Um grande livro de memórias. Manuel Alegre revisita a infância em Águeda, a casa da família, as conversas dos velhos republicanos que conspiravam com a avó Beatriz, as brincadeiras de rua, o berlinde, o botão, as futeboladas, os namoros no adro da igreja, as caçadas com o pai, o colo da mãe, as criadas atrevidas que levantavam as saias, a escola, os retratos de Carmona e de Salazar, os colegas de carteira, o professor de cigarro no canto da boca, as tardes quentes de Verão no rio, as histórias de arrepiar à noite, o cheiro das fogueiras, as cenas de pancadaria com os miúdos das frequesias vizinhas, as provas de coragem e de virilidade. Tudo aquilo que faz da infância um mundo fantástico e inesquecível. Dificilmente encontraremos na literatura portuguesa dos últimos anos um livro com o talento, a simplicidade e a boa-disposição deste
Alma. Nele sentimos a melancolia do poeta e a mestria narrativa dos melhores prosadores, com o calão e a gíria perfeitamente integrados na linguagem literária. E depois há o humor, natural, sem ser forçado, como na cena do jogo de futebol entre o Beira-Rio e o Vista-Alegre ou nas discussões, bem regadas, entre republicanos e monárquicos. “Alma, dizia eu. Como quando era pequeno e dizia mãe”. Do princípio ao fim, lê-se de um fôlego.
João Pedro