ESPLANAR

JOÃO PEDRO GEORGE
esplanar@hotmail.com

quinta-feira, agosto 26, 2004

 

A vida depois dos trinta

Sempre encontrei conforto na frase, já me esqueci de quem ma disse, «que um homem com uma barriguinha até tem charme e piada». Quem quer jogar xadrez nos abdominais de um trintão? Tinha lógica. Concluí depois que o período de validade da frase está entre os vinte e oito e os trinta, precisamente. E porquê? Porque depois dos trinta o delicado equilíbrio entre essa «endearing little tummy» e o oblongo «ter barriga» fica irremediavelmente prejudicado. E quanto mais desporto se tiver feito antes, pior. O desporto não dá saúde a ninguém, em especial depois dos trinta.
Há qualquer coisa com os trinta anos. As pessoas tendem a agir como se fosse a última oportunidade para mudar de vida. Por exemplo, tenho um amigo que diz que os trinta são o limite, ou o limiar, para escolher o que se quer fazer na vida. Aos trinta como aos quinze. Só que, ao contrário do 9º ano em que tínhamos que escolher a área de estudos e escolhíamos ir para onde os amigos iam, aos trinta escolhe-se, enfim, «livremente». Para alguns, como se da primeira vez se tratasse. Aos trinta descobrimos que temos encontro marcado com um futuro, outro e novo, e que já estamos atrasados. Somos, por isso, novos, muito novos aos trinta.
Mas também já somos velhos. O corpo, especialmente. Os trinta são o início do descalabro. Não é nada como na série «Thirtysomething». Essa série não apresenta uma versão realista da questão. Numa versão realista os actores começariam por não se lembrar de deixas e de linhas de diálogo e a malta ria-se logo muito menos. A memória começa a ir-se, aparentemente, no momento de abertura das prendas no dia do trigésimo aniversário. Bom, há depois aqueloutro assunto. Nem vou por aí. O que eu sei é que os trintões deixam de fumar em massa e não é por causa do cancro.
Aos trinta descobre-se que a versão realista da realidade é muitas vezes a versão cínica da realidade, ao contrário dos vinte e cinco em que achava que a versão realista era a versão irónica da realidade. Eu quando fiz trinta anos tinha antecipado uma festa enorme. Para estar à altura de tão épica ocasião, nada menos parecia servir que alugar um cacilheiro para uma festa. Na verdade, fiquei em casa meio acabrunhado; encurralado.
Vamos aos «factos sociais». Já não há ressaca que não dure dois dias. Antes dos trinta, quando se bebia demais dormia-se sempre muito. Agora, dorme-se menos. Antes, nunca me tinha apercebido que a ressaca induzisse estados depressivos. Agora, já percebi que sim. No outro dia deram-me a explicação técnica que envolve as palavras «cérebro», «endorfinas», «seretonina» e a frase «com a idade» seguida de vírgula. E isso é outra coisa: tornamo-nos familiares de todas essas entidades químicas que regulam os humores, o peso e afins. Não são só a maternidade e a paternidade que tornam as pessoas fluentes em farmacologia: é também uma certa idade. Antes não confundíamos William James com William Jameson. Agora pedimos o segundo ao balcão, em acessos de auto-ironia quem ninguém percebe nem acha piada.
Olhando em redor na esplanada, verifico que anda tudo no psicólogo, no psiquiatra, no astrólogo ou no sociólogo a tomar, sozinho ou em combinações, zoloft, xanax, dimicina, prozac ou imodium. Os sociólogos, por deformação profissional e escrúpulo, não fazem nada disto, ou fazem menos. Resistem pela mesma razão que o Matt Damon resiste ao Robin Williams no filme «Good Will Hunting». Resistem, também, da mesma forma que o José Mário Branco resiste. Os sociólogos, ao contrário dos jovens agricultores quarentões, já estão velhos aos trinta e são de esquerda.
Sabe-se mais da vida? Sem dúvida: sabe-se que o Nelson Rodrigues escreveu que «um homem devia nascer com trinta anos feitos». E que, até mais ver, tinha razão. Rui



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