláudia. É de boas famílias, funcionária pública…” E o sogro logo dirá, virando a cabeça, de novo, para a televisão: “Txããã…”, enquanto a sogra se afasta, estrategicamente, para a cozinha.
A verdade é que nenhuma criancinha responde “Funcionário público!!!” à pergunta pelo que quer ser quando for grande. Mais depressa dirá taxista, obstetra, engenheiro do papel. E essa é, amigo leitor, uma cruel maldição que recai sobre toda uma classe. Será justa?
Creio que não. Há uma audácia perfeitamente notável no funcionário público que temos de respeitar. Só o percebi há dias, esperando ad aeternum num Centro de Saúde. A sala de espera estava cheia e não porque os médicos se demorassem ou os doentes quisessem, à força, contar-lhes a sua vida desde pequeninos. Estava cheia ainda antes da inscrição para a consulta porque a senhora da recepção precisava de 15 minutos para passar um talão e receber 2 euros de taxa. Chegada a minha vez, ignorei a cadeira que lá estava e deixei-me ficar de pé. E, perante o coro de protestos que posseguia do lado de lá do vidro, a senhora disse, corajosamente “Sente-se. Não se despacha mais depressa por ficar de pé.” Não moveu um músculo do rosto, não se escondeu atrás do computador, a voz não lhe tremeu o que quer que fosse. Isto tem de ser admirado. Quantos políticos, actores e treinadores de futebol não gostariam de ter este poder perante as massas em fúria?
Alexandre