Tenho o rádio de pilhas avariado. De todas as avarias que já me aconteceram esta é a mais insólita, bizarra e exótica. Deixei de poder ouvir estações em FM. Rádio, agora, só em AM. É outro mundo, uma espécie de terra crepuscular onde os sons, carregados de interferências, parecem vindos de um ponto desconhecido do universo. Como se vidas extra-terrestres estivessem a tentar comunicar connosco ou, mais assustador ainda, a falar entre si, numa língua desarticulada e impronunciável. Planeando invadir-nos, escravizar-nos. Razão tinha o Orson Welles e não percebo por que é que o David Lynch nunca se lembrou de filmar em AM. Fenómenos para-normais, estados hipnóticos, outras dimensões, está lá tudo.
Quando comecei a tomar consciência da situação em que me encontrava, a primeira coisa que fiz foi perguntar à minha ignorância: o que é que significa AM? É abreviatura de quê? Corri aos dicionários. O Cândido de Figueiredo limita-se a um lacónico “antes do meio-dia”. Não podia ser. Fui então ao da Academia das Ciências. Lá estava: Amplitude Modelada. Deve ser isto. O próximo passo foi aqui na internet. Introduzi as palavras correspondentes no Sapo, no Google e nada. Não havia resultados que me informassem, me explicassem o que era isso da Frequência Modelada. Fui parar a páginas ainda mais enigmáticas, que adensaram o mistério. Páginas onde se fala de espectros harmónicos, de sinais aleatórios em tempos contínuos, de reactância capacitiva em paralelo e outras palavras num jargão que só veio confirmar as minhas anteriores suspeitas: passa-se ali qualquer coisa, aquilo não é coisa boa. E logo agora, que acabei de sair do filme mais teoria conspiração do mundo, O Candidato da Verdade, onde há lavagens cerebrais, estados hipnóticos, humanos programados e controlados à distância, operações cirúrgicas que nos introduzem, com a ajuda de um blékandequer de grande precisão (até houve quem tivesse vomitado na sala e atingido os espectadores dos lugares da frente, nunca tinha assistido), pequenos dispositivos para controlar a nossa personalidade e as ligações sinápticas do nosso cérebro. Reparem, as frequências em AM vão do 531 ao 1602 e há estações que sintonizam no 666, faladas em línguas que misturam o marroquino, o castelhano e o português. Uma vozearia que não pode ser deste mundo. Devem achar que estou pírulas, gugu-dádá, a imaginar coisas que não existem, vindas do além. Não acreditam? E se eu vos disser que hoje, pelas 20h e 30m, Jorge Sampaio, Mota Amaral, Artur Maurício, presidente do Tribunal Constitucional, o Cardeal Patriarca de Lisboa, Jorge Palma, Nuno Guerreiro e outras personalidades vão começar copiar à mão a Bíblia, que em Vilamoura centenas de cientistas portugueses e estrangeiros discutem neste momento a fusão nuclear, que há ratinhos bebés a serem medicados com Prozac para ficarem mais deprimidos, que a União Europeia obriga os produtores de carne de bovino a removerem o crânio (incluindo o cérebro e os olhos), a coluna vertebral e a espinal medula dos animais, que Bryan Adams, Art Garfunkel, Tatum O’Neal, Sam Shepard e Bernard-Henry Levy fazem hoje anos, que as formigas argentinas...
João Pedro