Andava eu a arrumar os meus ficheiros de jornais e revistas quando, às tantas, encontro este recorte, um texto publicado na revista
Focus do ano passado e intitulado “Desventuras de um jovem filósofo”. Leiam e ajuízem:
“Na passagem dos anos 80 para os 90 do século passado, uma estrela despontava no firmamento intelectual da Universidade Nova de Lisboa, à Avenida de Berna, nos terrenos do antigo Grupo de Companhias de Trem Auto. Um jovem professor de Filosofia começa a dar nas vistas graças à sua prolífera publicação de livros e artigos da especialidade, de valia reconhecida pelos seus pares. A ascensão foi meteórica – e, enquanto se passeava no pátio, de sobretudo aberto, com um eterno cachecol vermelho a esvoaçar ao vento, o doutor começou a sonhar alto de mais, cedo de mais.
Admitido num prestigiado centro de investigação, logo cobiçou o lugar cimeiro de secretário ao seu velho mestre, um catedrático que pouco antes atingira a idade da jubilação – 70 anos. E foi precisamente com o argumento de que o secretário já estava jubilado que o jovem filósofo convenceu o instituto governamental que tutelava aquele centro a destituí-lo por ter ultrapassado o limite de idade.
Um belo dia, quando o patriarca se preparava para dar início a uma reunião de investigadores, o jovem doutor anunciou-lhe, sem mais aquelas, que já não tinha poderes para dirigir a instituição, nos termos de uma certa da tutela, que exibiu, com ar triunfante.
O velho, ferido na sua dignidade, encaixou o golpe. Limitou-se a responder: “Então, já não estou aqui a fazer nada”. Abandonou a sala, atravessou a pequena antecâmara e saiu para o pátio. Mas quando viu que todos os investigadores o seguiam, com a única excepção do que o desafiara, voltou atrás.
O jovem filósofo vinha a sair. Cruzaram-se na antecâmara. O catedrático levantou a mão septuagenária ao mesmo tempo que martelava casa sílaba, à maneira coimbrã: “Seu malandro!”
Manuel Maria Carrilho caiu desamparado para cima de um sofá de napa preta. Com a melena desgrenhada, o sobretudo descomposto e o cachecol à banda, só teve tempo para esboçar: “Ó professor, ó professor, então, então...”
Epílogo
O velho catedrático continuou ainda por mais alguns anos a orientar doutoramentos e mestrados, até pouco antes de morrer.
O instituto que tutelava o centro de investigação acabou por ser extinto.
Manuel Maria Carrilho continuou a sua carreira fulgurante na universidade e na política, mas teve que ir pregar para outra freguesia.”
João Pedro