O desenvolvimento do país anda a ser prejudicado pela continuada fuga de cérebros para o estrangeiro. A última grande perda foi José Mourinho - «a grande cabeça em Portugal (de certeza) e na Europa também» (assim se autodefine). Seguindo o exemplo de Durão Barroso (outro cérebro em fuga), o antigo treinador do Porto dá prioridade aos compromissos internacionais. Deixou os jornalistas do Expresso plantados durante horas, porque, primeiro, havia que visitar o centro de estágios e dar uma entrevista ao prestigiado Der Spiegel. Mesmo assim a entrevista lá saiu no último sábado. Mourinho foi generoso com o maior semanário português: «Se a visita ao estágio inviabilizasse esta entrevista, eu tinha à-vontade para dizer [ao Abramovich] que não podia ir». Há outra frase da entrevista que ilustra igualmente bem uma forma original de olhar para o seu país (e para si próprio): «O Chelsea simboliza aquilo de que os ingleses não gostam: o poder económico estrangeiro (...) E para finalizar, chega cá um portuga que veio lá do fim do mundo».
Mourinho está deslumbrado com Londres. É natural. Quando sai à rua, cruza-se permanentemente com outras glórias mundiais, «como Sean Connery e o Jeremy Irons». A deslumbrante Monica Bellucci é mesmo vizinha de prédio do Valdemar Brito, o seu adjunto: «está mal acompanhado...», ironiza. Como se isto não bastasse, ultimamente, até tem frequentado «reuniões na UEFA, de alto nível» (sim, porque mesmo na UEFA também as há de «baixo nível»). No entanto, ao contrário de certas e determinadas pessoas, não colecciona «carros e Rolex». Mas acima de tudo, o treinador do Chelsea está deslumbrado consigo mesmo. E razões para isso não lhe faltam. É provável que este prodígio nacional esteja à beira de ganhar o Prémio Nobel da Ciência. «Defendo a globalização do trabalho, a não separação das componentes físicas, técnicas, tácticas e psicológicas», afirma com autoridade. O futebol está mais próximo da ciência do que de um mundo místico, «então, não?», diz o nosso génio. Mas, na dúvida, se a ciência puder contar com a ajuda divina, melhor. Mourinho é «de direita» - se calhar democrata-cristão, como o Dr. Portas -, e por isso leva sempre o crucifixo para os jogos. Diz que «respeita, mas não alimenta as superstições». Contudo, «Se o motorista do autocarro vier com as tangas que não pode entrar de marcha atrás eu obrigo-o a entrar de marcha-atrás.» Esta prática, tal como todas as práticas científicas de Mourinho, deve estar a tornar-se paradigmática, porque que quando estive no Bernabeu (Mourinho também vai lá, mas de helicópetro) reparei que tanto o autocarro do Kiev como o do Madrid entraram de marcha-atrás.
Para Mourinho o futebol não tem segredos. «Pagam-me para ganhar. Quando não conseguir resultados sou despedido.» Nestas coisas da bola, segue a regra máxima da mais velha profissão do mundo: nunca se apaixona pelo cliente. Há quem diga que saiu mal do Porto. Mourinho contesta: «Saí a bem. Vá ver as contas do Porto. Fui vendido.» A poucos dias de regressar às Antas, para um jogo da liga dos campeões, admite que vai levar seguranças, com a mesma naturalidade com que os levaria para a capital da máfia: «Se você for a Palermo, se calhar também precisa». De resto, Mourinho é acima de tudo um grande profissional, daqueles que o prof. Cavaco quer ver na política. Ao contrário de Scolari, quando chega a casa vindo dos estágios não vai a correr para os braços da mulher. Isso é para os piegas. «Alguns dormem mal porque estão com cagufa». Ele não: após os jogos liga a televisão para contemplar as suas obras de arte. Tem, aliás, uma carreira programada ao milímetro. «Penso treinar a selecção nacional entre os 50 e os 55 anos». Por essa altura já deve ter o trabalho científico necessário para receber uma daquelas bolsas de regresso da FCT. Até lá, vai comunicando com o país através da coluna no Record. «Às vezes, faltam-me temas», declara com modéstia. Como se não tivesse sempre esse grande tema que é ele próprio. Um dia todos os portugueses serão assim.
PS: Ao contrário do que dizem as más línguas, Mourinho tem sempre uma palavra amiga para com os seus colegas de profissão. Veja-se o que diz, por exemplo, do seu conterrâneo Octávio Machado: «É um nome marcante do futebol português como treinador adjunto. Como treinador adjunto tem um currículo fantástico».
Filipe