Hoje, quando uma amiga me disse que vai regressar a Goa em Novembro, voltei a entrar no restaurante Casa Portuguesa, em Baga. Comecei por ouvir um fado vindo de uma gravação pouco clara e deficiente. Revisitei depois os quartos daquela que podia ser uma antiga casa de campo portuguesa e recebi de novo o calor triste das velas acesas em cima de cada uma das mesas, alumiando as paredes brancas e o mobiliário indo-português. Por fim, voltei a ter uma demorada conversa com Francisco de Sousa, o dono do restaurante. Vestido de negro e com o cabelo todo puxado para trás num carrapito, contou-me histórias da altura em que foi estudar para Bombaim e, ao sentar-se à mesa com os seus colegas do curso de Direito, sentiu o choque cultural por trazer de casa uma série de hábitos portugueses/goeses. Lembrou o som das metralhadoras das tropas indianas no dia da libertação e a voz da sua avó a dizer: "É a guerra, é a guerra". E recordou o ano de 1986, altura em que resolveu transformar uma habitação ancestral, escondida entre a vegetação selvagem e os trilhos das cobras, num restaurante que preservasse a memória da família. Hoje, quando uma amiga me disse que vai regressar a Goa em Novembro, imaginei que o prato de peixe com açorda que tinha à frente era, afinal, um xacuti de galinha. E ouvi, ao fundo, o som de uma gravação roufenha dos fados de Amália.
Nuno