Assistindo, dias atrás, à estreia do magnífico Berenice, de Racine, pela companhia belga STAN (que inclui o nosso “muito cá da casa” Tiago Rodrigues), fui atacado por esse sentimento de que tanto acusa os portugueses José Gil, no seu Portugal Hoje: o Medo de Existir: a inveja.
Via os actores deambular por entre a plateia, na Casa dos Dias da Água, num espectáculo que fere a máxima de Peter Brook, segundo a qual tudo quanto necessita o teatro é de uma carpete vermelha que crie o território do palco, e, por vezes, afastava a atenção do texto para me concentrar nos seus rostos, nas vidas que lhes foram possibilitadas pela carreira que escolheram.
Era a terceira vez que os via, anos depois de 2 Antigones e Questionism. Sempre os espectáculos em idiomas estrangeiros que lhes permitem correr a Europa, palcos principais e alternativos um pouco por todo o lado. Do meu lugar periférico, julgo que era capaz de reconhecer grande parte dos rostos dos espectadores e pensava que isso lhes era impossível, que isso lhes foi sempre impossível. Já nem devem pensar no assunto. Se terão alguém para abraçar no fim do espectáculo. Porquem partem e repartem por aí, sem uma casa concreta.
E invejo-os, obviamente. Pelo meu medo de partir. Pelo risco que não quis correr de apostar numa carreira de actor que ainda chegou a dar alguns passos. Recordar-me da extraordinária sensação dos aplausos, de chegar ao fim, de conseguir comover quem não se conhece.
STAN significa “Stop Thinking About Names”, mas, durante a peça, o que dizia para mim próprio era “Stop Thinking About Nvy” (como quem diz “envy”: inveja”). E concentra-te no amor fracassado de Berenice, Titus e Antíoco. Dá-te por feliz por estares aqui e teres a oportunidade de transformar um mau sentimento em material literário…
Alexandre