Naquele dia, duas, três horas depois de ela ter ido embora, da rua ouvi a melodia familiar do genérico do noticiário dentro de casa. De tão comum, deveria passar despercebido, mas, desta vez, sobressaltava-me, sem que ainda percebesse porquê. Quando veio o silêncio e o pivot se preparava para começar, eu já aquietado, pronto a escutar a novidade bombástica do dia, compreendi que, na verdade, esperava notícias dela, comentários a nós. Onde estava agora, se tudo vinha correndo como planeado na viagem. Que entrassem analistas e directores de jornais para dissecar a situação. Que me explicassem o que deveria sentir, como me comportar, que palavras e acções eram recomendadas para dizer e fazer a partir daquele momento. Que pensavam a esquerda e a direita. Que expectativas teriam os meus apoiantes e os meus detractores. Que, no final do debate e da reportagem sobre os lugares por onde passámos, onde as coisas começaram e acabaram, resultasse uma de duas conclusões: "Este rapaz deveria ir em frente." "Este rapaz deveria ficar onde está."
Nada disso aconteceu. O assunto da actualidade ainda era a especulação sobre o que acontecera no aeroporto das Lajes ou a corrida à liderança do PS ou o balanço provisório dos Jogos Olímpicos.
Naquele dia, nesse dia, percebi por que deixara, praticamente, de ver serviços informativos, anos antes: porque "o mundo" que alegam trazer-me, "o mundo" que mostram e discutem não passa de uma imensa ficção. O mundo, o real, o verdadeiro, sem aspas, o que eu conheço e me importa, é aquele que tocou a minha pele, que me fez corar ou deixou hematomas, que me abraçou ou fez sentir frio.
No fim de contas, o mundo que não foi entreaberto pelo nosso corpo não é muito mais que um romance em volumes ou uma muito longa-metragem. Pelo menos, até prova em contrário.
Alexandre