As razões porque estava a gostar imenso do filme não vêm agora ao caso. Não se trata de dizer bem, trata-se, ao invés, de dizer mal. Já é completamente inútil que a personagem de Luísa conheça qualquer tipo de futuro no enredo. Agora, que ela morra, é completamente irritante. E porquê? Porque dá a entender que todo o seu comportamento, aquilo que diz e faz a Jano (do qual se está a separar) e aquilo que diz e faz com os rapazes, não teria tido lugar se não soubesse que estava para morrer. De um momento para o outro, tudo isso que no filme era libertário ganha uma reverberação espessamente conservadora. Repare-se que Luísa, depois da noite a três, fica na praia e banha-se na água. Ecos imediatos de «Sinais de Fogo»: o mar lava tudo? Nem tudo, nem tudo...Ela estava maculada, ela banhou-se na água, ela pôde, enfim, morrer. E eles? Os rapazes, após consumarem o caso de amor homoerótico que dava tesão à sua amizade, depois de concluírem que são irmãos de leite porque foderam as respectivas namoradas várias vezes (mas será que foderam mesmo?) e um deles a mãe do outro também, não tomaram o tal banho de mar. Embaraçados, voltaram para casa a correr e, apropriadamente, nunca mais se deram. Porque não conseguiam encarar-se. Demasiado foi dito com abundância de pormenores sobre a forma como se traíram um ao outro, os beijos que trocaram enquanto ela lhes beijava as pilas foram demasiado bons para que se repitam, a noite que juntos passaram demasiado vívida para que possa ser recordada, o vómito de manhã demasiado pouco mau. Não há amizade entre homens que sobreviva a isto.
Já de Luísa, a mulher (agora também em caixa alta), para que se emancipe de uma relação malfazeja com Jano, e depois para que possa ser o olho do furacão da tempestade sensual com Tenoch e Júlio, se requer a morte. Luísa tem que pagar um preço, tem que redimir essa violação do equilíbrio cósmico. Primeiro, ritualmente, pelo banho lustral; depois, já pura, pela morte física. Eles têm que viver com as suas acções; ela não. Ela deveria viver; ela deveria viver com a consequência das suas acções para que a morte as não diminua e assim incorporá-las na sua biografia – como toda a gente, como
eles – e seguir em frente, apenas. Isso faria dela mais e não menos humana.
O que eu acho mal é que, em Luísa, a emancipação tenha que vir embrulhada na expiação da culpa e na imperiosa necessidade de redenção e a custo da degenerescência física (ela morre de cancro). Afinal, a única coisa obscena no filme é a morte de Luísa, e o seu holocausto uma dupla infelicidade estética e ética.
Rui