Quando entrei para o curso de Filosofia, amigos avisados diziam-me que, quando desse por mim, já me teria tornado ateu. Aceitei o alerta, mas nem por um segundo vacilei a certeza de aquele ser um conselho inútil. A educação católica, a fé, hábitos e crenças de anos, não se perdiam assim, entre livros e exames.
Ao longo da faculdade, recordava-me disso e todos os dias estava mais certo daquela convicção: não se recusa a religião por ler Marx ou Nietzsche; não se troca Deus pela Ideia de Hegel ou a Morte de Heidegger.
Mas, um dia, já de diploma debaixo do braço, as coisas aconteciam como os meus amigos previram: não tinha havido qualquer tomada de decisão, um momento em que descortinara um facto inequívoco que deitava por terra os fundamentos de uma crença católica em Deus. De repente, dava por mim e Deus não estava lá. Só isso. Não era capaz de acreditar. Não por ter lido este ou aquele autor, mas por os ter lido todos e ficar viciado no raciocínio e pensar demasiado a fé para ser capaz de a ter. Não me tornara um ateu, mas já não me poderia reclamar de qualquer religião.
Desde então, espero que uma sensação de milagre me atinja directamente a pele, sem passar pela razão e tento subir à ingenuidade de onde caí.
Na última sexta-feira, uma dessas epifanias aconteceu. Como há 5 anos, no mesmo lugar, milhares de vozes seguiam Michael Stipe em “Losing My Religion”. E, no auge do tema, vendo a luz recortar as sombras dos rostos que enchiam a sala, já não ouvindo a música, mas sendo, antes, percorrido por ela, voltei a ser religioso, tornei a ser crente. Se era Deus ou não quem ali estava, não faço ideia, mas que eu acreditei Nele, disso não tenho dúvidas.
AB