Aprender espanhol será, provavelmente, das últimas prioridades dos portugueses. Aprendemos inglês, francês, alemão ou italiano. De vez em quando, lá aparece um Pacheco Pereira que aprendeu árabe ou chinês. Espanhol é que não. Não vale a pena. Lá no fundo, todos achamos que, com um bocado de improviso (leia-se «portunhol»), a coisa vai lá. É um raciocínio que pode sair bem caro.
Imaginemos que você está com sorte e consegue levar a Maricielo a jantar em Madrid. Um habitual desbloqueador de conversa é, já se sabe, o inevitável tema da naturalidade. Mesmo que a «chica» (rapariga) revele uma pronúncia estranha, nunca lhe pergunte: «eres basca?». Por todas as razões e mais algumas: é que «basca» significa «náusea», e a chica pode ficar a pensar que, ainda o jantar mal começou, e já lhe está a causar vómitos. Por outro lado, se você for de Braga, omita esse facto. Diga que é de Guimarães. De Braga é melhor não: se «bragas» significa «cuecas», «Braga» deve significar, com toda a probabilidade, «cueca». Há sítios melhores para se nascer, convenhamos.
Em seguida, já com a carta à sua frente, escolha tudo o que lhe apetecer, menos «langosta»: pode-lhe sair uma bela lagosta, sim senhor, mas também pode levar com um puré de «gafanhotos» (outro significado possível). Não esqueçamos que Napoleão também andou por Espanha. Uma coisa que também acontece muito neste tipo de jantares, dada a tensão que se gera, é deixar cair um talher no chão. Se deixar cair um garfo, não peça «otro garfio, por favor». «Garfio» significa «gancho», e a Marcielo vai ficar a pensar que você é sado-masoquista, o que, mesmo num país com o historial deste, é contraproducente.
Durante a conversa, é desejável que não se ponha com declarações de princípios. As espanholas, como todas as chicas, apreciam muito o sentido de humor. Mas se tiver mesmo de ser, utilize todas as expressões menos o costumeiro «no me viendo por un plato de lentillas». Se em português já soa ridículo, em espanhol ainda pior, já que «lentillas» significa «lentes de contacto» - uma coisa que dificilmente a impressionará. O mais provável, neste caso, é que a esteja a aborrecer. Aliás, se ela admitir que «tu eres aborrecido», não pense que está na hora de lançar aquela piada que trazia do hotel. Tarde de mais, meu amigo. «Aborrecer» quer dizer «odiar»; «aborrecido» em princípio significa «odioso». Ou seja: está na hora de pagar, deixar a chica em casa e voltar sozinho para o hotel.
Há sempre aqueles optimistas que, numa situação destas, ainda acreditam que vão dar a chamada «volta por cima» (dar la vuelta a la tortilla): «estuvo a tentar abonarte, querida». Bem. «A ver», como dizem os espanhóis. Em primeiro lugar, «querida» quer dizer «amante». A palavra indicada é, por estranho que pareça, a que mais se ouve no canal 18: isso mesmo, o pornográfico «cariño». Como se isto não bastasse, «abonar» não é «elogiar», mas sim «adubar» ou, pior, «estrumar». Isto não é, propriamente, «dar a volta por cima», é mais o que se chama dar a volta por baixo. Mas se depois disto tudo ela ainda lhe disser que «estás borracho», não fique contente a pensar que a Maricielo, afinal, é uma daquelas neuróticas contraditórias: mulheres assim só existem nas comédias românticas. Estamos perante uma «cena» («jantar», em espanhol) claramente dramática. Na verdade, a Marcielo acha, e se calhar com razão, que você está bêbado.
PS: Quando deixar a Maricielo em casa, nao convém que se despeça com um «noche buena». Seria como uma cereja em cima de um bolo estragado. Boa noite é «buenas noches». «Noche buena» utiliza-se apenas na noite de Natal e, como se vê por esta história, o Natal não é quando o homem quer.
Filipe