Se ainda não compraram, comprem. Custa 3,99 euros e vem com o Independente. É uma verdadeira pechincha! O texto que se segue, passe a publicidade, é da minha nota de apresentação ao livro. O importante, o importante, é lerem o Pacheco.
ÁGUIA SOLITÁRIA
Não pretendo vir para aqui enaltecer o Luiz Pacheco, as qualidades da escrita, a ductilidade e a desenvoltura do estilo (singular, superlativo), as técnicas do discurso, várias, a forma desassombrada como ri das conveniências, como expõe opiniões, espirituoso, mordente, com horror do medíocre e ódio ao aborrecido, a ironia lançada à queima-roupa contra a paz cínica em que vivia vive o nosso meio literário. Contra o elogio fácil, o elogio mútuo, o trabalho de lamber de botas.
É que o talento do escritor Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco salta aos olhos. Basta lê-lo. Bom será, bom seria, que o lêssemos.
A colaboração de Luiz Pacheco na imprensa é imensa, o que desmente a ideia de escritor preguiçoso. Na verdade, fartou-se de trabalhar (há ainda muitos inéditos, avulsos, diários e correspondência por publicar) para jornais e revistas de todo o tipo: O Globo, Afinidades, Pirâmide, O Volante, República, Seara Nova, Correio do Ribatejo, Jornal de Notícias, Diário Ilustrado, Jornal do Fundão, Gazeta das Caldas, Jornal de Letras e Artes, Notícia, O Século Ilustrado, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, O Jornal, Diário Popular, A Voz do Povo, Página Um, O Ponto, A Merda, Gazeta de Palmela, O Setubalense, O Fiel Inimigo, Público, Já, Blitz, Revista Ler e Diário Económico – boa parte dessa colaboração está incluída em livros como Crítica de Circunstância, Literatura Comestível, Textos do Barro, Textos de Guerrilha, Memorando Mirabolando, Prazo de Validade, Isto de Estar Vivo e Raio de Luar.
O grosso das crónicas deste livro, nunca antes reunidas, provêm da revista angolana Notícia (em 1965-71), de Manoel Vinhas,
[1] e do jornal Diário Económico (em 1995-96), então dirigido por Nicolau Santos. A estes textos juntei outros (6), entretanto incluídos em volume, por três razões: uns, porque clarificam o tipo de crítica que defendeu e praticou; outros, porque dão sequência a textos desta antologia; outros ainda – como as primeiríssimas referências críticas a O Que Diz Molero, de Dinis Macheco, e a Levantado do Chão, de José Saramago, reunidas em Textos de Guerrilha –, porque nos recordam o seu instinto para descobrir talentos literários, como aliás fizera antes, nos anos de 1950, com Herberto Helder ou Natália Correia na Contraponto. Finalmente, incluí um texto cómico, hilariante mesmo, sobre Vergílio Ferreira.
Luiz Pacheco mostra-nos, uma vez mais, por que é considerado um excelente conversador e um Mestre da língua portuguesa. Há aqui palavras fortes, com fibra, nervo, músculo. Detonações, faíscas. Mas também palavras meigas, factos emocionais, resíduos de sensações. Sobre este livro, termino com o próprio Pacheco: «festeja-se um escritor lendo-o muito e muitas vezes, dando-o a ler, editando-o em livrinhos baratos para a grande maioria e não em fascículos caros; serve-se uma obra aproximando-a de todos.»
[1] Manoel Vinhas foi um dos homens mais ricos de Portugal e um industrial esclarecido e arguto. Foi também um notável mecenas, tendo apoiado, para além de Luiz Pacheco, artistas plásticos e escritores, como Júlio Pomar, Fernando de Azevedo, Mário Cesariny de Vasconcelos, Artur do Cruzeiro Seixas, Aldina Costa, Raul Solnado (financiou a construção do teatro Villaret), o realizador António de Macedo ou ainda o cineasta francês Michel Déon. Com o 25 de Abril e a fuga do industrial para o Brasil, muitos desses que antes haviam beneficiado do seu apoio viraram-lhe as costas. Não assim Luiz Pacheco, que para além de lhe ter dedicado o livro Exercícios de Estilo, prefaciou-lhe o livro de memórias Profissão: Exilado, Lisboa, Meridiano, Maio de 1976 (prefácio esse incluído no 2º volume de Textos de Guerrilha, Lisboa, Ler editora, Junho de 1981, pp. 93-95). Manoel Vinhas apoiou Luiz Pacheco em momentos decisivos: pagou-lhe a renda de quartos, ofereceu-lhe uma máquina de escrever (produzida na sua fábrica MESSA), tirou outra do prego, pagou fianças do tribunal, como a decorrente do processo da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (org. de Natália Correia, Lisboa, Afrodite, 1965). Nessa revista, «reaccionária e colonialista», como Pacheco hoje lembra, colaboraram também Alexandre O’Neill, Natália Correia, Agostinho da Silva, Joaquim Benite, Acácio Barradas, Carlos Porto, Lauro António e Fernando Dacosta.
João Pedro