Um dia, isto acontecerá. O futuro, estou certo, prepara uma espécie que comunica por imagens, balões que se formam sobre a cabeça dos falantes exibindo curtas-metragens ou instântaneos do pensamento, da memória, das emoções. E será muito melhor. A compreensão será mais fácil, as ideias mais inesquecíveis; a arte tornar-se-á acessível a qualquer homem; todos os diálogos se processarão num silêncio bom que inspirará a paz. Até as discussões se converterão em turbilhões de fotogramas.
Tudo isto a propósito de dois acontecimentos recentes, provas acabadas de como o ser humano está, por natureza, muito mais preparado para a imagem do que para a palavra: o príncipe Harry envergando um uniforme nazi; o príncipe Martunis salvo das águas, ao fim de 19 dias, agasalhado numa camisola da selecção portuguesa. Um parece falar do mal; o outro do bem. No entanto, nenhuma traz dados novos e é sequer, provavelmente, real. A inconsciência do jovem britânico não corresponde: a) a um sentimento nazi da nação que representa; b) à sua própria convicção - mesmo que ele a tivesse, nunca o assumiria. Quanto ao milagre do jovem indonésio, a) não se deve, como é óbvio, a qualquer característica especial da camisola nacional; b) é bem provável que o pequeno sobrevivente não tenha a menor noção do que traz vestido.
E, no entanto, como somos tocados pelas duas imagens. E como apetece mandar à fava estas considerações teóricas e trocar, de vez, o pensamento pela sensação. Poderíamos, assim, proibir Harry de, alguma vez, ser rei e festejar nas ruas, noites a fio, o nome de Martunis, o nosso primeiro título Mundial.
Alexandre