Soa o gongo para o início do combate. O pugilista do PS começa logo ao ataque desferindo uma potente série de socos cruzados: “o dr. Santana Lopes tentou aproveitar uma onda de boatos contra mim...” Santana, por seu turno, joga em deslocações constantes, evitando o corpo-a-corpo: “quando a verdade é verdade ela impõe-se a todos os boatos”. Sócrates lança depois um gancho em looping: “Não venha com essa desculpa, você confunde tudo...” Santana resiste com esquivas milimétricas e responde com um jab de direita: “em Abril de 1996, em período de governação do PS, Portugal atingiu os níveis máximos de desemprego”. Sócrates dobra os joelhos, vai ao tapete mas vence a contagem de protecção do árbitro. Determinado, o pugilista do PS desfere um murro no fígado, uma obra-prima do género: “Não peçam a um socialista para virar a cara para o lado quando existe pobreza em Portugal...”. Santana vai à lona e apresenta um ligeiro corte no sobrolho direito. Já recuperado, ágil como uma serpente, dirige-se ao adversário de punhos fechados e lança uma sequência de uppercuts: “as pensões mínimas vão ser equiparadas ao salário mínimo, O Estado vai poupar 150 milhões de euros, o défice vai ser controlado.” Encurralado num canto, com a vista turvada, embaciada de lágrimas, Sócrates atira uma “bomba” de esquerda que quase arruma ali a contenda: “Eu vou criar 150 mil empregos e vou aumentar os salários dos funcionários públicos...” “E eu não vou aumentar os impostos”, contra-ataca o pugilista do PPD/PSD, encurtando os espaços e desferindo uma direita rectilínea.
Um argumento demagógico pode ser tão demolidor como um gancho esquerdo de Lennox Lewis e uma falsa promessa tão arrasadora como uma direita rápida de Evander Holyfield. A verdade é que o debate não foi assim. Isso eram outros tempos. Acabaram-se os pesos pesados na política portuguesa.
O político em campanha eleitoral é, por excelência, um gritador. Como o missionário no púlpito, o político distingue-se pelo vozeirão e pelo dedo indicador a mover-se como um cutelo.
As fúrias verbais do capitão Haddock são compêndios de insultos. Deixo aqui alguns, que os líderes políticos poderão sempre utilizar: rizópodos, ectoplasmas, coleópteros, equinodermes, protozoários, colocíntidas, zigomicetes, zapotecas, ornitorrincos, macrocéfalos, anacolutos, hidrocarbonetos, vendedores de tapetes, tocadores de gaita-de-foles, escolopendras, espécie de iconoclastas míopes, fanfarrões de orquestra, saltimbancos amestrados, lagartos desmontáveis, espécie de logaritmos, astronautas de água doce, espécie de selvagens interplanetários, ratos neurasténicos, autodidactas preparados com molho tártaro...
João Pedro